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terça-feira, 22 de março de 2022

BENJAMIN ABRAHÃO, O HOMEM QUE ILUDIU O SERTÃO

 Por O Globo

Foto - O estrangeiro. Imigrante sírio tem a vida contada na biografia “Benjamin Abrahão — Entre anjos e cangaceiros”, do historiador Frederico Pernambucano de Mello / Divulgação

O livro do historiador recifense Frederico Pernambucano de Mello, principal estudioso do cangaço, revela a trajetória do imigrante sírio que foi secretário de padre Cícero e fotógrafo de Lampião 

O sírio Benjamin Abrahão fugiu do alistamento militar obrigatório em seu país porque temia ser convocado para a Primeira Guerra Mundial. Chegou ao Brasil em 1915, com uma carteira falsa de jornalista no bolso, e morreu com 42 punhaladas em pleno sertão, em 1938. Tinha apenas 37 anos.

Antes do fim trágico, partilhou do cotidiano de dois mitos que para os sertanejos encarnam o céu e o inferno, Deus e o diabo em terra de sol. Foi secretário particular de Padre Cícero, que até hoje atrai milhares de romeiros a Juazeiro do Norte, no interior do Ceará. E virou homem de confiança e único fotógrafo autorizado de Virgulino Ferreira, o Lampião. Embrenhou-se na caatinga com ele e seu bando de cangaceiros e documentou sua vida em fotos e num filme, que foi censurado pelo Estado Novo às vésperas de estrear nos cinemas nacionais.

Parte da história de Abrahão foi contada em “Baile perfumado”, de Lírio Ferreira e Paulo Caldas. Mas o longa de 1997 se limita ao período entre 1935 e 1937, durante a produção do filme sobre Lampião. A trajetória completa desse personagem singular surge pela primeira vez na biografia “Benjamim Abrahão — Entre anjos e cangaceiros” (Escrituras, 352 pgs, R$ 45), do historiador Frederico Pernambucano de Mello.

Pesquisador que se dedica ao estudo do cangaço há 40 anos, Mello diz que Abrahão foi, acima de tudo, um sobrevivente e um aventureiro:

— Sobrevivente por impulso de vida, e aventureiro por vocação e coragem. Da terra santa aos sertões nordestinos, onde não se mostrou capaz de avaliar o quanto o Estado Novo estava alterando a conduta dos homens ao seu redor, especialmente os da elite. Miopia, aliás, que também vitimou Lampião.

Frederico Pernambucano de Melo

Mello foi o primeiro a chamar atenção para a figura de Abrahão, em 1992. Desde então, sua curiosidade só aumentou. Detalhista, garimpou até a caderneta bilíngue do aventureiro, que pretendia transformar suas anotações em livro. Só a tradução desses escritos demandou quatro anos.

Abrahão fazia em português registros simples sobre rezas, batizados e amenidades do cangaço (chegou a anotar, ditados por Lampião, os nomes de 23 espécies vegetais da caatinga). Em árabe, gravava informações que poderiam provocar sua morte, como denúncias sobre as tropas que perseguiam Lampião: “Os soldados matam as gentes sem razão. E enviam telegramas para o governo dizendo que mataram um cangaceiro. E o governo promove a sargento o soldado que faz isso”.

Autor de “Guerreiros do sol” (Girafa, 2004) e “Estrelas de couro: a estética do cangaço” (Escrituras, 2012), Mello reconstituiu cuidadosamente os passos do estrangeiro, que desembarcou em Pernambuco com a recomendação de ficar na casa de parentes, ricos comerciantes, mas preferiu ganhar o mundo em busca de aventuras e oportunidades de fazer dinheiro.

A trajetória de Abrahão é contextualizada no turbulento momento histórico, marcado por fatos como a passagem da Coluna Prestes pelo Nordeste (entre 1925 e 1926), as ações do governo e dos rebeldes, o poder dos coronéis da caatinga, os movimentos messiânicos, a Revolução de 1930, a verticalização do poder politico no país.

Ourives, comerciante, jornalista, pioneiro do cinema documental brasileiro, Abrahão chegou a colaborar com jornais de São Paulo e Rio, inclusive O GLOBO. Em Recife, enquanto morou com os tios, trabalhou como representante comercial. Foi numa das viagens a trabalho a Rio Branco, hoje Arcoverde — a 250 quilômetros de Recife, naquela época de difícil acesso —, que se deparou com um grupo de romeiros que iam visitar o Padre Cícero.

Dizendo-se nascido em Belém, apresentou-se como “conterrâneo de Jesus Cristo” e conseguiu se tornar secretário do padre. Com “pouco escrúpulo”, como lembra Mello, transformou aos poucos a religião em negócio, tirando da “exploração de massas fanatizadas tudo que necessitava para manter padrão de vida invejável”. Morto o padre, restou-lhe negociar mechas de cabelo do milagreiro — que na verdade eram de outras pessoas. A trama acabou desmascarada, porque Cícero não tinha tanto cabelo assim.

Sem dinheiro, armou outra empreitada. Depois de conhecer Lampião em Juazeiro — quando o cangaceiro e seu bando foram convocados para lutar contra a Coluna Prestes — tentou aproximar-se dele para documentar sua vida. Fundou uma empresa, um pequeno jornal, e conseguiu com a alemã Abafilmes o empréstimo de uma câmera profissional, que gravava sem áudio. Fascinado por cinema, Lampião se rendeu aos encantos da câmera, muitas vezes assumindo a direção das filmagens.

— Em meados de 1936, Lampião era um chefe do cangaço inteiramente realizado na “profissão”. Seus dez bandos de cangaceiros dominavam, pelo terror, vastas porções rurais de sete estados do Nordeste. Participou do filme e das fotos com entusiasmo, conclamando todos os bandos-satélites a fazerem o mesmo. Estava entusiasmado com a possibilidade de mostrar ao mundo o seu “Cangaço S/A”, muito bem administrado, provido de riqueza de ouro e prata à flor da pele — explica o historiador. — A partir de 1930, quando o jornal “The New York Times” passou a acompanhar os passos de Lampião, ele se tornou figura internacional. Benjamim sabia disso, tinha forte intuição para o marketing.

Assassinato nunca foi esclarecido 

Foto | Capa do livro Benjamin Abrahão - Entre anjos e cangaceiros / Divulgação

O encontro do libanês com Lampião ganhou as primeiras páginas do “Diário de Pernambuco”, a viagem espalhou-se pelo noticiário nacional, e as imagens do grupo de cangaceiros correram o mundo. Maria Bonita virou a “Madame Pompadour do cangaço”, e os bandoleiros eram mostrados como pessoas comuns, no seu dia a dia. Benjamin virou celebridade, passando de entrevistador a entrevistado.

Em 1937, Lampião enviou um bilhete, em português claudicante, no qual afirmava que o sírio foi o único que “conceguiu filmar eu com todos os meus peçoal cangaceiros”, “noça vida nas caatingas”. E alertava que outra pessoa não havia conseguido nem conseguiria repetir a façanha: “nem eu mesmo consintirei mais”.

Abrahão tinha empenhado a alma na empreitada e se preparava para exibir o filme inédito em salas de todo o país. A revista “O Cruzeiro” chegou a publicar, em tom de crítica, a reportagem “De herói do cangaço a galã de cinema”. O fato incomodou as autoridades, o filme foi apreendido, e o repórter viu seu trabalho naufragar.

— Vivendo na corda bamba, ele teve de prometer a muitos o que não tinha para entregar. Enganou muitos, deixando desafetos pelo caminho. E quando pôde, finalmente, entregar um produto de qualidade, este já não interessava à “modernidade” do país sob a ditadura de Getúlio — avalia Mello.

Falastrão, o estrangeiro também acabou revelando segredos do cangaço, o que irritou Lampião. Cheio de desafetos, entre cangaceiros e poderosos, Abrahão foi assassinado em circunstâncias até hoje não esclarecidas.

https://blogs.oglobo.globo.com/prosa/post/benjamin-abrahao-homem-que-iludiu-sertao-482892.html

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