Seguidores

terça-feira, 4 de junho de 2019

JANGADA - SÍMBOLO DAS PRAIAS DO SEMIÁRIDO


Por Benedito Vasconcelos Mendes

Uma das valiosas peças do acervo do Museu do Sertão, da Fazenda Rancho Verde, em Mossoró, no Rio Grande do Norte, é a Jangada Nordestina, feita de seis paus roliços de piúba, sem uso de metais (pregos ou parafusos), fixados somente com tarugos de madeira. Este tipo de transporte marítimo de vela era usado em todo o litoral nordestino, principalmente, no Litoral Semiárido, onde a caatinga avança até a beira da praia (aqui não existe a frondosa Mata Atlântica, em a Região Agreste). Este litoral de chuvas reduzidas e irregulares no tempo e no espaço, de pouca nebulosidade, de ventos constantes, de baixa umidade relativa do ar, de elevadíssima insolação e alta evaporação, por situar-se próximo à Linha Equatorial, é também conhecido por Litoral Salineiro, pois daí saem 97% do sal marinho produzido no Brasil. Nos Séculos XVIII e XIX, esta única faixa litorânea seca do Brasil, que vai do Cabo de São Roque, no Rio Grande do Norte (nos arredores da cidade de Touros-RN), e se prolonga até o Delta do Rio Parnaíba, entre as cidades piauienses de Parnaíba e Luíz Correia, era chamada de Litoral Pecuário, porque aí estavam situadas as famosas oficinas de carne de charque, nas fozes dos rios intermitentes Jaguaribe, Acaraú e Coreaú, no Ceará, e dos rios norte-rio-grandenses Apodi/Mossoró e Piranhas/Assu e do Rio Parnaíba, que é um rio perene. Deste litoral saía carne de charque (conhecida também como carne do Ceará, jabá, carne seca ou carne do sol) para abastecer as usinas de açúcar de Olinda, Recife e Salvador e os garimpos da Chapada Diamantina na Bahia, de Goiás, Minas Gerais e de Mato Grosso. Aracati carneava de 20 a 25 mil bois por ano e Parnaíba (segunda cidade produtora de charque) chegou a exportar anualmente 1.800 toneladas de charque para várias regiões do Brasil e até para Portugal. A indústria saladeiril foi de grande importância econômica para estas cidades localizadas próximas às fozes dos rios, como as cidades cearenses de Aracati, Coreaú, Granja, Camocim e Sobral; Parnaíba, no Piauí, e Mossoró e Açú no Rio Grande do Norte.

Este litoral semiárido além de possuir as condições climáticas favoráveis à produção de sal marinho, tinha também vegetação tipo caatinga (rica em forrageiras de baixo porte e, sendo uma cobertura vegetal rala, aberta, permitia a criação de gado); tinha sal para salgar a carne; água doce nos rios e porto de onde partiam as sumacas, transportando o charque. Duas secas, praticamente, exterminaram o rebanho bovino da região semiárida e, em consequência, acabaram as oficinas de processamento de carne de charque no Nordeste brasileiro (os dois anos de seca (1777-1778) e a seca de quatro anos (1790-1793)). O aracatiense José Pinto Martins, fugindo das secas do Nordeste, foi em 1780 para a foz do Rio Pelotas, no Rio Grande do Sul, e estabeleceu a indústria saladeiril naquele estado sulino, o que deu origem a cidade de Pelotas-RS.

A jangada também protagonizou a aventura da inesquecível “Raid da Jangada São Pedro”, quando quatro jangadeiros-pescadores, da praia do Mucuripe, da cidade de Fortaleza, no Ceará, conhecidos como Jacaré (Manoel Olímpio Meira), Tatá (Raimundo Correia Lima), Mané Preto (Manoel Pereira da Silva) e Mestre Jerônimo (Jerônimo André de Souza) viajaram quase três mil quilômetros até o Rio de Janeiro em uma frágil e tosca jangada de seis paus roliços de piúba, sem nenhum equipamento de comunicação e navegação (rádio, bússola, cartas náuticas, GPS ou outro equipamento de orientação e segurança), orientando-se apenas pelo brilho das estrelas durante a noite e enfrentando o perigo das calmarias, tempestades e da presença de tubarões. Viajaram durante 61 dias até a Baía de Guanabara, onde aportaram no dia 15 de novembro de 1941 e foram recebidos como heróis pelo povo, pela imprensa e pelo Presidente da República, Getúlio Dornelles Vargas.

Outro jangadeiro cearense que fez história foi Dragão do Mar (Francisco José do Nascimento), natural da vila de Canoa Quebrada (Aracati-CE), que liderou em 1881 a primeira greve de jangadeiros do Brasil, quando os grevistas impediram o embarque de negros escravos do Porto do Mucuripe para as fazendas de café de São Paulo e do Rio de Janeiro. É que naquela época ainda não existia porto para embarque e desembarque, ficando o vapor (navio) distante da praia, necessitando que os passageiros e as cargas fossem levadas até o navio de jangada. 

Pelo seu destemor, espírito de liderança e vontade de ver seus irmãos negros livre da escravidão, Dragão do Mar tornou-se consagrado abolicionista. Em 1884, ele foi ao Rio de Janeiro receber a Medalha de Ouro da Sociedade Abolicionista e nesta ocasião foi recebido pelo Imperador Dom Pedro II, oportunidade em que fez a doação ao Museu Nacional de uma jangada que ele batizou de “Liberdade”, em demonstração da luta do povo cearense em prol da Abolição da escravatura.

O litoral brasileiro, do Amapá ao Rio Grande do Sul, é úmido, com exceção desta pequena faixa litorânea, que se extende do Cabo de São Roque ao Delta do Parnaíba, que é seco e é denominado de Litoral Semiárido, Litoral Salineiro, Litoral Turístico, Litoral Camaroneiro (devido aos recentes cultivos de camarão) e, no passado, foi também conhecido por Litoral das Jangadas e por Litoral Pecuário (em virtude da criação de gado, para a produção de carne de charque).

Atualmente, as jangadas usadas pelos pescadores não são mais de paus roliços de piúba e sim de isopor revestido por tábuas de madeira.

Enviado pelo autor

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário