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terça-feira, 20 de dezembro de 2011

A VIDA DE ZÉ DO TELHADO


O NOSSO, “CHE… DO TELHADO”


José Teixeira da Silva, vulgo Zé do Telhado foi, na essência, salvo as devidas distâncias de contexto, o nosso Che Guevara. De facto, assim continua a sua memória entre quem dele ouviu histórias e de quem algo conhece da sua atribulada existência que, grosso modo, consistia em… subtrair aos ricos para, distribuir pelos pobres.
Em rigor, verdade se diga, nem sempre assim foi, apesar de escassos terem sido os assaltos a alguns, arrogantes, remediados. Rigorosa foi a sua postura, sempre, a favor do mais fraco, independentemente da sua condição social e, das vítimas dos poderosos de então. Devido a este comportamento, tornou-se num marginal, um fora-da-lei, por necessidades, opção sua e porque a Lei, apesar de Lei, nem sempre é promotora de justiça.
Vivia na aldeia de Castelões de Recezinhos, município de Penafiel, onde nasceu em 1816, com a família, sendo um jovem do campo, inteligente, de bom porte físico, trabalhador e bastante sociável. Em suma, era o orgulho daquela pacata aldeia. Tornou-se homem muito cedo já que, aos catorze anos saiu de casa começando por abraçar a profissão de castrador e de curandeiro de animais, actividade conhecida pela designação de “alveitar”, ou seja, veterinário não diplomado.
A primeira contrariedade da sua vida foi o amor escondido que tinha com a sua prima Aninhas, ao qual, o seu tio e pai daquela bela donzela, um ex-soldado das fileiras de Napoleão que, aquando das invasões francesas, por cá ficou, não dava tréguas nem consentimentos. O amor entre os dois, esse, resistiu pelos anos fora até se consumar o enlace… o Zé nunca foi homem de desistir.
Entretanto, chegou a vida militar e, lá foi rumo a Lisboa. Rapidamente, devido à sua subtil inteligência e bravura se tornou no orgulho dos oficiais do Regimento onde serviu, sendo conhecido no meio pelo “soldado do Norte”. Foi na vida militar que a sua vida começou a projectar o Zé do Telhado que conhecemos. A falta de entendimento entra os protagonistas políticos de então, levou à guerra civil entre Setembristas e Cabralistas, na qual o nosso Zé se viu envolvido, lutando pelos Setembristas, ao lado do Marquês, Sá da Bandeira. Entretanto, o pai da Aninhas acaba por aceitar o enlace da sua filha Aninhas com o seu sobrinho Zé do Telhado, goradas as ideias peregrinas de a ver casada com um dos abastados ricos pretendentes da região. Com a breve acalmia da guerra civil, regressou a Lousada, onde vivia a sua amada a fim de consumar o casamento. Assim aconteceu, tendo, regressado à vida das feiras e práticas de “alveitar”.
Entretanto, a guerra civil retoma o país, agora mais sangrenta que nunca devido ao envolvimento popular. Zé do Telhado deixa a seu pacato viver de aldeão e, de novo, volta a participar na guerra, apresentando-se ao serviço da Junta Militar de Sá da Bandeira, na mui nobre e sempre leal, cidade do Porto. Uma das Leis de Costa Cabral, que na época mais revoltou a população, foi a da proibição de sepulturas dentro das igrejas, levando à revolta, liderada por mulheres que enfrentavam as autoridades com todas as alfaias utilizadas nas lides do campo, conhecida pela; “A Revolta da Maria da Fonte”. Por esta altura, devido às suas boas capacidades, Zé do Telhado é promovido a sargento passando a comandar o pelotão de cavalaria da escolta do seu general Sá da Bandeira. A bravura do nosso sargento em actos militares contra os actos de roubo, violações de mulheres e saques praticados pelos “Cabralistas”, e o facto de ter salvo a vida ao seu general, este condecorou-o com a medalha de “Torre de Espada”!
Devido ao superior poderio dos Cabralistas, as hostes Setembristas sofrem uma pesada derrota na batalha de Valpaços, levando a uma reorganização dos combatentes. A falta que Zé do Telhado sabe estar a fazer à sua família leva-o por alguns dias à aldeia, onde é recebido como um herói! Por sua vez, a Aninhas, persistentemente, tentava persuadir o seu marido a não continuar a participar na guerra até porque, a situação financeira da família era débil porque, o Zé gastou as economias familiares com a guerra em que, empenhadamente, participava. Determinado, volta à guerra participando numa revolta dos presos da cadeia de Lisboa. O país está ingovernável! A rainha D. Maria II e os seus aliados cabralistas pedem ajuda a espanhóis, franceses e ingleses e estes, entrando no país, dizimam tudo aquilo que seja político. Com a assinatura da Convenção do Gramido, acordada entre os beligerantes, em 1847 no Porto, termina aquela sangrenta guerra civil. Começa a entrega das armas sob a ameaça dos cárceres do Forte de Peniche e das galerias da fortaleza de Almeida. É o fim da carreira de guerrilheiro resistente, do sargento patuleia José Teixeira, vulgo Zé do Telhado e o seu regresso à aldeia de Sobreira.
O nosso leal Zé do Telhado ainda pensou que, o seu general Sá da Bandeira lhe arranjasse um bom emprego pelos serviços prestados, para fazer frente à situação de miséria em que a família se encontrava… Zé do Telhado gastou todo o dinheiro que tinha e hipotecou todas as propriedades que possuía para ajudar a luta contra os Cabralistas. Bem esperou mas, nada! Com a miséria dentro de casa, Zé pede ajuda batendo a várias portas… todas se fecham incluindo a do padre seu compadre e padrinho da sua filha! Agora, com a vitória dos “Cabralistas”, ninguém conhecia o fiel lutador Zé do Telhado. Ao chegar perto de casa, Zé ouve os filhos a pedirem pão à mãe Aninhas. Era demais! Zé não consegue suportar mais aquela situação e decide roubar para matar a fome aos seus.
O primeiro roubo foi a um modesto pedreiro. Zé pergunta-lhe: quantas moedas trazes? Tenho dez mas, foram ganhas honestamente com o meu trabalho! O nosso Zé diz-lhe: dividimos isso… dá cá cinco e fica com outras cinco. Anos volvidos, Zé do Telhado viria a devolver as cinco moedas ao modesto trabalhador.
Entre lamentos da sua situação e a realidade, Zé integra-se na famosa quadrilha do conhecido “Boca Negra” onde militava o seu irmão Joaquim do Telhado. Os assaltos sucederam-se, nas regiões da Beira Alta, Beira Baixa, Vale do Sousa, etc. A fama de Zé do Telhado depressa se espalhou pela região. Aninhas, não suporta aquela situação e trata de arranjar formas do marido ir para o Brasil mudar de vida e limpar a reputação da família. Zé do Telhado viaja para o Estado do Rio Grande do Sul, naquele grande país em busca de alguma riqueza.
No Brasil, Zé retoma o seu trabalho de “alveitar” e, bem sucedido. Zé é informado que, o dinheiro que envia para a sua Aninhas nunca lhe chega às mãos. A raiva e as grandes saudades dos filhos e da sua querida Aninhas, tomam-no, fortemente, e decide voltar à sua aldeia…ainda mais pobre do que nunca. Regressa igualmente aos assaltos e à distribuição dos roubos pelos necessitados, integrado no mesmo bando, entre a “honra” da substituição do chefe Custódio, o “Boca Grande” e a presença na quadrilha, do seu inimigo de estimação, José Pequeno. Os assaltos estendem-se, agora, às regiões do Alto Douro, Minho e Trás-os-Montes.
Pela iniciativa do governador de Lousada, que pede reforços militares, começa a perseguição das Autoridades a Zé do Telhado. Com a destreza e valentia que o caracterizam, lá vai escapando e enfrentando as forças militares. O cerco aperta-se, cada vez mais! O administrador do Marco de Canavezes empreende uma perseguição, sem tréguas ao quadrilheiro, contando com a colaboração do traidor José Pequeno que, dá informações sobre o seu chefe. Zé do Telhado vai no encalço do sanguinário e traidor José Pequeno. Encontra-o e, depois de uma farta luta vinga-se, cortando a língua ao delator José Pequeno que, acaba por morrer, facto que constitui motivo para festejo dos aldeões das redondezas. Zé Pequeno era um sanguinário ladrão. A perseguição das autoridades ao Zé torna-se implacável… este já não tem onde esconder-se. Aconselhado pelos mais fiéis amigos, pensa em voltar ao Brasil. Assim decide e viaja até ao Porto para, clandestinamente tomar o barco de destino. Pelo caminho, pede asilo, por alguns dias, à dona da Casa do Carrapatelo, D. Ana Vitória, a quem já assaltara. Dona Vitória fica surpreendida mas, recorda com reconhecimento, o respeito que Zé do Telhado exigiu aos seus parceiros de quadrilha e, acede a dar-lhe guarida. Dias depois, em segredo, Zé toma o barco em Massarelos mas, é denunciado por um delator que o viu entrar no navio. O administrador de Marco de Canavezes consegue, finalmente, apanhar Zé do Telhado! Preso na cadeia da Relação do Porto, é julgado dois anos depois, no Tribunal de Marco de Canavezes e, condenado ao degredo perpétuo com trabalhos públicos, em África. É transferido para a cadeia do Limoeiro em Lisboa. Dali é embarcado no “Pedro Nunes” e lá vai para o degredo em África de onde, nunca mais regressará.
Mesmo em África, Zé era estimado por todos, gozando de poderes e algumas liberdades.
Faleceu em 1875, em Xissa, Malange, onde ficou sepultado.

Estou certo que, o facto de Zé do Telhado ser uma figura incomodativa para certa burguesia “bem pensante”, não recolhe, senão nas bocas do povo, o reconhecimento de figura marcante de uma das fases da história de Portugal.
Jorge Afonso

(publicado in Diário de Aveiro de 29 de Outubro de 2007)
Extraído do blog de Cacia - Portugal "OLHO NU"

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