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sábado, 30 de novembro de 2013

OS DOCES VERSOS

Por Rangel Alves da Costa*

Eis que agora me surgem relembranças boas, daquelas que somente de vez em quando alçam voo do jardim florido da memória. Coisas passadas, de tempos de criancice e adolescência, mas que devem ser relembradas para o fortalecimento do espírito e o arejamento do coração.

Menino querendo ser rapaz, ou rapazote ainda envolto em criancice, eis que me apaixonava de passo a passo. Era um verdadeiro Don Juan das pretensões amorosas. Não podia ver uma garota bonitinha e logo começava a lançar minhas armas de conquistador. Mas o verso antes de qualquer palavra.

Também metido a poeta, rabiscava idílios rimados e fazia-os chegar às mãos da pretendida. Versos de poucas rimas, curtos, porém festivos ao coração. Nada de rimar amor com flor nem paixão com coração. Preferia versos brancos a rimas adocicadas demais. Temia ser visto como um apaixonado qualquer.



Logicamente que não esperava versos de volta, respostas poéticas. Os ensaios poéticos serviam apenas como chaves para abrir a porta da presença. Após o recebimento seria mais fácil a aproximação da menina. E nem precisava perguntar se havia lido e gostado ou não. As respostas chegavam nos olhos, na feição mais rubra, no leve sorriso no lábio. A ternura encontrada era sinal de conquista.

Outras vezes não acontecia como o planejado. O meu mensageiro de vez em quando chegava dizendo que os versinhos tomaram outra direção, vez que a menina resolveu entregar o bilhete ao pai. E que eu me cuidasse. Certa feita uma chegou toda sorridente e aproveitou meu sorriso de satisfação para enfiar o papel boca adentro. E só não deu um tapa na cara porque desviei a tempo.

De vez em quando recebia os bilhetinhos de volta, arremessados com pedras. Mas certa feita ocorreu algo totalmente inesperado, vez que sem enviar qualquer verso acabei recebendo um papelzinho selado com um beijo de batom vermelho, e cheirando a alfazema. A coisa mais linda do mundo. Foi o que acabei me confessando naquele inusitado momento.

Atinando pela vida, distantes de preocupações outras que não as do momento, eis que uma amiga me chega com um papel devidamente dobrado à mão. Primeiro disse que eu nem me metesse a besta achando que aquele escrito era da parte dela, pois estava apenas prestando favor a uma grande amiga que não podia faltar. E colocou a cartinha cheirosa no bolso da minha camisa volta-ao-mundo. Lembro-me como se tivesse acontecido ontem.

Surpreendido, espantado, mas principalmente curioso, catei o papel e abri cuidadosamente. E lá, com letra miúda e quase desenhada, estava escrito: Batatinha quando nasce esparrama pelo chão, Delzinho quando se deita bota a mão no coração. Muitos me chamavam e ainda chamam de Del, então era dirigido a mim mesmo, não havia do que duvidar. Contudo, o que realmente impressionou foram os versos utilizados para demonstrar aquela afinidade amorosa.



Com as maiores variações possíveis, os versinhos da batatinha se esparramando pelo chão são mais antigos que qualquer coisa que se possa imaginar. Conhecidos por todos, mas deixaram de ser usados como expressão amorosa exatamente pela simplicidade, falta de criatividade e até mesmo inocência de quem deles lança mão.

Mas eis que de repente me vi deitado botando a mão no coração, pois assim, através dos versos da batatinha, aquela menina me queria dizer muito mais. Falar de um amor muito mais sério e profundo, mais contagiante e abrasador, mas que só conseguiu esparramando a batatinha pelo chão. E que gesto meigo, modesto e encantador. E talvez por isso decidi responder com outros versos.

Mas poesia verbal. Dita perante a face, próxima à boca, quase tocando o lábio. E beijando. 

Poeta e cronista
 blograngel-sertao.blogspot.com

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