Por: Manoel
Severo
O Cariri
Cangaço estou convencido; é fruto mais do que qualquer outra coisa, deste
sentimento de nordestinidade que toma conta de
nosso coração. Não são poucas as vezes que nos
surpreendemos com o brotar dessa mesma paixão nos mais variados e
inesperados lugares, estamos neste momento em Toledo, Património Histórico da Humanidade;
capital de Castella La Mancha na Espanha; uma das cidades mais belas e ricas em
história, de todo o planeta.
Os
Templários de Toledo e a chegada de Virgulino Lampião
Aqui somos acolhidos pela Fundação General
Universidade Castilla La Mancha, onde meu filho, Pedro Barbosa faz uma
Pós-Graduação em Governabilidade, Direitos Humanos e Cultura de Paz; aqui
também nos surpreendemos com a força da história de
nosso sertão nordestino e brasileiro, em particular o cangaço, que
incrivelmente encantou também o velho mundo.
Toledo, Castella La Mancha - Espanha
Fomos
protagonistas, para nossa honra e satisfação, de uma tarde de Conferencia
sobre o Cangaço; Virgulino Lampião, Sertão, e Cariri Cangaço. Abaixo
transcrevemos a primeira parte da entrevista que concedemos aqui na terra
da Universidade de Castilla La Mancha, em Toledo, Espanha, com
a participação de vários estudantes, professores, alguns
jornalistas, advogados, empresários, entre outros.
Lampião invade
a Espanha!
Pirro de Nijon: Dr Severo é uma alegria tê-lo aqui em Toledo nas terras de
Castilla La Mancha.
Severo: A
alegria é toda nossa, obrigado, e está em Toledo, esse
verdadeiro Património da Humanidade, uma cidade que guarda em
si a própria historia da Espanha, é simplesmente maravilhoso e
gratificante.
PN: Hoje à
tarde o senhor nos brindou por quase duas horas com uma brilhante apresentação
sobre o Cangaço e agora nos concede essa entrevista, então para os que ainda
não conhecem poderemos começar falando de Nordeste do Brasil, sertão e Lampião.
Severo: Pois
não, seria importante traçar inicialmente o perfil de nossa
região,onordeste.Possuímos clima e vegetação específicos, notadamente
dominada pela caatinga; que
os nativos indígenas chamam de Mata Branca, típica do semiárido, com pouquíssima precipitação pluviométrica,
dessa forma estamos fadados a aprender a conviver com o a Seca,
rsrsrs. É uma região muito vasta dentro desse continental país que é o Brasil.
Nesse habitat viveu Virgulino Ferreira da Silva, Lampião.
Virgulino
Ferreira da Silva, Lampião
PN: Se tem
noticias do Brasil a partir de outros segmentos, principalmente carnaval e
futebol, como a Espanha, o Brasil é apaixonado pelo Futebol, e agora temos em
particular o privilegio de conhecer esse personagem real, tão cheio de
histórias e aventuras, chamado Lampião: Fale-me quem foi Lampião...
S: Seu nome
era Virgulino Ferreira da Silva, nasceu no final do século dezenove
e era filho de uma família de pequenos lavradores e comerciantes da zona
rural de Pernambuco, estado nordestino, teve
uma infância e adolescência igual aos muitos daquele tempo
e daquele lugar, conseguiu estudar um pouco e ajudava aos pais na labuta
da agricultura e depois no oficio de almocreve; um tipo de mercador
do sertão; trabalhando com o transporte e venda de mercadorias junto com o
pai e irmãos, até ter seu destino totalmente modificado e vir a
se tornar um dos maiores cangaceiros que já se teve noticia.
PN: Estou vendo
as fotos que nos trouxe, e o senhor acaba de me dizer que o termo Cangaço vem
desses apetrechos usados por eles...
S: Sim, alguns
pesquisadores definem a origem do termo Cangaço, Cangaceiros, enfim;
em função de sua forma de vestir e conduzir todos os seus
pertences; no nordeste do Brasil temos um artefato chamado canga que se usa em
animais para o transporte de mercadorias, por guardar certa
similaridade com o uso feito desse artefato é que se derivou o termo
Cangaço e Cangaceiro. Essas fotografias fazem parte de uma
acervo único e organizadas neste belo livro que você tem em mãos,
pelo pesquisador Ricardo Albuquerque, inclusive essas fotografias
estiveram há alguns anos em exposição na cidade de Paris,
França.
Iconografia do Cangaço, por Ricardo Albuquerque
PN: Vendo as
fotografias é realmente espantoso e surpreendente. Como Virgulino
se tornou Lampião?
S: Existem
varias correntes de estudo e interpretações; alguns
pesquisadores insistem que Virgulino entrou no mundo fora-da-lei para
vingar a morte do pai, outros, a meu ver com mais lucidez, se dedicam a traçar
de forma mais racional um conjunto de fatores que acabou levando Virgulino a
transformar-se em Lampião. Penso que não houve um motivo exclusivo, mas uma
conjunção de situações, como: A ausência da presença do Estado, as
constantes aflições naturais dos períodos de estiagem, seca, as próprias
condições de desigualdades existentes e impostas pela sociedade coronelista da
época e ainda a meu ver, no claro e inequívoco espírito beligerante de
Virgulino, junte todos esses ingredientes e daí começamos a entender não só
Virgulino, mas um pouco mais do universo que cercava o fenômeno do cangaço.
PN: Era o inicio do século vinte, podemos dizer que os cangaceiros eram já
naquela época milícias armadas, fazendo justiça com as próprias mãos na zona
rural do Brasil ?
S: Não penso assim. Não existia nenhuma característica de milícia e
também não diria que ali poderíamos ter um movimento armado eminentemente
realizando justiça com as próprias mãos. O mundo dos cangaceiros era
desprovido de princípios, a não ser aqueles que lhes eram convenientes, penso
que não havia motivação ética ou de qualquer natureza que sustentasse ou
justificasse a ação dos grupos de cangaceiros. É verdade que muitos entraram no
cangaço por alguma injustiça sofrida ou vingar-se de uma agressão, enfim, mas
no todo o cangaço, a meu ver, independente das motivações de sua origem, acabou
se tornando para muitos um grande e perverso negócio, e como na máfia; quando
se entrava era praticamente impossível sair.
PN: O senhor falou de máfia? Poderíamos mesmo fazer alguma ponte comparando as
duas coisas: Cangaço e Máfia?
S: Bem, me entenda, não poderia sair por ai comparando as duas coisas (risos),
mas a partir de sua pergunta e com um pequeno esforço poderia traçar alguns
pontos de reflexão, como por exemplo: Os fortes traços de organização para o
crime, redes organizadas e orquestradas em torno de interesses, redes e trafico
de influencia, comercio de armas, sequestro, extorsão, muitas mortes, etc
etc etc; esses e outros pontos poderiam servir de reflexão e talvez conseguíssemos traçar
de maneira bem empírica essa comparação (risos) , mas de uma coisa
fique certo, como na máfia o cangaço era um caminho quase sem volta.
Marlon Brando,
o Dom Corleone em O Poderoso Chefão de Copolla
PN: Crime
organizado na zona rural do Brasil ?
S: Sim, pelo menos a meu ver, apesar de ter ocorrido no sertão do nordeste do
Brasil, não há duvidas que naquele momento se esboçava um fenômeno
com características mínimas de crime organizado, senão vejamos:
Foram mais de 20 anos de cangaço, de vida fora da lei, se falarmos apenas
no ciclo de comando de Lampião, esse tempo todo percorrendo sete estados, com
milhares de policiais em seu encalço, dia e noite, batalhas e mortes sem fim,
interesses mil, com uma logística invejável; pontos de apoio,
centenas de verdadeiras feras para alimentar, movimentar, armar, liderar... e
ainda, depois de 1930 a entrada das mulheres, que viria a exigir ainda mais do
líder maior, Lampião. Diante de tudo isso, arriscaria a dizer sim, que
Virgulino poderia ser considerado um verdadeiro Poderoso Chefão; à sua maneira
e bem no meio do sertão brasileiro do inicio do século passado.
PN: Dr Severo são tantas curiosidades, tantos aspectos, tantas perguntas, talvez precisássemos de
umas 10 entrevistas (risos), mas vamos lá: O senhor falou em 20 anos de
vida fora da lei, estamos falando de que intervalo de tempo e como se consegue
viver 20 anos fora da lei?
S: Estamos falando de um intervalo de tempo entre 1918 a 1938. Sem dúvida nenhuma esse tempo todo nos causa espanto. Traçando um paralelo com os dias de hoje chegamos a pelo menos algumas constatações: Uma época totalmente diferente com condições e relações sociais específicas, outra realidade com relação a transportes, comunicação, segurança, acesso à serviços públicos básicos, enfim, tudo era diferente, infelizmente essa conjuntura aliada ao talento nato e a sua capacidade de comando, acabou produzindo esse ciclo tão longo de liderança de Lampião; costumo dizer que Lampião era um homem à frente de seu tempo, mesmo considerando o uso que fez desses mesmos talentos. Para você ter uma ideia, policiais, o que nós chamamos lá de volantes, de sete estados brasileiros se dedicaram a combater Lampião, com vantagens e desvantagens e com certeza muitas mortes, e mesmo assim, se passaram 20 anos.
S: Estamos falando de um intervalo de tempo entre 1918 a 1938. Sem dúvida nenhuma esse tempo todo nos causa espanto. Traçando um paralelo com os dias de hoje chegamos a pelo menos algumas constatações: Uma época totalmente diferente com condições e relações sociais específicas, outra realidade com relação a transportes, comunicação, segurança, acesso à serviços públicos básicos, enfim, tudo era diferente, infelizmente essa conjuntura aliada ao talento nato e a sua capacidade de comando, acabou produzindo esse ciclo tão longo de liderança de Lampião; costumo dizer que Lampião era um homem à frente de seu tempo, mesmo considerando o uso que fez desses mesmos talentos. Para você ter uma ideia, policiais, o que nós chamamos lá de volantes, de sete estados brasileiros se dedicaram a combater Lampião, com vantagens e desvantagens e com certeza muitas mortes, e mesmo assim, se passaram 20 anos.
Bando de Lampião em foto clássica de 1936 de Benjamim Botto
PN: Realmente impressionante. Outra coisa a analisar a partir dessas
fotografias, que o senhor inclusive me falava em off, os excessivos adereços e
a forma como se trajavam, não nos parece que se tratavam
de homens que estavam preocupados em se esconder, imagino que de longe
essas figuras dos cangaceiros poderiam ser identificadas.
S: Interessante, esse aspecto que te chamou a atenção é mais um dos
aspectos controversos do cangaço, homens que deveriam estar preocupados
com a discrição e em esconder-se se trajavam de
forma espalhafatosa, colorida, brilhante. Na verdade, poderemos nos deter
a outro aspecto interessante do cangaço e em particular de seu
maior líder Lampião. Esses homens viveram o auge de suas vidas no
cangaço entre 1920 e 1940, e já naquele tempo Lampião tinha a
exata noção da força de sua imagem, chego ate a brincar
dizendo que Lampião foi o primeiro marketeiro do sertão.
PN: Como assim?
S: A minha
impressão e chego a dizer que estou convencido, que Lampião tinha a
exata compreensão da força de sua imagem e que passo a passo
isso também foi sendo agregado pelos demais chefes e membros do grupo. Nesse
tempo os cangaceiros eram figuras míticas, chamavam atenção por
onde passavam. Ora, imagine a zona rural
daquela época, uma terra muitas vezes esquecida e abandonada de
tudo, aqueles grupos fortemente armados, cangaceiros, por
mais paradoxal que seja, acabavam exercendo grande influencia na sociedade
do sertão brasileiro; nos rapazes despertava a ilusão de
uma vida de gloria, de poder, de dinheiro fácil e nas
mocinhas; a ilusão da liberdade, de uma vida de amor e aventura
ao lado de super homens; Lampião parece que logo cedo percebeu a grande força
que sua imagem tinha, e se esmerava em mantê-la forte, daí vejo o zelo e o
cuidado que o mesmo passou a ter em relação principalmente às vestimentas
e indumentárias, tendo uma forte inclinação para a exposição pública
e para fotografias, colaborando em muito para essa mistificação do
cangaceiro no universo sertanejo.
Maria Bonita e Lampião
PN: Tinham
alguma coisa de Napoleão, com esse chapéu virado, alguma
coisa de samurai, com essas facas e punhais entrançados
transversalmente, alguma coisa de templários, que coisa impressionante.
E por
falar em templários estamos na cidade dos templários, Toledo, o senhor
chegou a ver a Exposição Templários?
S: Passei cinco dias hospedado nessa maravilhosa Toledo Medieval, vi muitas
coisas ligadas aos Cavaleiros Templários, mas infelizmente quando fui visitar
a exposição a mesma já não estava disponível.
Continua...
Nota Cariri Cangaço: Parte de entrevista concedida pelo Curador do Cariri
Cangaço, Manoel Severo, na noite do último dia 26 de Fevereiro, na cidade
de Toledo, capital de Castilla La Mancha, Espanha, sede
o Colégio Mayor Gregório Maranon da Universidade Castilla
La Mancha.
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
Ótima entrevista caro Professor Severo, esta sua com o pessoal das Terras da Espanha, que agora está sendo postada pelo TAMBÉM grande Pesquisador José Mendes Pereira. Parabéns ilustres pesquisadores MENDES e MANOEL SEVERO.
ResponderExcluirAbraços,
Antonio José de Oliveira - Povoado Bela Vista - Serrinha - Bahia