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sexta-feira, 21 de janeiro de 2022

O MISTERIOSO LAMPIÃO

 Por Antônio Corrêa

Vejo como uma constatação, o fato de aquele que se tornou o mais célebre dos cangaceiros que existiram nos sertões nordestinos, Virgulino Ferreira da Silva, o LAMPIÃO, apesar de ser uma das personagens mais biografadas da história, bem como ter produzido, com a sua marcante, temível e antijurídica presença na sociedade brasileira, gerador de impactos profundos, violentos, injustos, que tantos prejuízos causaram às populações sertanejas, lamentáveis momentos por estes vividos, ainda hoje, o cangaço, refletido simbolicamente, de modo favorável, positivo, com repercussão em todos os tempos, nos campos social, cultural, econômico, militar, jornalístico, político, histórico, cultural, artístico. Mas, do Lampião mesmo, o propriamente dito, ou seja, aspectos da sua personalidade, do seu natural pensar, traços culturais, hábitos, costumes, subjetividades, sestros, tipo de voz; quanto às suas razões, versões da vida, disso, dele, sabermos muito pouco, para não dizer, nada.

O Lampião verdadeiro, tenho comigo, escondeu-se, ofuscou-se, não deixou que dele muita coisa soubéssemos. Não apenas da Justiça, nem dos seus algozes militares e civis, inimigos outros, Lampião se ocultou. Foram 20 anos, tempo que abstraindo seus dias de fugas, correrias e combates, restaram muitos e muitos dias de misteriosas estadas. Pareceu viver escondido em si mesmo, o cangaceiro dos cangaceiros. Muitos até o viram, mas, praticamente, dele pouco disseram.

Fez-se, de propósito ou não, um ser para não ser conhecido, o chefe-mor dos cangaceiros. Porque até mesmo gente que com ele conviveu, cangaceiros remanescentes, contemporâneos seus, foram lacônicos no dizer sobre este homem, e contraditórios quando o comparamos. Há mais de três décadas leio sobre o fascinante tema, apenas por diletantismo e curiosidade, especialmente o cangaço promovido por Lampião. São livros, revistas, cordéis, jornais (ensaios, crônicas, contos, informes, notas, perfis, biografias, notícias, comentários), sem falar de vídeos, filmes, televisão, etc.


E é exatamente este meu saber do que formalmente disseram sobre Lampião, que me faz concluir que hora nenhuma achei Lampião, a não ser o Lampião que quiseram que eu visse. Quero dizer que, a depender do que estou a ler, é o Lampião que surge em mim. Porque no escrito de cada autor, ainda que sutilmente disfarçado, há um preconcebido Lampião. Militares volantes falaram de Lampião, alguns até escreveram livros, deram entrevistas, mas sobre a biografia de Lampião, apoucadas foram as informações.
Gente do seu tempo disse tê-lo conhecido, mas muitos são os Lampiões saídos dessas férteis imaginações. Anciões centenários, a maioria afirmam terem ficado frente a frente com rei do cangaço. Mas do Lampião, se é que estou sendo entendido, não nos chegou muito.
Não estou aqui tratando das suas reais façanhas e de seus verdadeiros crimes, que não foram poucas nem poucos. Refiro-me ao Lampião real, biográfico, histórico, portanto, porque o que tempos foi com o tempo sendo fabricado, forjado, a exemplo de quando colocamos palavras, palavrões, fraseados, ditos, piadas, pilhérias, em sua boca; quando lhe damos gestos; quando dizemos dos seu modo de viver o cotidiano, de conversar, dizemos das suas aptidões, de seus talentos; quando enfatizamos a sua coragem, a sua covardia; quando enchemos o seu coração de propósitos, sentimentos; quando o vitimizamos ou atribuímos seus malfeitos ao seu caráter.


Lampião, com isso, terminou se constituindo, pelas razões que ora apresento, e outras mais, que passa pela imprensa sensacionalista, que se apropriou de Lampião e por conta deste valioso produto auferiu bons lucros. Num ser em parte ficcional, caricaturado, romantizado, mítico. Há, mas ele se deixou fotografar, que o filmarem, dirão. Ainda assim, todas as suas fotos e imagens (em movimento), se muito representam, por um lado, pelo outro, no que me interessa, muito pouco dizem da persona do aventureiro e indomável bandoleiro pernambucano, este que, a propósito, completou neste tempo 100 anos que se iniciou no cangaço.

Lampião, o filho de dona Maria e seu José Ferreira, um dos poucos brasileiros que, passados mais de 80 anos de sua morte, ainda fascina, gera ódio, ressentimento, feição, simpatia; ainda interessa a milhares; ainda continua sendo traduzido, visto, revisto, reinterpretado, estudado, o protegido de Padre Cícero, o que reforça isto que eu digo, que cada um de nós carrega um Lampião na mente, ao qual chegamos pelo processo cognitivo da heurística, ou por razões outras, como as pontes dos idealismos, do humanismo, do fascismo, visto que todos nós precisamos de explicações para não enlouquecermos com a realidade.
De um Lampião que nos apraz.

Sergipe, 27 de dezembro de 2021

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