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quinta-feira, 11 de agosto de 2022

EM BELMONTE NA RESIDÊNCIA DE SEU TERTO DONATO SE HOSPEDOU O FOTÓGRAFO DE LAMPIÃO BENJAMIN ABRAHÃO

Residência do sr. Tertuliano Donato de Moura que hospedou o fotógrafo de Lampião, o libanês Benjamim Abrahão, quando de sua passagem por Belmonte em 15 de maio de 1935.

O famoso Lampião e o cangaço talvez não fossem tão famosos nos dias atuais se não fosse uma série de fotografias de seu bando, que representa os registros mais conhecidos dos bandoleiros no Brasil. Essas imagens são de autoria de um importante e influente fotógrafo e jornalista dos anos de 1930: o libanês erradicado no país Benjamin Abrahão Calil Botto. Benjamin nasceu em 1901, em Zahlé (na época cidade da Síria e, atualmente, do Líbano), de acordo com familiares. Segundo o próprio, havia nascido em Belém, local de nascimento de Jesus Cristo.

Em 1915, Benjamin desembarcou no Recife, fugindo do alistamento militar da sua cidade, que recrutava soldados para a primeira Guerra. Passou a morar com parentes, que atuavam com o comércio de ferragens. Depois de dois anos perambulando pelo sertão, atuando como caixeiro viajante, ele se deparou com um grupo de romeiros e partiu para a cidade dos milagres. A presença do gringo, alto e meio alourado no meio dos milhares de nordestinos, chamou a atenção do padre.

A beata Mocinha (Joana Tertuliana de Jesus, secretária e tesoureira do padre Cícero) se aproximou, a mando do padre, para saber de onde vinha o forasteiro. Foi aclamado quando disse que vinha da Terra Santa. “Padre Cícero se dirige aos fiéis e diz: meus amiguinhos, Benjamin que está aqui é conterrâneo de Jesus”. Bastaram 15 dias para Abrahão se converter e ser nomeado secretário pessoal do padre.

A morte do padre Cícero em 20 de julho de 1934, aos 90 anos de idade, deixou o sírio órfão. Todas as suas atividades e seus conhecimentos decorriam da ligação com o padre Cícero. Benjamin trabalhou para o padre Cícero entre 1917 e 1934, e após a morte deste, lançou-se em nova profissão: a de fotógrafo. Para começar, filmou o enterro do padim e ofereceu a filmagem a Adhemar Bezerra de Albuquerque, que no mesmo ano fundou a Aba Film. Depois, procurou a empresa fotográfica um novo projeto: uma sessão de fotos e um filme sobre Lampião e seu bando, que a essa altura já era notícia até no “The New York Times”. Adhemar forneceu a Benjamin equipamentos e filmes, junto com as instruções básicas de como utilizá-los.

Benjamin já conhecia Lampião porque o cangaceiro havia visitado o Padre Cícero no Juazeiro, em 1926, no polêmico encontro entre o padre e o cangaceiro que gerou muita controvérsia e acusações de que o padre protegia bandidos.

Metido numa roupa de brim azulão, sacudindo a tiracolo sua máquina fotográfica, partiu Benjamin em busca do chefe de cangaceiros. Ao longo de 18 meses, viajou pelo sertão de Pernambuco, Paraíba, Alagoas, Sergipe e Bahia, e encontrou-se mais duas vezes com Lampião.

Segundo anotações em sua caderneta de campo, esse foi o início de seu trajeto:

10 de maio – partiu de Fortaleza para a missão/ 12 de maio – está em Missão Velha / 13 de maio – Brejo Santo / 14 de maio – Jati / 15 de maio – Belmonte, e Fazenda Boqueirão, em Pernambuco / 16 a 21 de maio – Vila Bela, atual Serra Talhada / 22 e 23 de maio – Custódia e Rio Branco, atual Arcoverde / 24 de maio - Pedra de Buique / 25 de maio – de Negras a Jaburu, quando deixa Pernambuco e chega a Alagoas / 26 de maio – de Caititu a Mata Grande / 27 de maio – de Manoel Gomes ao Capiá / 28 de maio – Olho d’Água do Chicão / 3 de junho – Maravilha.

Sabe-se que em Belmonte, seu Terto Donato (Tertuliano Donato de Moura), hospedou o fotógrafo sírio-libanês em sua vetusta residência. A bem da verdade, antes de se tornar hotel em 1942, a Casa de Seu Terto sempre teve vocação de acolhimento, de hospedaria. Arrancho de bispos, padres, juízes e até mesmo cangaceiros o casarão sempre se prestou para esse fim.

Tempo depois, Benjamin radicou-se na Vila do Pau Ferro, município de Águas Belas, em Pernambuco, tomando o lugar como sua base de operações. Inaugurou a parte terrestre de sua busca em Maravilha, no estado de Alagoas. Assim começava a sua aventura em busca de Lampião e seu bando.

Entre tantas histórias que circulam em torno do seu encontro com o Rei do Cangaço, uma delas conta que depois de muito procurar aquele famoso cangaceiro, já desiludido, foi Benjamin apanhado por elementos do bando, que o levaram de olhos vendados, à presença de Virgulino, que esperava de garrucha engatilhada; pensava que se tratava de um agente secreto. Lampião não conhecia máquinas de filmar, e, julgando que a de Benjamin era uma metralhadora, recusou-se a pousar. Finalmente disse:

- Turco, se isso não mata, te coloca na frente, que eu viro a manicaca.

Foi o bastante. Durante dois meses, Benjamin acompanhou o bando, presenciando inclusive, combates com a Polícia.

No decorrer do ano de 1937, o material produzido por Benjamin foi divulgado pelos “Diários Associados”. As fotos e detalhes na vida no Cangaço foram divulgadas por diversos órgãos como o “Jornal O Povo”, “Diário da Noite”, “Diário de Pernambuco”, e a revista “O Cruzeiro”. Nas matérias escritas sempre havia questionamentos sobre o fato de Lampião e seu bando continuar solto, já que podiam ser encontrados para fotos e reportagens.

As fotografias dos cangaceiros em poses que transmitiam orgulho e segurança irritaram o presidente Getúlio Vargas, fato que impulsionou o definitivo esforço de repressão que exterminaria os bandoleiros do sertão. Além disso, o documentário sobre Lampião foi apreendido. O filme foi exibido no Cine Moderno, em Fortaleza, em sessão exclusiva para autoridades policiais do Estado.

Benjamin Abrahão foi assassinado com 42 facadas na vila de Pau Ferro, antigo distrito do município de Águas Belas, hoje Itaíba, em 7 de maio de 1938, e nunca se descobriu quem foi o autor do assassinato. A verdade é que ele tinha muitos inimigos, ainda mais com o advento ditatorial no Brasil e a implantação do Estado Novo.

“BENJAMIM ABRAHÃO – ENTRE ANJOS E CANGACEIROS” – 2012 – É o título do livro que escreveu o historiador Frederico Pernambucano de Mello, com o intuito de trazer ao conhecimento de todos a biografia do secretário do Padre Cícero (1917 a 1934) e fotógrafo autorizado do cangaceiro Lampião (1936 a 1938), que possibilitou uma documentação do cangaço. Sobre a referida obra comentou o seu autor:

"A biografia que escrevi é de um homem com essência muito comum, mas que tem uma história de grande interesse pela vinculação que teve com as figuras mais polêmicas do Nordeste do Brasil."

“LAMPIÃO E BENJAMIN ABRAHÃO – Uma das mais Importantes Reportagens Fotográficas dos Últimos Tempos”, tem autoria do valoroso historiador e pesquisador de Fortaleza, Ângelo Osmiro Barreto. Tive a grata satisfação de participar do lançamento da referida obra por ocasião do evento do Cariri Cangaço em Piranhas/AL, no dia 29 de julho último.

Valdir José Nogueira de Moura

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