O famoso Lampião e o cangaço
talvez não fossem tão famosos nos dias atuais se não fosse uma série de
fotografias de seu bando, que representa os registros mais conhecidos dos
bandoleiros no Brasil. Essas imagens são de autoria de um importante e
influente fotógrafo e jornalista dos anos de 1930: o libanês erradicado no país
Benjamin Abrahão Calil Botto. Benjamin nasceu em 1901, em Zahlé (na época
cidade da Síria e, atualmente, do Líbano), de acordo com familiares. Segundo o
próprio, havia nascido em Belém, local de nascimento de Jesus Cristo.
Em 1915, Benjamin desembarcou no
Recife, fugindo do alistamento militar da sua cidade, que recrutava soldados
para a primeira Guerra. Passou a morar com parentes, que atuavam com o comércio
de ferragens. Depois de dois anos perambulando pelo sertão, atuando como
caixeiro viajante, ele se deparou com um grupo de romeiros e partiu para a
cidade dos milagres. A presença do gringo, alto e meio alourado no meio dos
milhares de nordestinos, chamou a atenção do padre.
A beata Mocinha (Joana Tertuliana
de Jesus, secretária e tesoureira do padre Cícero) se aproximou, a mando do
padre, para saber de onde vinha o forasteiro. Foi aclamado quando disse que
vinha da Terra Santa. “Padre Cícero se dirige aos fiéis e diz: meus amiguinhos,
Benjamin que está aqui é conterrâneo de Jesus”. Bastaram 15 dias para Abrahão
se converter e ser nomeado secretário pessoal do padre.
A morte do padre Cícero em 20 de
julho de 1934, aos 90 anos de idade, deixou o sírio órfão. Todas as suas
atividades e seus conhecimentos decorriam da ligação com o padre Cícero.
Benjamin trabalhou para o padre Cícero entre 1917 e 1934, e após a morte deste,
lançou-se em nova profissão: a de fotógrafo. Para começar, filmou o enterro do
padim e ofereceu a filmagem a Adhemar Bezerra de Albuquerque, que no mesmo ano
fundou a Aba Film. Depois, procurou a empresa fotográfica um novo projeto: uma
sessão de fotos e um filme sobre Lampião e seu bando, que a essa altura já era
notícia até no “The New York Times”. Adhemar forneceu a Benjamin equipamentos e
filmes, junto com as instruções básicas de como utilizá-los.
Benjamin já conhecia Lampião
porque o cangaceiro havia visitado o Padre Cícero no Juazeiro, em 1926, no
polêmico encontro entre o padre e o cangaceiro que gerou muita controvérsia e
acusações de que o padre protegia bandidos.
Metido numa roupa de brim azulão,
sacudindo a tiracolo sua máquina fotográfica, partiu Benjamin em busca do chefe
de cangaceiros. Ao longo de 18 meses, viajou pelo sertão de Pernambuco,
Paraíba, Alagoas, Sergipe e Bahia, e encontrou-se mais duas vezes com Lampião.
Segundo anotações em sua
caderneta de campo, esse foi o início de seu trajeto:
10 de maio – partiu de Fortaleza
para a missão/ 12 de maio – está em Missão Velha / 13 de maio – Brejo Santo /
14 de maio – Jati / 15 de maio – Belmonte, e Fazenda Boqueirão, em Pernambuco /
16 a 21 de maio – Vila Bela, atual Serra Talhada / 22 e 23 de maio – Custódia e
Rio Branco, atual Arcoverde / 24 de maio - Pedra de Buique / 25 de maio – de
Negras a Jaburu, quando deixa Pernambuco e chega a Alagoas / 26 de maio – de
Caititu a Mata Grande / 27 de maio – de Manoel Gomes ao Capiá / 28 de maio –
Olho d’Água do Chicão / 3 de junho – Maravilha.
Sabe-se que em Belmonte, seu
Terto Donato (Tertuliano Donato de Moura), hospedou o fotógrafo sírio-libanês
em sua vetusta residência. A bem da verdade, antes de se tornar hotel em 1942,
a Casa de Seu Terto sempre teve vocação de acolhimento, de hospedaria. Arrancho
de bispos, padres, juízes e até mesmo cangaceiros o casarão sempre se prestou
para esse fim.
Tempo depois, Benjamin radicou-se
na Vila do Pau Ferro, município de Águas Belas, em Pernambuco, tomando o lugar
como sua base de operações. Inaugurou a parte terrestre de sua busca em
Maravilha, no estado de Alagoas. Assim começava a sua aventura em busca de
Lampião e seu bando.
Entre tantas histórias que
circulam em torno do seu encontro com o Rei do Cangaço, uma delas conta que
depois de muito procurar aquele famoso cangaceiro, já desiludido, foi Benjamin
apanhado por elementos do bando, que o levaram de olhos vendados, à presença de
Virgulino, que esperava de garrucha engatilhada; pensava que se tratava de um
agente secreto. Lampião não conhecia máquinas de filmar, e, julgando que a de
Benjamin era uma metralhadora, recusou-se a pousar. Finalmente disse:
- Turco, se isso não mata, te
coloca na frente, que eu viro a manicaca.
Foi o bastante. Durante dois
meses, Benjamin acompanhou o bando, presenciando inclusive, combates com a
Polícia.
No decorrer do ano de 1937, o
material produzido por Benjamin foi divulgado pelos “Diários Associados”. As
fotos e detalhes na vida no Cangaço foram divulgadas por diversos órgãos como o
“Jornal O Povo”, “Diário da Noite”, “Diário de Pernambuco”, e a revista “O
Cruzeiro”. Nas matérias escritas sempre havia questionamentos sobre o fato de
Lampião e seu bando continuar solto, já que podiam ser encontrados para fotos e
reportagens.
As fotografias dos cangaceiros em
poses que transmitiam orgulho e segurança irritaram o presidente Getúlio
Vargas, fato que impulsionou o definitivo esforço de repressão que exterminaria
os bandoleiros do sertão. Além disso, o documentário sobre Lampião foi
apreendido. O filme foi exibido no Cine Moderno, em Fortaleza, em sessão
exclusiva para autoridades policiais do Estado.
Benjamin Abrahão foi assassinado
com 42 facadas na vila de Pau Ferro, antigo distrito do município de Águas
Belas, hoje Itaíba, em 7 de maio de 1938, e nunca se descobriu quem foi o autor
do assassinato. A verdade é que ele tinha muitos inimigos, ainda mais com o
advento ditatorial no Brasil e a implantação do Estado Novo.
“BENJAMIM ABRAHÃO – ENTRE ANJOS E
CANGACEIROS” – 2012 – É o título do livro que escreveu o historiador Frederico
Pernambucano de Mello, com o intuito de trazer ao conhecimento de todos a
biografia do secretário do Padre Cícero (1917 a 1934) e fotógrafo autorizado do
cangaceiro Lampião (1936 a 1938), que possibilitou uma documentação do cangaço.
Sobre a referida obra comentou o seu autor:
"A biografia que escrevi é
de um homem com essência muito comum, mas que tem uma história de grande
interesse pela vinculação que teve com as figuras mais polêmicas do Nordeste do
Brasil."
“LAMPIÃO E BENJAMIN ABRAHÃO – Uma
das mais Importantes Reportagens Fotográficas dos Últimos Tempos”, tem autoria
do valoroso historiador e pesquisador de Fortaleza, Ângelo Osmiro Barreto. Tive
a grata satisfação de participar do lançamento da referida obra por ocasião do
evento do Cariri Cangaço em Piranhas/AL, no dia 29 de julho último.
Valdir José Nogueira de Moura
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