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segunda-feira, 31 de outubro de 2022

UM OLHAR FRANCÊS SOBRE A VIDA DE LAMPIÃO - PESQUISADOR JACK DE WITTE BUSCA EDITORA PARA PUBLICAR EDIÇÃO EM PORTUGUÊS DE SUA BIOGRAFIA

 Por Fellipe Torres - Diário de Pernambuco

Jack de Witte
(Foto Kiko Monteiro)


O primeiro grande sucesso internacional do cinema brasileiro ganhou o mundo há 61 anos, em 1953. Trata-se de O cangaceiro, escrito por Lima Barreto (cineasta homônimo do autor de "Triste fim de Policarpo Quaresma)" em parceria com Rachel de Queiroz. Bastante premiado, inclusive no Festival de Cannes, o filme circulou por 80 países. Na França, onde passou cinco anos em cartaz, o longa-metragem inspirado na história de Lampião encantou muitos espectadores, e particularmente Jack François de Witte, na época adolescente.

O cenário de truculência e banditismo no Sertão nordestino permaneceu no imaginário do francês por toda a vida. Décadas mais tarde, já formado em engenharia eletrônica, morou três anos no Rio de Janeiro, quando teve a oportunidade de conhecer mais sobre a lenda por trás de ficção, o cangaceiro Virgulino Ferreira da Silva. Ao se aposentar, intensificou a pesquisa em jornais das décadas de 1920 e 1930, além de montar biblioteca com 60 livros sobre o assunto. “Me tornei um apaixonado pelo cangaço”, diz.

Munido de bastante informação, de Witte percorreu cidades nordestinas na tentativa de refazer os passos de Lampião. Visitou desde o local de nascimento, em Serra Talhada, no Sertão pernambucano, até onde foi morto, na fazenda Angico, em Sergipe. O resultado da imersão na história do cangaço rendeu o livro "Lampião VP - Sans toit , sans roi, sans loi" (em tradução livre, sem casa, sem lei, sem rei), lançado há seis anos em Paris. Agora, o escritor francês circula em busca de editora para publicar a obra em português.


A despeito de ter sido embasada em extenso levantamento, a narrativa é construída na primeira pessoa, do ponto de vista de Lampião. “Quis fazer uma abordagem meio literária, então associei notícias de jornal com essa nova maneira de contar a história”, explica Jack de Witte. No encadeamento de ideias, contudo, também há espaço para a imaginação e a subjetividade. O “VP” do título, vale ressaltar, é uma referência à comparação feita entre Virgulino e o traficante carioca Marcinho VP (protagonista de Abusado, de Caco Barcellos).

Na avaliação do pesquisador do cangaço Frederico Pernambucano de Mello, o livro é um “romance histórico desafiador”, referindo-se à maneira peculiar de narração. “Para o historiador, cometimentos assim chegam a ser arrepiantes... Mas o certo é que ele [o autor] cercou-se de informações densas sobre a vida do cangaceiro”. Pernambucano de Mello foi um dos que colaboraram com a pesquisa do francês. “Creio que cabe a tradução para o português. O assunto está vivendo efervescência máxima”, completa.

Sobre o interesse em editar a obra no Brasil, de Witte diz ter essa intenção desde o início da pesquisa.
 “Não escrevi o livro para os franceses, e sim para, de algum modo, fazer parte dessa história”.
E aproveita para explicar a pouca repercussão desde o lançamento em Paris.
“As pessoas na França são muito egocêntricas e etnocêntricas, não estão abertas para aprender a respeito de outros locais”.
Lampião, segundo estrangeiros

“Bandido social” (Visão britânica)

Eric Hobsbawn - Bandidos (Paz e terra, 254 páginas, R$ 55,00)

O historiador britânico Eric Hobsbawm traça perfis de vários “bandidos sociais” ao redor do mundo, entre eles, Lampião. No livro, ele aponta a lenda de Robin Hood como ideal universal do bom ladrão para analisar como a ausência pode transformar criminosos em heróis. A análise rendeu muitas críticas, sobretudo por sugerir que essas figuras representavam a “reação dos excluídos” contra a opressão de alguns poderes centrados no campo. No caso particular de Lampião, Hobsbawm o considerava um “bandido social” com a ressalva de que havia nele uma ambiguidade. Era “meio nobre, meio monstro”.


Para adquirir este livro entre em contato com o Professor Pereira. franpelima@bol.com.br ou fplima1956@gmail.com

Bandido de origem social” (Visão Norte-americana)


Lampião: o rei dos cangaceiros (Paz e terra, 335 páginas, R$ 47,50), de Billy Jaynes Chandler

O norte-americano Billy Chandler é um dos críticos de Hobsbawm. Para ele, Lampião só se encaixa no conceito de “bandido social” por ter origem em ambiente injusto, e que seria exagero falar em justiça social por parte do cangaceiro. Na biografia de Virgulino, examina a trajetória desde a infância até o episódio de sua morte. Separa fatos da ficção e coloca o personagem no contexto do sertão, onde tornar-se cangaceiro era um ato natural e atrativo para o filho de um agricultor. Relatos atuais e da época, arquivos e entrevistas sustentam a análise sistemática sobre o cangaceiro.


 “Gênio do Marketing” (Visão francesa)

Lampião - Senhor do Sertão (Edusp, 392 páginas, R$ 200,00), de Élise Grunspan-Jasmin

A historiadora francesa fez vasto levantamento e comparou várias versões sobre a vida de Lampião. Também explica como a imagem do “mito” foi construída pela imprensa dos anos 1930, que embora criticasse a violência, ajudava a construir a lenda do herói invencível, de corpo fechado. Ela aponta as numerosas fotos publicadas na imprensa, e revela o enorme prazer de Virgulino em posar para fotógrafos e se ver nos jornais. Com grande senso de marketing, manipulava jornalistas para se promover. A “lenda” seria reforçada com a literatura de cordel, bonecos de barro, filmes e músicas.

 Para adquirir este livro entre em contato com o Professor Pereira. franpelima@bol.com.br ou fplima1956@gmail.com

Depoimento: Frederico Pernambucano de Mello

Frederico Pernambucano de Mello
Foto: Igo Bione/Jornal do Commercio

 “Conheci pessoalmente Jack de Witte em Paris, em 2004, quando fui fazer palestra sobre o cangaço. Alto, magro, contido, ares de jesuíta que largou a batina. No dia seguinte, à noite, nos avistamos demoradamente para um vinho em casa da também brasilianista do cangaço Élise Grunspan-Jasmin.

Jack estava cavando informações para escrever seu livro sobre Lampião, um romance histórico muito desafiador, vez que corre o risco de dar voz ao grande cangaceiro, fazendo com que este vá alimentando a narrativa com revelações sobre fatos e sobre motivos por trás desses fatos. Para o historiador, cometimentos assim chegam a ser arrepiantes...

Mas o certo é que ele não se lançou ao risco a partir do vazio. Ao contrário,  cercou-se de informações densas sobre a vida do cangaceiro, detendo-se por anos no levantamento destas, o que confere respeitabilidade ao produto final. Li a versão em francês de seu livro, faz alguns anos, e creio que caiba a tradução para o português, com vistas ao nosso público. O assunto está vivendo efervescência máxima.

Jack de Witte está longe de ser um aventureiro. Cercou-se criteriosamente dos elementos necessários a nos dar a visão pessoal do que entende terem sido algumas das razões e propósitos do Capitão Virgulino Ferreira. Trata-se, por outro lado, de um enamorado do Nordeste do Brasil sem meios-termos, sobretudo dos sertões setentrionais. Que não deixa turvar seus estudos por essa paixão.”

Publicado originalmente in Diário de Pernambuco

http://lampiaoaceso.blogspot.com/search/label/Jack%20de%20Witte

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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