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sábado, 7 de setembro de 2013

Cangaço Lampiônico: Antonio da Piçarra - Uma história que ouvi contar

Por: José Cícero
Manoel Severo, Jack de Witte, Anildomá, Bosco e Zé Cícero

"No decorrer de uma producente viagem cangaceira e deveras inesquecível que fizemos (Eu por Aurora, Bosco André  Missão Velha, o bom francês Jack de Witter e Manoel Severo o cara do Cariri Cangaço). Tudo isso com vistas a magna  comemoração do 1º Centenário de nascimento de Maria Bonita que ocorreu  em Paulo Afonso-BA.  Além de um verdadeiro Tur de conhecimento por Angico-SE, Delmiro Gouveia-AL, Serra Talhada –PE, Nazaré-PE, dentre outras paragens que assinalaram para sempre a imbricada história do cangaço lampiônico e nordestino ... Passamos inicialmente sob a batuta do Manoel Severo pela fazenda Piçarra(entre Porteiras e Jati) onde fomos recepcionados pelo gentman Vilson – neto do célebre coiteiro de Lampião naquelas bandas: Antonio da Piçarra.

Ocasião em que presenciei a rica e proveitosa conversa que toda a nossa equipe de pesquisadores tivera com um dos remanescentes do clã piçarrense.  Incontinenti e de modo conciso, tomei nota e passei tudo que ouvi para o papel e, por via de conseqüência, o nobre confrade J. MENDES, lá da Mossoró do Rio Grande, além de ilustrar de modo formidável e sugestivo(este comentário que à posteriori produzi para o site do  CC) também publicara no seu Blog e eu, de novo e novamente aqui a transcrevo para os meus informes da net, apenas com alguns acréscimos do original pretérito sob o título de uma série – Histórias e estórias que ouvir contar. Então, sem mais delongas vejamo-lo agora na sua íntegra original...(Jc):

Mestre e amigo Manoel Severo,

Saudações catingueiras!

(...) Ainda com relação ao que disse Vilson a mim, a você, Bosco André e Jack de Witte durante a nossa rápida passagem pela fazenda Piçarra nas brenhas do  bom Jati  eu pensei cá comigo:

...Com relação ao ótimo e fidedigno relato feito(quase em primeira mão) pelo Vilson Neto acerca da história que trata da suposta traição do seu avô a Lampião naquele lugar. Relatos feitos, como eu disse, durante  a nossa recente passagem com destino a Paulo Afonso na Bahia diria que o mesmo constituiu um informe histórico dos mais relevantes, sobretudo para esclarecer "escritos" e comentários, muitas vezes depreciativos com relação à suposta traição do Sr. Antonio da Piçarra - avô do Vilson atual proprietário-herdeiro da memorável fazenda.

Confesso que fiquei sensibilizado a partir do instante que o Vilson relatara o que o velho da Piçarra contava acerca da coação que sofreu para proceder como tal.(ver a questão da suposta traição). Notadamente quando após o diálogo que teve com o sagaz tenente Arlindo Rocha(naquele ano) e ante as ameaças veladas usando para tanto, a inegável e conhecida ferozidade do chefe de volante nazareno Manoel Neto, que aliás já se encontrava nas imediações da região.

- Seu Antonio, pense bem. O senhor tem família. Da minha parte eu até entende... Mas não sei até quando eu poderei segurar a ira do Manoel Neto. Acho bom se o sr. pensasse melhor e nos dissesse de uma vez onde está acoitado Lampião com o seu bando. Disse o tenente numa conversa que se passou na própria residência do coiteiro.

-  Sabemos que ele está nessa redondeza.- emendou.

Com estas palavras, o tenente Arlindo Rocha se dirigiu a Antonio da Piçarra,  na busca desesperada de pegar Lampião num ataque surpresa, como de fato aconteceu dias depois, inclusive redundando com a morte do valente e destemido cangaceiro Sabino Gomes que atingido quando ultrapassava o ‘Passador’ da cerca tomou seriamente ferido com um tiro no ventre naquelas terras.

Segundo, relatos de tão moribundo pediu ele mesmo para ser sacrificado e assim não atrapalhar a fuga de Lampião com todo o resto.

Prosseguindo: De modo que, sem saída e temendo pelos seus, o velho coiteiro assaz contrariado com aquelas ameaças teve que ceder...

No entanto, também não me esqueço da parte mais comovente segundo as palavras de seu neto naquele momento, quando todos nós estávamos ali sentados no mesmo banco caseiro e centenário que pertenceu ao velho.

Um testemunho inanimado no qual a história parecia está ali mesmo ao alcance das nossas mãos. Uma relíquia doméstica, na qual certamente tanto o coiteiro quando Virgulino, e assim parte do seu bando havia (como eu naquele instante histórico) também sentado. Era de fato para nós todos e para mim – um instante auspicioso se está ali.

Seguia Vilson no seu diálogo informativo...

"Tendo desconfiado da grande demora de Antônio da Piçarra para levar os mantimentos ao esconderijo,  o cangaceiro Sabino se dirige para Lampião e fala de modo eufórico, quase esbaforido:

- Capitão, capitão. Tô achando que Antoi da Piçarra lhe traiu, pois tá demorando além da conta. Já era tempo dele ter vortado com as encomendas e tudo...

Ao que Lampião, com absoluta segurança replica:

- "De jeito nenhum. Isso não! Naquele eu confio sem medo. Se Antoi da Piçarra cavar um buraco fundo no chão e mandar eu entrar, eu entro sem medo".

Contrariado, depois de ouvir aquela resposta da própria boca de Lampião, o cangaceiro Sabino de se afastou e deu as costas pra seu chefe mas, continuou olhando na direção do caminho...

Permaneceu desconfiado daquela delonga atípica do velho coiteiro, que sempre foi rápido, leal e prestativo.

Logo depois, a suspeita do Sabino se confirmaria: Um tiroteio surpresa dentro da manga da caatinga. Foi o primeiro a ser atingido com um tiro na barriga... E por conta disso veio a óbito. Até hoje não se sabe ao certo onde o cangaceiro-mor de Lampião foi enterrado.

Ainda, conforme os relatos de Vilson, o velho Antonio – seu avô, sempre contava essa história cabisbaixo (que ficou sabendo, não se sabe como, anos depois do trágico episódio).

Ele sempre narrava as palavras de crédito de lampião ditas pra Sabino, com lágrimas nos olhos...

- Meu avô era uma homem forte e de palavra. Deve ter sofrido muito com tudo aquilo, disse manuseando o último livro de Lira Neto sobre o padre Cícero.

Sempre atencioso se permitiu diversas vezes ser fotografado  ao nosso lado.

Não sei se compreendia o idioma, ou quase um  dialeto novo um tanto macarrônico

utilizado pelo pesquisador francês Jack de Witter. Mas o vi bem em seu longo palrar cangaceiro com o camarada Jack ladeados por Severo e o padre Bosco.

- A família também lhe pressionou com temor das perseguições e represálias do Arlindo e do Manoel Neto. As notícias que chegavam aqui em casa não eram das mais boas. Eram de ameaças. Dando conta de que Lampião não estava "bem das pernas" com seu bando exausto, sem arma e sem munição.

enfatizou para nós o herdeiro da fazenda.

As lágrimas que fluíam sempre dos olhos do avô quando tocava no assunto era a maior prova de que sofreu sobremaneira quando teve que tomar aquela decisão de indicar onde se encontrava exatamente Virgulino(seu amigo) junto com seu bando. A segurança da sua prole, de certo modo, falou mais alto no seu coração sertanejo de bom pai de família. Feriu fundo a dignidade daquele homem quase solitário naqueles grotões do mundo. Onde os ventos do cangaceirismo sempre(vez por outra) davam suas voltas. E retornavam mesmo e em cada empreitada nova com mais força, injustiça e violência. Coisas que quase ninguém mais sabia pra bandas da capital. Todos tinham que se virar por seu jeito. Todos tinham que se defender como pudesse. Era o velho sertão, como se diz, “ao Deus dará”, entregue que ficou durante anos, a própria sorte.

- Há quem dissesse que depois desta suposta traição, Lampião jurara vingança de morte ao velho da Piçarra. Até uma piada fizeram com este fato, falou.

 Mas, felizmente nada disso aconteceu. Seu Antonio da Piçarra viveu muito e deu adeus à vida no seu leito tranqüilo.

Também nos olhos de Vilson, mesmo depois de tantos anos, puder perceber que aquele acontecimento, também de algum modo especial o tocara fundo no seu íntimo. Era uma narrativa que nos prende a atenção e que também nos comove. Algo que nos colocava como que direto dentro do próprio cenário.

Quem sabe aquela história o fizera provar do mesmo sentimento amargo que naquele tempo mexera com o seu velho avô, dono da Piçarra.

E eu, cá comigo, pensei um pouco afastado olhando aquele chão onde tudo aconteceu.

De fato, a vida inteira para qualquer cristão do mundo é feita de escolhas. Mas, quantas escolhas ainda terão que serem feitas pelos protagonistas de todas as sagas e tragédias deste planeta chamado sertão?... Quantas opções difíceis e fatais todos têm que a elas se entregarem um dia por si mesmos, de corpo, alma, espírito e valentia em determinados momentos cruciais da vida?

Quantos foram os que, esquecidos pela escuridão da história, tomaram ou sofreram em demasias suas agruras  e conflitos assim como ocorreu com o velho Antonio da Piçarra por estes sertões adentro?

É, não deve ter sido nada fácil para o provecto coiteiro quase abandonado vivendo sua eterna lida nos rincões da sua fazenda Piçarra nas fronteiras de Brejo Santos, Porteiras e Jati.

Talvez por isso, haveremos de compreender no seu contexto mais elástico a difícil e cruel decisão que teve que ser efetivamente tomada pelo patriarca coiteiro Antonio da Piçarra.

Nada foi fácil. A vida era dura para todo mundo. Mas para o homem da Piçarra ela o exigiu além da conta.

Prof. José Cícero -
Secretário de Cultura
pesquisador do Cangaço
Aurora-CE

http://www.aurora.ce.gov.br/cultura/texto.asp?id=1807

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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