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domingo, 4 de março de 2012

CASA DE TAIPA

Por: Alcino Alves Costa

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Um projeto governamental está em andamento com a decisão de eliminar, derrubar, destruir e acabar com as casas de taipa ainda existentes no alto sertão do Baixo São Francisco.


As autoridades alegam que, com a demolição das antigas e tradicionais vivendas dos pioneiros das caatingas, estão erradicando a Doença de Chagas, transmitida pelo inseto popularmente conhecido pelo nome de “barbeiro”.
           
Esta esdrúxula decisão – daqueles que imaginam estarem praticando uma benéfica ação comunitária junto ao que nos resta da população verdadeiramente cabocla de nosso Estado – não passa de um verdadeiro assassinato da já quase morta cultura sertaneja. Essa gente citadina, aquela que detém as rédeas do poder, não percebe, e talvez nem saiba, que uma casa de taipa, especialmente aquelas de telheiro, encravada nos cantos mais longínquos das bibocas de nossa outrora pujante e bela caatinga, é um marco da cultura e da história de nosso sertão.
           
Ninguém tem o direito de destruir o passado de nosso povo, o povo sertanejo. E muito menos, derrubar uma casa que em tempos idos foi construída com barro e argila de nosso chão, varou os anos e se tornou testemunha da história e da saga dos que habitavam o mundo do caboclo. Demolir um monumento dessa grandeza é um ato que atenta violentamente contra a integridade do patrimônio histórico do sertão e, porque não dizer, do Brasil.
           
O justo era as autoridades competentes procurar recuperar, tombar, e colocar sob a proteção do Estado e do município de origem, as antigas moradias que ainda existem em diversas regiões dos campos sertanejos; velhas casas que, muitas delas, foram protagonistas de acontecimentos marcantes na vida de remotas famílias que povoaram o universo do caatingueiro sergipano.
           
Fico matutando o porquê de igrejas, casarões, sobrados e demais logradouros, nascidos e edificados nas grandes cidades, e que tiveram o seu apogeu nos idos do Brasil Colonial, são protegidos e amparados por lei; nada podendo ser mudado de suas antigas estruturas e modelos, numa prova da altíssima valorização da obra arquitetônica européia, enquanto as construções caipiras, também de imensurável valor, embora dentro de seu jeito peculiar e único, não merecem o menor respeito e nem a devida consideração da parte daqueles mesmos que admiram com verdadeira obsessão as antigas moradias dos centros urbanos.
           
É certo, e não poderia ser diferente, que os que se abismam com o barroco e sua suntuosidade, e com o gótico dos séculos XIII ao XV, não sabiam da existência de casas de taipa, ou de barro se quiserem, nos cantos ermos dos sertões nordestinos. E este desconhecimento, que chega a beirar ao desprezo, andejou com os anos; chegou até aos dias atuais, primordial motivo que faz com que nossas autoridades desconheçam o que representa, em valor cultural, uma dessas casas dos cafundós do interior.
           
Autoridades de nosso Estado, essas casas, cada uma delas, é um marco e uma testemunha da fascinante e perigosa história dos que nos primeiros povoamentos habitaram suas dependências e viveram os grandes épicos de seu mundo caipira. Derrubá-las é exterminar com as últimas testemunhas de um passado de gloriosa coragem e força do povo caatingueiro.       
           
E por que esta maravilha cabocla, que um dia foi de gigantesca serventia, não recebe o mesmo cuidado, o mesmo zelo, o mesmo tratamento, a mesma proteção, dos casarões existentes nas velhas cidades brasileiras?
           
Acabar com as casas de taipa é uma decisão que se pode, perfeitamente, considerá-la criminosa. A desculpa dos insetos, e em especial do “barbeiro”, não tem nenhuma sustentação. Não podemos acreditar, e nem admitir, que em pleno século XXI, um paciente seja assassinado apenas porque está com a sua enfermidade dentro de um quadro grave. Bem assim é o que estão querendo fazer com as casas de taipa, aquelas de nosso sertão, aquelas que guardam em suas velhas e carcomidas dependências, o segredo, os mistérios e o sofrimento dos filhos do mato; velhas casas de tantos acontecimentos notáveis; marcos, ainda vivos, que não devem morrer sob pena de o mesmo acontecer com a nossa história, a história sofrida e ao mesmo tempo bela, do homem do campo; esse herói da enxada e do eito, do gibão e da perneira e, porque não dizer, do punhal, da peixeira e da espingarda. Verdadeira essência viva da raça parda brasileira que soube, com muita fé, obstinação e dignidade, enfrentar de cabeça erguida e com destemor todos os percalços e provações que os desígnios do destino lhes reservaram.
           
Será, meu Deus, que mesmo com o avanço das eras, da ciência e da tecnologia, não se descobriu um remédio, um inseticida, que desse cabo dos insetos transmissores de doenças? Será que irá ficar, como única solução, a firme decisão de destruir as casas de taipa, que foram testemunhas oculares e de corpo presente, de extraordinários episódios vividos no meio da família sertaneja?
           
Já que o avanço tecnológico foi insuficiente – ou insuficiente foi à vontade e o desejo das autoridades? – por que não rebocar as paredes, acabando com as frestas, causadoras de focos onde os “barbeiros” se homiziam e dali se espalha causando a terrível doença?
           
Construir novas casas é um ato justo e que deve ser por todos louvado. No entanto, não podemos pagar o preço desse legítimo proceder com as derrocadas dos marcos ainda existentes de nossa história. Seria um preço demasiado e injusto.
           
Que tal deixar as velhas casas e passar, com assiduidade, inseticidas nas mesmas? Os poderes não desperdiçam tanto dinheiro sem nenhum benefício coletivo? Por que não cuidar e zelar desse nosso patrimônio sertanejo em vez de destruí-lo?  
A despesa custaria uma merreca.
           
Publicado nos dias 4 e 5 de setembro de 2005, no JORNAL DA CIDADE, Aracaju – Sergipe.

Saudações,

Alcino Alves Costa
O Caipira de Poço Redondo - SE


Enviado pelo Caipira, escritor e pesquisador do cangaço:
Alcino Alves Costa

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