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domingo, 25 de outubro de 2015

JANGADA NORDESTINA NO MUSEU DO SERTÃO EM MOSSORÓ

Por Benedito Vasconcelos Mendes

Uma das valorosas peças do acervo do MUSEU DO SERTÃO da Fazenda Rancho Verde (Mossoró-RN) é a Jangada Nordestina, feita de seis paus roliços de piúba, sem uso de metais (pregos ou parafusos), somente com tarugos de madeira. Este tipo de jangada era usado em todo o litoral nordestino, principalmente no Litoral Semiárido, onde a caatinga chega até à beira da praia (aqui não existe a frondosa Mata Atlântica, nem a região Agreste). Este litoral de chuvas reduzidas,  de pouca nebulosidade, de ventos constantes, de baixa umidade relativa do ar, de elevadíssima insolação e alta evaporação, por situar-se próximo à Linha Equatorial é também conhecido por Litoral Salineiro, pois daí saem 95% do sal marinho produzido no Brasil.


Nos Séculos XVIII e XIX, esta única faixa litorânea seca do Brasil, que vai do Cabo de São Roque, no Rio Grande do Norte (nos arredores da cidade de Touros-RN) e se prolonga até o Delta do Rio Parnaíba, entre as cidades piauienses de Parnaíba e Luiz Correia, era chamada de Litoral Pecuário, porque aí estavam instaladas as famosas Oficinas de Carne de Charque nas fozes  dos rios intermitentes cearenses Jaguaribe, Acaraú, Coreaú, dos rios norte-rio-grandenses Apodi/Mossoró e Piranhas/Assu e do Rio Parnaíba, que é perene. Deste Litoral saía carne de charque (conhecida também como carne do Ceará, jabá, carne seca ou carne de sol) para abastecer as usinas de açúcar de Olinda, Recife e Salvador e os garimpos da Chapada Diamantina na Bahia, de Goiás, Minas Gerais e de Mato Grosso. Aracati carneava de 20 a 25 mil bois por ano e Parnaíba (segunda cidade produtora de charque) chegou a exportar anualmente 1.800 toneladas de charque para várias regiões do Brasil e até para Portugal. A indústria saladeiril foi de grande importância econômica para estas cidades localizadas próximas às fozes dos rios, como Aracati, Acaraú, Granja, Camocim e Sobral, no Ceará, Parnaíba, no Piauí e Mossoró e Assu, no Rio Grande do Norte. Este litoral semiárido além de possuir as condições climáticas favoráveis à produção de sal, tinha vegetação tipo caatinga (rica em forrageiras  de baixo porte e, sendo uma vegetação aberta, permitia a criação de gado), tinha sal para salgar a carne, água doce dos rios e porto de onde partiam as Sumacas transportando o charque. Duas secas praticamente, exterminaram o rebanho bovino da região semiárida e  acabaram as Oficinas de Charque no Nordeste (a seca de 1777-1778 e os 4 anos de seca de 1790-1793). O aracatiense  José Pinto Martins, fugindo das secas, foi para a foz do Rio Pelotas, no Rio Grande do Sul, e estabeleceu a indústria saladeiril naquele Estado sulino e por isso ele é considerado o fundador da cidade de Pelotas-RS. 


A jangada também protagonizou a aventura da famosa "RAID da Jangada São Pedro", quando quatro pescadores da Praia do Mucuripe  de Fortaleza, no Ceará, Jacaré (Manoel Olímpio Meira), Tatá (Raimundo Correia Lima), Mané Preto (Manoel Pereira da Silva), e mestre Jerônimo (Jerônimo André de Souza) viajaram ao Rio de Janeiro em uma frágil e tosca jangada de 6 paus roliços de piúba, sem nenhum equipamento de comunicação e navegação (rádio, bússola, GPS, mapas etc.), se orientando apenas pelo brilho das estrelas durante a noite e enfrentando o perigo das calmarias, tempestades e da presença de tubarões. Viajaram durante 61 dias até chegar à Baia da Guanabara, onde aportaram no dia 15 de novembro de 1941 e foram recebidos como heróis pelo povo, pela imprensa, inclusive pelo Presidente da República à época, Getúlio  Dornelles  Vargas. Outro jangadeiro cearense que fez história foi  Dragão do Mar (Francisco José do Nascimento ), natural da vila de Canoa Quebrada (Aracati-CE), que liderou, em 1881, a primeira greve de jangadeiros do Brasil, quando impediu o embarque de negros escravos do Porto do Mucuripe para as fazendas do Sudeste brasileiro. É que naquela época praticamente não existia Porto, ficando o navio (vapor) distante da praia, necessitando que os passageiros e as cargas em geral fossem levadas até o navio de jangada . Pelo seu destemor, espírito de liderança e vontade de ver seus irmãos negros livres da escravidão, Dragão do Mar tornou-se consagrado abolicionista. Em 1884, ele foi ao Rio de Janeiro receber a Medalha de Ouro da Sociedade Abolicionista e nesta ocasião foi recebido pelo Imperador Dom Pedro II, oportunidade em que  fez a doação ao Museu Nacional de uma jangada que ele batizou de "Liberdade", em demonstração da luta do povo cearense em prol da Abolição da escravatura. O Litoral brasileiro, do Amapá ao Rio Grande do Sul, é úmido, com exceção desta pequena faixa litorânea que se estende  do Cabo de São Roque ao Delta do Parnaíba, que é seco e é denominado de Litoral Semiárido, Litoral Salineiro, Litoral Turístico, Litoral Camaroneiro (devido aos recentes cultivos de camarão) e no passado, foi também denominado de Litoral das Jangadas e de Litoral Pecuário (devido à criação de gado para as Oficinas de Charque). Atualmente, as jangadas usadas pelos pescadores não são mais de paus roliços de Piúba e sim de isopor, revestido com tábuas de madeira.

Benedito Vasconcelos Mendes é Engenheiro Agrônomo, Professor, Mestre e Doutor, escritor, Membro da Academia de Ciências do Rio Grande do Norte, Superintendente Federal da Agricultura no Rio Grande do Norte e pesquisador do cangaço e presidente da SBEC - Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço.

Informação do http://blogdomendesemendes.blogspot.com:

O Museu do Sertão na "Fazenda Rancho Verde" em Mossoró não pertence a nenhum órgão público, é de propriedade do seu criador professor Benedito Vasconcelos Mendes.

Quando vier à Mossoró procure visitá-lo, pois são mais de 5 mil peças para os seus olhos verem.

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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