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terça-feira, 6 de novembro de 2012

Mané Cruza Faca e o cangaceiro Mergulhão

Por: Francisco C. Jorge de Oliveira

Sou cabo da Polícia Militar do Paraná. Meu nome é Francisco C. Jorge de Oliveira e moro na cidade de Florestópolis, Norte do Paraná.

Tem um Senhor aqui no meu bairro, um pernambucano da cabeceira do Pajeú.  Ele se chama Tenório, tem 101 anos de idade e goza de plena lucidez. Eu adoro prosear com ele só para ouvir suas histórias com seu sotaque coloquial nordestino, pois lendo sobre o cangaceiro Mergulhão,  lembrei-me de um caso que ele me contou deste pérfido cangaceiro.

Diziam que numa fazenda por nome "Água do Teiú" de um coronel chamado Juvêncio Dantas, havia um jagunço de alcunha Mané cruza faca. Diziam que o cabra era um demônio, brigava de punhal, no tiro, matava, feria e sempre saia ileso; ele tinha o corpo fechado; todos o temiam e ninguém se atrevia a saquear aquela propriedade.

Um dia o tal jagunço se apaixonou por uma inócua mocinha de um sitio ao lado, e simplesmente a raptou, levando-a para viver em sua companhia naquele remoto lugar. Só o que o facínora não sabia, era que a tal donzela era prima do cangaceiro "Mergulhão”, e neste mesmo dia Mergulhão chegou com mais três cangaceiros para pernoitar no sítio do seu tio que os acolheu.

Durante o jantar, lhes pôs a par dos fatos. Mergulhão ficou possesso, queria já naquela hora ir buscar a prima, mas, foi logo advertido pelo tio dos poderes místicos do jagunço, e que naquela noite o carrasco não iria molestar a menina, pois era dia de São Cipriano.


Mergulhão foi informado que o tal malfeitor todos os dias de manhã, ia beber água em uma cacimba cavada por um raio perto de um lajedo nas margens de um riacho temporário. Assim que a zabelê cantou despertando a alvorada, Mergulhão já se encontrava na emboscada pronto para agir. Sua arma era um velho bacamarte doado pelo Sinhô Bento, um preto velho benzedor amigo da família, e foi carregada na noite de sexta feira, com quatro dedos de pólvora negra, e a bucha era de mortalha de defunto, socada até a vareta pular fora da boca do cano. Os projéteis eram três balotes de estanho derretidos e forjados com fogo da madeira de cruzes de cemitério.

Quando o sol despontava entre os ramos de guipás, surge o tal jagunço montado em um burro preto dos olhos vermelhos como os do cão. Mergulhão sentiu um friozinho na espinha, mas permaneceu firme na cilada. Então o homem mal apeou de sua montaria, e pegando uma cabaça, mergulhou-a nas águas turvas e salobras da cacimba. Mergulhão apontou a arma, mas quando fez a visada, o cabra ficou invisível e desapareceu, e só se ouvia o gorgolejar do jagunço. Foi aí que uma voz murmurou no ouvido de Mergulhão: “atire no fundo da cuia.” Mergulhão obedeceu a voz e arrastou o dedo. O tiro foi um trovão que acordou lá nas caatingas o bando de Lampião.


Parecia até que a carga foi feita por satanás; que no açoite da pancada, o cão se armou e voltou para trás. O burro corcoveou pulando e caiu com o ânus sobre um galho de um pau de braúna e agonizando morreu lentamente ali empalado.

Mergulhão que havia desmaiado com o tranco da arma, acordou assustado, vendo inerte o corpo do jagunço sem a cabeça, que foi arrancada com o impacto do disparo

Mergulhão nem o enterrou, deixou-o ali á mercê dos urubus, e deslocou imediatamente para onde estava a menina. E assim que lá chegou, tirou-a das mãos dos estranhos que atônitos não esboçaram nenhuma reação. Ilesa, Mergulhão a trouxe e entregou ao tio que de tão alegre, matou um bode e o assou para almoçarem tomando pinga. 

Ao entardecer jantaram uma buchada com pimenta, farinha e cachaça da boa. No outro dia, antes do sol nascer, Mergulhão partiu com seus comparsas embrenhando-se às caatingas, tomando um rumo ignorado. 

Então meus amigos leitores, é ou não é verídico este caso? Cabe a vocês decidirem.

Francisco C. Jorge de Oliveira
Da cidade de Florestópolis, Norte do Paraná.

Um comentário:

  1. Anônimo23:07:00

    O que mais me fascina nas histórias sertanejas de meu pais, é a criatividade dos nossos autores. A crendice popular é um fator que desperta a curiosidade do leitor levando seu imaginário ao mais alto grau de realismo no conceito abstrato de suas ideias fabulosas.A lógica impossível de conhecer e viver uma aventura irreal, é a mais doce maneira de dar estimulo a uma mente sã, porém muito cansada de um velho cidadão que sofre com uma vida real de tantas adversidades e decepções esportivas, políticas, econômicas etc...etc...etc...

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