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sexta-feira, 19 de março de 2021

LAMPIÃO EM JUAZEIRO – O TRIUNFO E A GUERRA QUE NÃO HOUVE

Por João Costa

Devidamente apetrechados e montando burros selados a entrada de Virgulino Ferreira e seu bando em Juazeiro do Norte em março de 1926 foi triunfal, cinematográfica, para um encontro com o padre Cícero Romão, líder religioso católico de 82 anos, e com o deputado Floro Bartolomeu, que não pode comparecer pois convalescia de sífilis em estado terminal em um hospital do Rio de Janeiro.

De 4 a 7 de março, Lampião e seu bando ficaram em Juazeiro do Norte, período em que Virgulino aproveita para se reunir com seus familiares residentes na cidade sob a proteção do famoso vigário, visitar ourives, comerciantes e, como bom marqueteiro, fazer propaganda e relações públicas dele mesmo.

Não era segredo para ninguém o objetivo da visita do bandoleiro. Ali estava também em operação militar devido a acertos políticos anteriores feitos pelo deputado Floro para que Lampião e seu bando, devido a capacidade de luta, atuassem como força integrante do Batalhão Patriótico do Juazeiro para interceptar, dar combate e impedir que a Coluna Prestes, uma força integrada por mais de mil soldados ingressasse na chamada “Terra Santa” dos sertanejos.

O bando permanecia nos arredores enquanto Lampião, tendo com sombra Antônio Ferreira e, a média distância, Luiz Pedro e Sabino das Abóboras como reforço de segurança pessoal, posou para fotos ao lado de familiares e do próprio bando, concedeu entrevista, foi à almoços e jantares, distribuiu moedas com a meninada de rua e romeiros miseráveis e pedintes.

Ao velho vigário coube a missão de cumprir o que houvera sido acertado com o deputado Floro: a entrega de armamento e munições novas em uso no Exército Brasileiro, roupas e apetrechos, além da concessão de patente de Capitão para ele e de tenente para o irmão Antônio.

Na entrevista concedida ao médico e jornalista Octacílio Macedo e publicada no jornal O Ceará, em 1926, no dia seguinte ao receber a patente de capitão do Exército Patriótico, Virgulino Ferreira mentiu a seu próprio respeito, se descrevendo como profissional, falando manso e pouco, quase sussurrando, modos tratáveis, mas mantendo seu mosquetão inseparável sem sair das suas mãos.

Falou de protetores e traidores, criou uma áurea de homem injustiçado, enfim fez marketing. Eis um trecho da famosa entrevista.

Qual seu nome e sua origem?

- Chamo-me Virgulino Ferreira da Silva e pertenço a humilde família Ferreira, do riacho de São Domingos, município de Vila Bela. Meu pai sendo constantemente perseguido pela família Nogueira e por José Saturnino, nossos vizinhos, resolveu retirar-se para o município de Água Branca, em Alagoas.

E acrescentou, “Nem por isso cessou a perseguição. Em Água Branca foi meu pai, José Ferreira, barbaramente assassinado pelos Nogueiras e Saturnino, no ano de 1917. Não confiando na ação da justiça pública – porque os assassinos contavam com a escandalosa proteção dos grandes – resolvi fazer justiça por minha conta própria, isto é, vingar a morte do meu progenitor. Não perdi tempo e resolutamente arrumei-me e enfrentei a luta. Não escolhi gente das famílias inimigas para matar e efetivamente consegui dizimá-las consideravelmente”.

Seu grupo recebe proteção de muita gente?

- Não tenho tido propriamente protetores. A família Pereira do Pajeú é quem me tem protegido mais ou menos. Todavia, conto em toda parte com bons amigos que me facilitam tudo e me escondem eficazmente quando acho que estou sendo perseguido pelos governos. Se não tivesse necessidade de procurar meios para manutenção dos meus companheiros, poderia ficar oculto indefinidamente, sem nunca ser descoberto pelas forças que me perseguiam.

A revelação - "De acordo com meus protetores, só um me traiu miseravelmente. Foi o coronel José Pereira de Lima, chefe político de Princesa, homem perverso, falso e desonesto, a quem durante anos servi, prestando os mais vantajosos favores de nossa profissão”.

Como contém um grupo tão volumoso?

- Consigo meios para manter o meu grupo pedindo aos ricos e tomando à força aos usuários que miseravelmente se negam a prestar-me auxilio.”

Dizem que você está rico. Até onde isto é verdade?

- Tudo quanto tenho adquirido na minha vida de bandoleiro mal tem dado para as vultosas despesas do meu pessoal – aquisições de armas e munições. Convido notar que muito tenho gasto com a distribuição de esmolas aos necessitados.

É comum dizerem que os cangaceiros por onde passam deixam um rastro de sangue. Como é seu comportamento?

- Tenho cometido violência e depredações vingando-me dos que me perseguem e em represália a inimigos. Costumo, porém, respeitar famílias por mais humildes que sejam, e quando sucede algum do meu grupo desrespeitar uma mulher, castigo severamente.

Consumada a vingança do seu pai, pretende deixar o cangaço?

- Até agora não desejei abandonar a vida das armas com a qual me acostumei e sinto-me bem. Mesmo que não fosse, não poderia deixar essa vida por que os inimigos não se esquecem de mim e por isso eu não posso deixá-los tranquilos. Poderia retirar-me para um lugar longínquo, mas julgo que seria uma covardia, eu não quero nunca passar-me por covarde.

Existe algum tipo de pessoa que tem preferência no relacionamento?

- Gosto geralmente de todas as classes. Aprecio de preferência as classes conservadoras – agricultores, comerciantes, etc. – por serem homens de trabalho. Tenho veneração e respeito pelos padres, por que sou católico. Sou amigo dos telegrafistas, por que alguns já me têm salvado de grandes perigos. Acato aos juízes por que são homens de lei e não atiram em mim. Só uma classe que eu detesto: é a dos soldados, que são os meus constantes perseguidores.

Comprometeu-se com o padre Cícero poupar o Ceará de suas razias; ali mesmo conheceu o secretário particular do vigário, o libanês Benjamim Abraão, com quem se encontraria anos depois.

E partiu. A Coluna Prestes já estaria a este tempo muito longe do Juazeiro. A história relada que do Juazeiro do Norte, Lampião e seu bando saíram bem armados e municiados. Não há relatos do quanto supostamente teria recebido em dinheiro para regatear com o bando.

Fonte: “Apagando o Lampião – Vida e Morte do Reio do Cangaço, de Frederico P. de Mello.

“Lampião, nem herói nem bandido”, de Anildomá Willans de Souza.

Acesse: blogdojoaocosta.com.br

Foto1. Lampião e seus familiares em Juazeiro em 1926. F2. Floro Bartolomeu e Padre Cícero. F3. Virgulino e Antônio Ferreira em Juazeiro.

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