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sábado, 30 de novembro de 2013

Memória do cangaço na vizinhança Amarga visita para Diomédio.

Por: Kiko Monteiro

Em julho deste ano, à convite do professor e memorialista Salomão Santos, e na boleia do confrade Narciso Dias (presidente do Grupo Paraibano de estudos do Cangaço - GPEC), fomos realizar uma pesquisa de campo na cidade baiana de Adustina. São vários os fatos ocorridos naquele território que se chamava à época Bonfim do Coité e pertencia ao município de Paripiranga. Realizamos a viagem no intuito de conhecer e fotografar a sepultura de um cangaceiro. O que eu nunca imaginei é que logo ali a 60km de minha cidade ainda pudesse encontrar testemunhas oculares dos fatos que aterrorizavam a região na década de trinta.

Patrocínio do Coité como era chamada no passado foi berço dos cangaceiros Saracura e Vinte e Cinco. A sede do município só foi atacada uma única vez, mas os distritos serviam como se dizia à época como “corredor de cangaceiros” que transitavam entre Jeremoabo, Bebedouro (Atual Cel. João Sá), Pinhão, Carira, Serra Negra (Atual Pedro Alexandre) etc.

Aspecto de Paripiranga na década de 30. - Acervo: Roberto Santos

Através do livro “Adustina sua História” do pesquisador Roberto Santos de Santana tomamos conhecimento que o senhor Diomédio Martins dos Santos, um lavrador, residente num povoado próximo, havia apanhado dos cabras de um famoso cangaceiro, estava vivo pra nos contar esta história. A julgar pela idade atual de nosso depoente, noventa e três anos, deduzimos que o fato ocorre entre 1933/1934.

A história do lugar resguardada no livro de Roberto Santos.

Os cangaceiros tinham feito uma pilhagem na bodega de Manoel de Lia situada no Baixão de Carrolino, lugar bem próximo à Paripiranga e rumaram para o Olho D´água de Fora que hoje pertence à Adustina. Seu Diomédio contava treze anos de idade e morava com os avós.

Naquele dia estava somente ele e a irmã caçula. Da janela percebeu a aproximação de uma gente fardada montada em cavalos no terreiro da casa. Pensou ele se tratar de uma força Volante que guarnecia os povoados. Ele que portava uma pequena faca de ponta na cintura jogou-a embaixo da cama e correu pra sala. Lá estavam todos aqueles homens e duas mulheres, recorda que eram ao todo oito. Um deles, sem cumprimentar e nem fazer arrodeio, pergunta se tinha açúcar. Diomédio respondeu positivamente.

Narciso Dias, Catarina (esposa de Narciso) e o professor Salomão, atentos às memórias de Seu Diomédio.

 Em seguida, o mesmo cabra emenda:

- E Ouro?

O menino negou, e foi então que percebeu que estava diante de cangaceiros. Todavia, antes que pudesse formular uma desculpa, a irmã, que ouvia a conversa da cozinha, respondeu sem entender a pergunta feita pelo cabra. Não imaginava o perigo que corriam:

– Tem, e é uma mochila cheia.

Um dos cabras, percebendo a possível mentira de menino, deu-lhe um soco no abdômen  que o fez cair ao chão. Tomado por uma repentina emoção, Diomédio viaja ao momento do episódio: Então me levantei e pedi para que entendesse, se quisesse bater, batesse, mas o que nós tínhamos era açúcar e não diacho de ouro. O resultado é que fui agredido pelo cabra novamente. Um deles visivelmente embriagado pela cachaça que furtara da venda de seu Manoel jogou a própria companheira para cima de mim, dizendo:

- Tome esta mulher pra você!!!

Nesse momento a cabroeira foi ao delírio. Ai eu gritei com mais raiva ainda: - Não quero porqueira de mulher nenhuma.

E um outro cabra se alterou inda mais. - Espia, quer dizer que é porqueira é? Ele não vai contar mesmo, atira neste cachorrinho.

Ai um deles manobrou um fuzil e o encostou-se à minha barriga e pediu pressa na localização da tal mochila de ouro. Era pra intimidar a todo custo. Eu ainda insisti:

- Não tem peste de ouro, o que tem aqui é açúcar, a menina entendeu errado.

O cangaceiro que perguntou pelo ouro, então, decide:

- Então você vai com a gente!

- Pois, não saio daqui pra lugar nenhum - Disse o moleque Diomédio sem estremecer.

E a cada negativa tome couro.

Diomédio Martins dos Santos: Um caboclinho destemido. - Foto: Kiko Monteiro

Para sua salvação entrou na casa o chefe do grupo que, reprovando com severidade, ordenou que não batessem no jovem. E que se retirassem imediatamente, pois teve noticias que uma Força estava a caminho do povoado. - Nem o açúcar levaram. Mais tarde ele soube que aquele homem era o chefe do ‘coloio’, o afamado “Anjo” Roque Labareda. Que já comandava seu próprio grupo e tinha naquela região entre Bahia e Sergipe sua "base de operações". 

A narrativa ainda prossegue. Diomédio fala vagamente sobre um "fogo" ocorrido no dia seguinte à esta visita, que resultou na morte de um dos cabras de Ângelo Roque... Como o próprio Diomédio não recordava maiores detalhes e nós não obtivemos confirmação nem sobre a volante envolvida nem quanto à identidade do cangaceiro abatido, preferimos nos ater ao fato mais consistente que já faz de seu Diomédio mais que uma testemunha, uma personagem do Cangaço em Paripiranga.

 Aguardem mais uma das histórias colhidas nesta nossa breve e proveitosa diligência em Adustina. 

Reitero nossa gratidão pelo convite e amizade do professor Salomão; Pela agradável companhia do casal Narciso e Catarina e pelo suporte técnico do "oráculo" Sergio Dantas na composição deste artigo.

http://lampiaoaceso.blogspot.com.br/2013/11/a-vida-apos-o-cangaco.html

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

Um comentário:

  1. Anônimo18:59:00

    Ok caro Mendes, este é mais um importante texto de autoria do pesquisador Kiko Monteiro. Irei ler com muita atenção, ouviu companheiro Kiko e amigo Mendes!
    Abraços,
    Antonio José de Oliveira - Serrinha-Ba

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