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sexta-feira, 19 de julho de 2019

O DIABO LOURO MATOU UM SANTO

Manoel Belarmino


Naquele ano de 1932, o sertão sergipano trovejava de cangaceiros e volantes. "Era uma febre" como diz o escritor e pesquisador Alcino Alves Costa. 

Aderbal Nogueira e Alcino Alves Costa

O sertão estava sob uma seca medonha, os raios solares do céu sem nuvens desciam estorricando tudo. A caatinga estava esbranquiçada e ressequida. Os carcarás vadiavam nas queimadas, devorando calangos e outros bichos queimados; os urubus faziam ajuntamento nos entornos dos tantos restos mortais de bois e vacas; e na Fazenda Mandaçaia já fazia algumas noites que se ouvia o canto agourento da coruja rasga-mortalha. A seca e o Cangaço desolavam aquele sertão. E o medo. O medo da fome e o medo da morte.

Na Fazenda Mandaçaia, morava o vaqueiro Santo com sua esposa Caçula e uma arredada de filhos ainda pequenos. Apesar da seca e dos cangaceiros e volantes, o vaqueiro estava sobrevivendo ali. O sossego e a tranquilidade do vaqueiro Santo acabara quando o cangaceiro Curisco apareceu repentinamente e pediu que o vaqueiro levavasse um bilhete para o fazendeiro Mané Briginho exigindo uma quantia avultada de dinheiro.

O cangaceiro Corisco

O vaqueiro Santo levou o bilhete até o fazendeiro. Dias depois estava com o dinheiro para entregar ao bandoleiro Curisco. Lampião ficou sabendo e foi à casa de Santo pegar o dinheiro que seria para Curisco e mandou Santo levar outro bilhete pedindo mais dinheiro a Mané Brijinho para entregar a Curisco. Mané Brijinho ao receber aquele outro bilhete, e desta vez escrito por Lampião, mandou mais dinheiro. Por coisas do diabo, o comandante do testacamento de Poço Redondo chamado sargento Ernani ficou sabendo daquele negócio e mandou prender Santo. Exigiu que Santo contasse tudo, mas sem êxito. Aí o comandante, desconfiado, preparou uma armadilha. Foi à casa de Santo, numa madrugada velha, escura, passando-se por Curisco e pegou o dinheiro. Santo entregou o dinheiro, no escuro, pela janela, acreditando ser Curisco, o Diabo Louro das Caatingas. Santo foi enganado.

Sem demorar muitos dias, Curisco apareceu em Poço Redondo com o demônio no couro, encachaçado. Prendeu Ariston de Horácio e foi para a Fazenda Mandaçaia. Foi buscar o dinheiro que mandou pedir a Mané Brijinho. O Diabo Louro das Caatingas encontrou Santo trabalhando na roça, consertando uma cerca, nas proximidades da sede da Fazenda Mandaçaia.

E, aos gritos, já diz:

- Santo, fio do cabrunco, traga logo o dinheiro que mandei buscar do véio do Brijinho!

O pobre do Santo, homem trabalhador e honesto, tremia de medo. Estava em apuros. Estava sem entender. Há três dias já havia feito a entrega do dinheiro solicitado ao próprio Curisco. Nada disso. Santo foi enganado pelo chefe do destacamento, o sargento Ernani.

Santo tenta explicar. Diz que há uns três dias já havia entregado a Curisco o dinheiro. O Diabo Louro das Caatingas estava mesmo como o diabo em carne e osso naquele momento. Não quer ouvir nenhuma desculpa ou explicação daquele vaqueiro, honesto, sem maldade, justo e trabalhador, um santo chamado Santo. Um santo, justo e honesto, chamado Santo estava diante de um diabo, bandido e inescrupuloso, chamado de Diabo Louro, o Curisco.

Apenas um tiro de mauser disparado impiedosamente por Curisco matou ali sob o alpendre do telheiro da Fazenda Mandaçaia um filho de Poço Redondo, o Santo de Caçula.

Dona Caçula de Santana ficou viúva naquele sertão desolado pela seca inclemente e pela violência dos cangaceiros e das volantes. Dez filhos para criar: Daniel, Manoel, Angelino, Pedro, Miguel, Rosalvo, Mariquinha, Celestina, Josefina e Maria. Todos de Caçula. Todos conhecidos com o "de Caçula". Todos com esse nome em homenagem à aquela mãe guerreira, que resistiu sendo mãe e pai para criar dez filhos sozinha, viúva da violência do Cangaço. Maria de Caçula, Manoel de Caçula... Todos os dez "de Caçula".

Manoel de Caçula, um dos filhos de Santo e Caçula, mora na cidade de Pedro Alexandre. Sempre que vou a Serra Negra eu o vejo lá. E peço a licença e compreensão do seu Manoel para postar a foto abaixo, pois sei que ele não gosta de falar sobre esse assunto de cangaço.

Na fotografia, estou eu ladeado com dona Eunice, aquela mesma senhora que guardou as urnas eleitorais em Serra Negra, captadas por Zé de Julião no dia daquela histórica segunda eleição em Poço Redondo, e com o senhor Manoel de Caçula(Manoel Florêncio de Santana), filho de Santo e Caçula.


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