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quinta-feira, 21 de maio de 2015

VÍTIMAS INOCENTES OU O DRAMA DAS CRIANÇAS DE CANUDOS

Por José Gonçalves o Nascimento*
Foto colorida pelo professor e pesquisador do cangaço Rubens Antonio

Nem mesmo as crianças foram poupadas das atrocidades decorrentes da guerra de Canudos. Sem dúvida, esse foi o segmento que mais sofreu com os desastres provocados pelo monstruoso conflito. As informações a tal respeito são por demais assustadoras.

Os soldados na sua fúria perversa não respeitavam ninguém, matando de forma indiscriminada. Contanto que fosse gente de Canudos. Assim, milhares de crianças indefesas foram mortas e incineradas, a maioria delas no colo dos seus próprios genitores.

Dois anos após o fim do massacre, Martins Horcades relatava haver encontrado, só em uma casa, “22 cadáveres já queimados, de mulheres, homens e meninos”. No mesmo relato informava o acadêmico baiano ter visto, “em uma rua uma mulher, tendo sobre uma das pernas uma criancinha e em um dos braços outra, todas três quase petrificadas! ”. Estas e outras cenas são parte do álbum do baiano Flávio de Barros, fotógrafo comissionado junto à quarta expedição.

Os lances de barbaridade envolvendo crianças prisioneiras se multiplicavam a todo o momento, chegando-se ao extremo da perversidade humana. Um soldado contou a frei Pedro Sinzig que vira um colega de farda pegar uma criancinha pelos pés e arremessá-la de encontro a uma árvore, espatifando-se lhe a cabeça.

Depois da vitória das forças expedicionárias, milhares de meninos e meninas, entre oito e quinze anos, foram sequestrados e em seguida vendidos a fazendeiros e prostitutas da Bahia (e até mesmo do Rio de Janeiro) onde, acabariam submetidos ora ao trabalho escravo, ora à prostituição.

Em minucioso relatório, exarado no final de 1897, a comissão do Comitê Patriótico da Bahia, encarregada de recolher as crianças feitas prisioneiras durante a guerra, dava conta de “que grande parte dos menores reunidos pela comissão, dentre eles meninas púberes e mocinhas, se achavam em casa de quitandeiras e prostitutas. Pode-se afirmar [continua o excelente relato] que muitas pessoas procuravam adquiri-las para negócio.”

Como no tempo da escravidão, a comercialização desses menores era feita às claras e, em muitos casos, com recibo de compra e venda. Ao supracitado Comitê, que tentou recuperar uma criança que se encontrava sob o poder de certo fazendeiro, de nome Emílio Cortes, fornecedor das forças em operação, disse este que “o menino era dele; estava com ele; não tinha que dá satisfação a ninguém, pouco se lhe importava se o pai ou a mãe, ambos fossem Judas ou o diabo; a questão era que o menino lhe tinha sido dado pelo general e disto havia lhe passado o recibo para maior garantia. Não o entregava”.

Além do sequestro e comercialização de órfãos, o referido relatório denunciou também numerosos casos de estupro praticados por soldados contra crianças e adolescentes. Uma das vítimas, Maria Domingas de Jesus, de 12 anos, “foi desvirginada, violentamente, pela praça do 25° batalhão de infantaria, de nome José Maria.”

Criado inicialmente para prestar socorro aos soldados envolvidos no conflito, o Comitê Patriótico acabou por ocupar-se também da gente de Canudos, especialmente mulheres e crianças. Ao concluir suas atividades no final de 1897, a organização apresentou seu balanço: “Não foi pequeno o número de vítimas que socorremos e abrigamos entre mulheres, crianças e meninos de ambos os sexos, que conseguimos reduzir debaixo da nossa bandeira de caridade, evitando a uns a morte pela falta de conforto e à míngua de recursos, a outros a verdadeira escravidão em que se achavam e, porventura, a prostituição no futuro”.

O drama das crianças de Canudos inspiraria mais tarde o jovem poeta baiano Francisco Mangabeira, testemunha ocular dos fatos e autor do livro Tragédia épica, lançado pela primeira vez no ano de 1900. A obra enfeixa um conjunto de 20 poemas, em que o autor, poeta de rara sensibilidade, narra os horrores da guerra. É o caso do poema “Crianças Prisioneiras”, aqui transcrito parcialmente:

“Não há cenas mais tristonhas,
Nem de tamanha aflição:
Bocas outrora risonhas,
Murchas à míngua de pão.

(...)

Tivestes beijos e afagos,
Mas hoje a fatalidade
Fez vossos dias pressagos,
Ainda no albor da idade.


Sois como as aves implumes
Que um dia a desgraça quis
Arrancar de entre os perfumes
Dos quietos ninhos gentis.

(...)

Os homens riem-se, vendo
Que ides morrer como cães...
Ai! Que pesadelo horrendo
Para aquelas que são mães”.


*Poeta e cronista
jotagoncalves_66@yahoo.com.br

Fonte: facebook
Página: José Gonçalves 


http://blogdomendesemendes.blogspot.com

Um comentário:

  1. Anônimo20:54:00

    Ai vemos companheiro Mendes neste texto do pesquisador José Gonçalves, que não foi apenas nos anos do cangaço que as atrocidades aconteciam, mesmo antes, a própria polícia cometeram crueldades.
    Antonio Oliveira - Serrinha

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