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sábado, 30 de maio de 2020

O DIABO NUNCA SE ENTREGA


Por Hamilton Santos
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Era uma noite quente de agosto de 1907, no pequeno lugarejo Matinha de Água Branca, em Alagoas, quando vim ao mundo. Meu choro ressoou potente nas veredas do sertão, revelando a criança forte e saudável que acabara de nascer. Chamaram-me Raimundo. A felicidade e a alegria invadiram a casa dos meus pais. Festejaram por três dias. Cresci na velha Matinha de Água Branca correndo, brincando e cavalgando nas zonas rurais da cidadezinha. Aos dezesseis anos de idade eu já era um homem feito, musculoso, atlético e com rosto muito apreciado pelas mulheres. Destacava-me entre meus companheiros por ser o mais forte e o mais esperto. O meu cabelo longo e loiro chamava a atenção.

Com dezessete anos, numa briga de rua, matei um homem e fui perseguido e jurado de morte. Fiquei desesperado. Sem ter para onde ir me aliei ao um bando de cangaceiros famosos. Este grupo era chefiado por Lampião que passou a ser meu amigo e mestre. Aprendi tudo de cangaço com ele, admirava-o como homem forte e valente. Em pouco tempo tornei-me chefe de um dos grupos formando assim meus próprios cangaceiros. Escolhi a dedo os mais valentes, os mais destemidos. Ganhei autonomia e junto à minha cabroeira pratiquei muitos atos violentos, matei e degolei muitos inimigos, chegaram a me apelidar de Diabo Loiro, menção a minha crueldade e a cor dos meus cabelos. Este apelido me enchia de vaidade e continuava a cometer outros atos para justificá-lo.

Em uma dessas andanças pelo sertão encontrei a Salete, a mulher da minha vida. Apaixonei-me perdidamente por aquela bela mocinha, esguia,altiva, de corpo bonito, dengoso e cheio de curvas. A paixão me cegou e a levei comigo e antes de mesmo de chegar ao coito a amei na areia quente da caatinga. Salete, com sua ternura e paciência, mudou muito minha vida, me tornei mais brando e menos cruel. Em troca lhe dei proteção , carinho, ensinei a ler, escrever e atirar.Foi o período mais feliz da minha. O que era paixão se transformou em amor e até pensei em mudar de vida.

Em agosto de 1938 as volantes alagoanas atacaram a Grota do Angico e mataram e degolaram Lampião, Maria Bonita e vários cangaceiros. Desesperei - me com a notícia. Não podia ser verdade a morte de meu mestre!Enlouqueci de raiva e matei e degolei os que eu julgava terem sidos os delatores dos meus companheiros. Depois disso nunca mais prestei, passei a beber demais, de noite tinha alucinações vendo a cabeça cortada de Lampião Nesses dias sempre tive o apoio de Salete, que me acalmava e fazia-me voltar à razão. Devo muito a ela não ter endoidado de vez.

Em 1940 o presidente Getulio Vargas deu anistia aos cangaceiros que se entregaram. Não me entreguei e decidi me afastar de vez do cangaço.Estávamos repousando na Bahia, na cidade de Barra do Mendes quando fomos atacado pela volante comandada por Zé Rufino. Metralharam a mim e à minha Salete, vi meus intestinos saindo da barriga e minha mulher com a perna decepada. Agarrei as suas mãos e tentei consolá-la afirmando que tudo ia sair bem. Não saiu.Sofri longas dez horas com dores horríveis e por mim passaram, naquelas horas, cenas de minha vida penosa,sacrificada, de batalhas e os dias felizes ao lado de Salete.

Zé Rufino se acercou de mim e perguntou por que não me rendi quando ele mandou. Respondi que não era homem de se render, mesmo porque o diabo nunca se rende. De noite, quase na madrugada, na mesma hora em que nasci entreguei minha alma a Deus. Terminava ali, pra mim ,os tempos de cangaço.

HAMILTON SANTOS- texto foto do Google

OBS.: história baseada e inspirada na vida dos cangaceiros Corisco e Dadá.


http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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