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domingo, 28 de agosto de 2016

“QUEM DÁ MAIS, QUEM DÁ MAIS?” – A TRADIÇÃO DO LEILÃO SERTANEJO

*Rangel Alves da Costa

Os leilões de agora são muito diferentes daqueles de antigamente. Ainda num tempo de candeeiros, de lamparinas e luz da lua sobre os arredores da cidade, ainda assim não havia festa mais iluminada e bonita.

Como para um evento junino, as malhadas das fazendas – geralmente pequenas propriedades – ganhavam bandeirolas, fogueiras e enfeites e comodidades apropriadas à ocasião. E após o anoitecer a chegada dos sertanejos das vizinhanças e mais distante, a pé ou montados em cavalos ou jumentos.

O leilão era o evento anunciado, mas evento matuto inseparável do forró pé-de-serra, do pífano, da dança em sala de reboco, do chinelado fazendo a poeira levantar, da bebida e da casca de pau, do flerte e do namoro. E também da confusão, de vez em quando. Negar uma voltinha de dança era tido como desfeita de briga.

Quando o dono da casa mandava parar o fole para anunciar os inícios, então não demorava muito e o leiloeiro recebia a prenda a ser leiloada e começava a percorrer o salão e a malhada cantando a qualidade e o preço inicial da arrematação. “Um bolo de macaxeira que é uma maravilha. Feito hoje, com coco de mais de um coqueiro, no forno a lenha, vale mais que esse preço. Quem dá mais, quem dá mais?”.

Antigos leilões sortidos de tudo aquilo tão próprio do sertão: galinha de capoeira, capão, cabrito, bolos, doces, garrafas de cachaça, bebidas destiladas, caldeirões de mungunzá e arroz doce, cocada da marrom e da branca, sela, chocalho, sapato de couro cru, queijo, manteiga em garrafa, e muito mais. Mas também sabonetes, perfumes baratos, goiabada, prato e copo.

O leiloeiro, mais conhecido como corredor (aquele que faz o leilão correr), deve ter um dom especial para anunciar e vender os produtos. Não é qualquer um que sabe correr leilão. Precisa ser alegre, de boa voz, piadista, poeta e conhecido na região. E com uma técnica tão especial que permite dobrar o preço com poucas palavras. Instiga o desafio entre compradores e a cada lance dado chama o outro a colocar mais dinheiro por cima.


“Vixe Maria que a coisa tá ficando boa. Rosendinho ofereceu dez conto nesse Cinzano. Mas é pouco, é muito pouco. Olhe ali, Jeremias aumentando pra doze. Rosendinho já diz que dá quinze. E aí Jeremias, vai aceitar a desfeita? Vinte, vinte conto, Bastião levantou a mão ali. Tá em vinte, quem dá mais, quem dá mais? Bastião parece que vai passar a perna nos cabras. Rosendinho se enraiveceu e já ofereceu trinta no Cinzano. E agora, e agora, vou mandar bater o martelo? Bastião virou num bicho, danou-se, já tá apontando trinta e dois. E Bastião vai levar. E dou-lhe uma, e dou-lhe duas, e dou-lhe... Vendido!”.

Os tempos são outros, mas os leilões permanecem vivos na região sertaneja. Não mais com aquela feição matuta de antigamente nem ao som da sanfona (ainda que se encontre leilão acompanhado pela sanfona, zabumba, triângulo e cantador), mas com o mesmo entusiasmo dos participantes. As prendas também se modernizaram, não sendo raros objetos até de informática.

Além disso, o que se observa é que em muitas situações o leilão se transformou num negócio rentável, sempre de bom retorno para o organizador. Se antigamente havia muito mais prazer do que intuito lucrativo na festança, agora não passa de um meio de lucratividade. Ora, as prendas, brindes ou presentes, são doados em grande quantidade. Como no leilão cada produto ou objeto geralmente duplica ou triplica o seu real valor, então se torna num negócio mais que rentável. Além do fato de que quem faz o leilão é também quem comercializa as bebidas e os tira-gostos.

Contudo, não deixa de ser uma tradição que permanece viva e com grande número de participantes. Após a música eletrônica parar e o leiloeiro começar a correr o primeiro produto, então as pessoas se empolgam e querem mostrar que têm dinheiro. E assim, no quem dá mais, quem dá mais, aquilo que na cidade não vale mais que dez reais ali é arrematado por trinta ou quarenta. Tudo em nome da tradição.

Ontem mesmo, aqui no sertão onde nasci e sou visitante habitual, presenciei a realização de leilão. Nada arrematei. Apenas observei para escrever estas linhas.

Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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