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sábado, 20 de agosto de 2016

NATERIAL DO ACERVO DO PESQUISADOR DO CANGAÇO ANTÔNIO CORRÊA SOBRINHO


Em dezembro passado, trouxe aos amigos o comentário sobre a peça teatral de autoria da escritora Raquel de Queiroz - "LAMPIÃO", publicado no "O Estado de S. Paulo", em 1953 (que aqui reapresento). Agora, trago um outro parecer a respeito deste "LAMPIÃO", da consagrada escritora cearense, desta feita, editado nas páginas de "O Globo", em maio de 1954. 

Se algum amigo possuir o texto deste "Lampião", ficarei satisfeito se ele me for disponibilizado, e agradecido.

ESTREIA NO DUSE: “LAMPIÃO”, DE RAQUEL DE QUEIROZ


Um teatro pequeno por fora e grande por dentro – Novos atores e autores, estimulados por Paschoal Carlos Magno – Fala o cenarista Fernando Pamplona.

O Teatro Duse, com apenas cem lugares, foi construído por Paschoal Carlos Magno, em sua própria residência, e funciona como sede permanente do Teatro do Estudante, de onde têm saído alguns de nossos melhores valores dramáticos.

Só se vai ao Duse a convite de seu diretor, de seus professores e alunos. Sem qualquer objetivo comercial, a pequena casa se destina, principalmente, a prestigiar autores nacionais, muitas vezes sem chance de fazer representar, nos grandes teatros, os seus trabalhos. Hermilio Borba Filho, Francisco Pereira da Silva, José Maria Monteiro, Aldo Calvet, Claudio de Araújo Lima, João Augusto e muitos outros escritores dramáticos, ali fizeram a sua primeira aparição pública.

O “LAMPIÃO”

Será levada na próxima segunda-feira, no Teatro Duse, a peça “Lampião”, de Raquel de Queiroz. A grande escritora, evidentemente, não está no caso do estreante sem oportunidade. A estreia da peça no Duse se dará em virtude da amizade que a liga a Paschoal Carlos Magno, e ao mérito que a romancista atribui à iniciativa.

O cenógrafo Fernando Pamplona, falando a respeito, declarou-nos: - “Lampião” é um drama muito bem arquitetado. Interessa do começo ao fim, e a excelente direção de Sálvio de Oliveira lhe empresta ainda maior brilho. É preciso destacar, também, o trabalho de Rosa Carlos Magno e de Antonio Lopes Faria, que cuidaram da indumentária, adaptando-a ao sabor regionalista da peça.

- Quanto aos intérpretes – prossegue o encenador de “Lampião” – estão à altura do texto. Ana Maria, que é nortista, viverá o papel de Maria Bonita. Armindo Guanais, do interior da Bahia, é um “Lampião” de qualidade. O “Ponto Fino” será interpretado por Othon Bastos, cujo talento me impressionou particularmente. Disseram-me que o empresário Walter Pinto anda à procura de um ator jovem e negro, para um quadro “Negrinho do Pastoreio”. Recomendo-lhe que vá ao morro, e procure ver esse moço dançando macumba. Digo apenas que o espetáculo deslumbrou Barrait, na festa que lhe foi oferecida no Duse.

“O GLOBO” – 27/05/1954

 “LAMPIÃO”


Raquel de Queiroz sentiu-se agora atraída pelo teatro. Não é de estranhar, pois seus romances e contos sempre se revelaram de ação muito intensa e se caracterizaram pela naturalidade dos diálogos. Se não tentou antes escrever peças, foi sem dúvida porque somente nos últimos anos se tornou o teatro brasileiro uma realidade. Hoje tem ele público, atores e cenaristas. E as obras vão fluindo. Tivesse havido possibilidades maiores anteriormente e muito ficcionista se houvera voltado para o palco.

A peça de Raquel de Queiroz intitula-se “Lampião”. É realista, de um realismo sóbrio que se adota perfeitamente à paisagem do sertão e à mentalidade do cangaceiro. Tudo é árido, seco, denso, neste drama que nos apresenta um Lampião asperamente megalomaníaco e friamente cruel. No entanto, o diálogo entre o bandido e Maria Bonita põe uma nota diferente no conjunto, uma nota sentimental profunda, de grande interesse psicológico e suscetível de explicar, em parte, as atitudes violentas do capitão contra seus próprios irmãos e seus caibras.

Raquel de Queiroz não endeusou o cangaceiro, nem lhe desculpou os crimes. Não quis fazer sociologia nem tirar nenhum partido ideológico do fenômeno cangaço. Cortou apenas na vida de Lampião a sequência de maior dramaticidade e nela projetou de um modo quase objetivo. Para tanto, sacrificou os possíveis efeitos que teria alcançado apelando para o pitoresco, mas ganhou uma profundidade rara em nossa literatura.

Diz a autora que em sua peça “procurou acompanhar o mais perto possível a lenda, o anedotário, o noticiário de jornal”. Não sei se o episódio da tentativa de sedução de Maria Bonita pelo cangaceiro Ponto Fino se encontra na tradição oral ou escrita relativa ao “capitão” Virgulino. Se está na tradição, foi muito bem dramatizado. Se não está, foi um achado, pois se justifica perfeitamente, assinalando, pela sua naturalidade e sua penetração, um dos pontos altos do drama. Aliás, não vejo pontos fracos na peça, a não ser, talvez, no início, o diálogo de Maria de Déa e seu marido, o sapateiro Lauro, com a cena da cobra e a confissão de ter enviado recado a Lampião para que viesse busca-la. Ainda assim, logo que o bandido chega, a ação se precipita e se condensa.

Não sou homem de teatro. Não posso, por isso, julgar se a peça se sustentaria à luz da ribalta. Mas acredito no seu êxito porque tem o que exige o teatro, isto é, um certo número de “clímax” que prepara e valoriza o momento final mais intenso, o momento que fica com referência elucidativa do todo na memória do espectador. A peça de Raquel de Queiroz toda inteira se constrói para a cena da morte e degola de Lampião e Maria Bonita. E o fim comovente surge quando já o sentimos necessário, tanto pela situação criada como pelo próprio estado de espírito dos heróis. É o que dá ao argumento, que também poderia ser cinematográfico, a homogeneidade e a solidez sem as quais não se mantem de pé um drama.

S. M.
“O ESTADO DE S. PAULO” - 02/09/1953


Imagens: 1.Capa de "Lampião"; 2. Os atores Othon Bastos (Ponto Fino), Edgar Ribeiro (sabino), Roberto Yago (Lauro) e Antônio Araújo (Corisco), do site tokdehistória.com.br; 3. A atriz Ana Maria, no papel de Maria Bonita (ilustrativa da matéria do O GLOBO; e 4. Raquel de Queiroz.

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