*Rangel Alves da Costa
Todo santo dia
surge mais uma baboseira sobre o cangaço. Só faltam dizer que encontraram
Lampião na porta do INSS para fazer prova de vida. E não sei se não dizem. Um
diz que Lampião morreu em Minas, já outro assevera que sua morte ocorreu na
alagoana Pão de Açúcar.
Um diz que
morreu envenenado, já outro diz que nem morreu. Pelo jeito, Angico vai se
tornando última opção como local de morte. Sim: dizem que aquelas cabeças eram
de manequins, pois tudo armação para esconder a fuga acertada de Lampião. O
sangue era tinta vermelha e os corpos degolados eram de mentirinha.
Todo santo dia
surge uma história assim, sem pé nem cabeça, coisa que nem faz boi dormir. O
pior é que muitos acreditam. E pior ainda que muitos escrevem sobre tais
mentiras como se verdades fossem. E vão espalhando as aleivosias e os embustes
de forma vergonhosa, mas sem vergonha alguma.
Por que tudo
isso ocorre? Ora, só pode ser por falta de conhecimento histórico,
principalmente da história do Cangaço. E conhecimento que implica em leitura, em
pesquisa, em estudo de campo, em ter tempo para ouvir os antigos relatos e
testemunhos, para ter capacidade suficiente de avaliar criticamente o dito e o
escrito, extraindo de tudo as possíveis verdades. Ou as muitas mentiras.
Conhecimento que implica ainda em buscar diversos escritos sobre a mesma situação, de modo a tornar os múltiplos relatos em possível norte de entendimento. Para conhecer o Cangaço não se deve buscar as aparências ou basear-se somente em teorias conspiratórias. O Cangaço é uma colcha de retalhos que deve ser avistada no todo, desde suas raízes à junção de cada pedaço, pois um entremeado de ações e consequências. E num contexto que envolve injustiça, opressão, vingança, coronelismo, política e traição, dentre outros aspectos.
O acontecido
permanece na história, os testemunhos ainda são muitos, mas gente ainda há que
prefere o achismo ou o duvidoso. Tudo bem, mas será preciso um mínimo de
atenção aos fatos, aos contextos e suas relações. Não se pode dizer apenas que
não foi assim. Mas por que não foi assim? Então há que se demonstrar, com
seriedade e provas, como de modo diferente aconteceu.
A maioria dos
livros sobre o cangaço peca pelas ideologias e defesas próprias dos autores,
sem buscar a devida isenção que todo escrito histórico precisa ter, mas ainda
assim muitos escritos existem que são confiáveis e que – senão donos da verdade
– ao menos traçam confiáveis percursos.
Os testemunhos
gravados e que vão surgindo, igualmente devem ser vistos com ponderação, senso
crítico e agudeza de discernimento. Até mesmo aqueles que estavam em Angico
contam a mesma história de forma diferente e, na maioria das vezes, trazendo
para si um protagonismo que nunca existiu. Volantes, coiteiros, cangaceiros,
tudo contando a seu modo o que aconteceu de uma forma única. E assim fica
difícil de saber quem está dizendo a verdade.
E eis a chave
do problema. Apenas um livro ou dois não vai dar o conhecimento suficiente a
ninguém. Apenas um testemunho ou dois não vai trazer a verdade a ninguém. Por
isso mesmo será sempre preciso o descontentamento. Não se contentar com a
história dada é a raiz da questão.
E assim, mesmo que jamais chegue a verdades absolutas sobre a história do Cangaço, a pessoa ao menos não vai querer nem ler ou ouvir baboseiras, mentiras, coisas de quem parece não ter o que fazer.
Escritor
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