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sábado, 11 de janeiro de 2020

SEM ROUPA

Sem roupa. Nua. Vestida e nua, ainda assim. E que bela recordação...
Mal ela adentrava ao portão e ele já a avistava completamente nua. Era o seu jeito de sempre avistá-la. Não por maldade, por desejo exacerbado, volúpia ou tara, mas simplesmente por que seu olhar a despia pela graciosidade sentida.
Um olhar que nela somente encontrava beleza. Tanto fazia que ela estivesse vestida de seda ou recoberta de diamantes, tanto fazia que ela estivesse em traje exuberante ou envolta em adornos. Seu olhar avistava apenas outro tipo de beleza: a da mulher em si, nela mesma.
Mas não sem motivo para tal, vez que ela era realmente bela, de doce feminilidade, de cativante sensualidade.
Morena clara, de pele jambeada, de leve queimor de sol sobre o corpo, cabelos lisos e longos, negros e sedosos, boca chamativa ao beijo, olhos entre o mel e a boca da noite. Na pele um suave frescor de flor matinal, pétala suave, somente pétala. E nas curvas do corpo a escultura de uma deusa em pleno viço da vida.
Talvez fosse por causa disso que o seu olhar tanto se encantava perante sua presença. Mas certamente também em pensamento e até em sonhos. Contudo, uma situação rara de acontecer. Não era mulher desconhecida dele, de seus beijos, de seus abraços, de suas carícias mais íntimas. Pelo contrário, era sua namorada.
Situação rara de acontecer pelo fato de já conhecê-la na sua nudez e no seu sexo e ainda assim a cada reencontro a avistava sempre com o olhar de um jovem que se encanta lascivamente perante uma bela jovem. O olhar do jovem despe a bela jovem, imagina sua nudez, deseja tê-la. E efetivamente a tem nessa ilusão carnal.
Mas ele, desde algum tempo, que já não era nada de estranho a ela. Quando ele avistou-a pela primeira vez, certamente teve o mesmo olhar e o mesmo desejo de qualquer jovem ávido por desnudar aquela que passa ou está à sua frente. Mas a situação agora era outra, já era sua namorada. E por que agir assim com tamanho encantamento perante ela?
O amor. Somente o amor para decifrar esse mistério que existe nos cantos e recônditos da alma humana. Amor sentimento indecifrável. Amor sentimento tão visível e tão oculto que mesmo avistado ainda se mantem escondido. Amor que não se contenta como amor e faz do ato de amar uma sujeição.
Aos seus olhos, a bela adormecida enquanto dormia. Aos seus olhos, a flor mais bela brotada ao amanhecer entre os lençóis. Aos seus olhos, o espanto e a gratidão de tê-la sobre a cama como uma vestal em núpcias. Como acariciar uma flor, como beijar uma pétala, como fruir do perfume sem macular a essência?
E então a acariciou, roçou-lhe os lábios, beijou-lhe a boca, tocou-lhe os seios, sugou-os levemente. E então, frêmito, caçou-a ainda mais, buscou no seu corpo os escondidos e os adormecidos. E então, ávido de prazer, em excitada labareda, em fogueira chamejante, sentiu ser recompensado no mesmo desejo.
E que instante mais distanciado da razão. Que momento mais enlouquecidamente tórrido no corpo humano. Entre sussurros e gemidos, o silêncio ofegante sendo entrecortado por raios e furacões, por tempestades e vendavais, por ventanias e turbilhões. Cai a estrela, cai um pedaço da lua, ondas arremessam sobre a cama, um vulcão desperta faminto. O ápice.
Não. O prazer não se perfaz com o sexo. A vontade do outro não quer apenas o sexo do outro. O desejo de tudo não quer o gozo como um final de ato. O sexo não é tudo, mas o amor é tudo. O sexo nunca é tudo quando o gozo buscado é o prazer pelo amor e não pelo uso e fruição.
Mas ainda assim amou. Amou por que amava e a teve em si e dentro de si como normal consequência de dois que se amam. E cujo amor carnal apenas nasce sem ser plantado em grãos de desejo meramente carnal.

Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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