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sexta-feira, 19 de agosto de 2016

SE MUITO DINHEIRO EU TIVESSE

*Rangel Alves da Costa

Sei não, sei não, mas se engana quem imaginar que muito dinheiro significa poder, luxo, riqueza, ostentação, esbanjamento, gastanças, brilhos e fanfarronices. Ou que muito dinheiro permite ser e estar além de todos, como se cada soma fosse um patamar de uma escada ao alto.

E muito se engana por que, perante diversas situações, a riqueza ou a fortuna não possui qualquer valor de transformação da realidade. Quando a doença chama ou a morte se anuncia, nenhuma valia terão os milhões para a cura imediata ou a forçada permanência em meio aos humildes, pobres, famintos, ou aqueles sempre relegados pela submissão social.

E se engana ainda por que muito dinheiro não significa absolutamente nada sem uma justa, digna e honrada destinação. Milhões investidos em negócios de risco valem muito menos que o tostão destinado à boa ação. Bilhões investidos em ações de bolsas de valores traduzem muito menos que uma ação humanitária em quantia ínfima para o que se tem.

A riqueza, além de tender ao distanciamento dos que estão aos pés da escada, provoca uma solidão tamanha que nem a presença do ouro e da prata acalanta o ânimo espiritual. E pessoas existem que se pudessem viviam dentro de cofres de bancos ou caminhando por cima de maços e mais maços de notas. Mas sem amigos, sem alegria no viver, sem motivos reais para a felicidade e o contentamento.

O Rei Midas, bondoso e benevolente, por acaso passou a ter imensa riqueza. E assim porque lhe foi dado o poder de transformar em ouro tudo o que tocasse. Ávido pelo brilho dourado, o rei foi tornando em preciosidade desde folhas e ramos a grandes objetos. Já tomado pela ganância, sequer imaginou que se tocasse no seu próprio alimento ou bebesse vinho ou água, tudo também em ouro se tornaria.

Estava rico demais, dispondo de todo o ouro que desejasse, mas não podia comer, beber ou mesmo tocar em alguém que gostasse. O poder do ouro havia se transformado em perdição. Daí ter implorado para voltar ao estado de antes, de simples humano, e assim poder viver com normalidade. E provado está que o poder da riqueza ou de tudo transformar em fortuna não traz nenhuma felicidade.


Qual a riqueza monetária de Madre Teresa de Calcutá, de Irmã Dulce, de tantas outras e outros que se revelaram como acolhedores de milhares de pessoas? Porém, ninguém de maior riqueza que estes, numa bonança nascida de cada doação para a grande obra da caridade. Se o Rei Salomão teve na sabedoria sua maior riqueza, estes tiveram na beneficência suas grandes fortunas.

Na lista dos homens e mulheres mais ricos do mundo, certamente a junção das cifras sequer se aproximará das riquezas contadas em moedas, em notas de dois e cinco reais, obtidas da luta dos catadores de papel, de garrafas, de velharias. Por quê? Ora, o uso e o valor que se dá ao conquistado demonstra o tamanho da riqueza. A serventia de um ganho no suor e na luta é sempre muito mais proveitosa que os milhões disponíveis em contas bancárias.

Eu, por exemplo, sobrevivo ao longe da riqueza monetária, da conta bancária gorda, do contracheque folgado, do cartão de crédito ilimitado. Tudo o que possuo é de tamanha luta que nada resta se eu não lutar ainda mais. Mas sou rico. Valorizo e sei destinar bem o que tenho. Cada tostão conseguido é como se a riqueza maior do mundo chegasse a minhas mãos.

Ademais, se muito dinheiro eu tivesse, a única coisa que eu jamais seria era rico. Rico no sentido de apenas ter, de somar cada vez mais, de ter uma vida regada à bonança e ao mundanismo. Rico no sentido de deixar de ser o que sou para ser o outro, o rico, o endinheirado, o que apenas tem sem nada ter, pois não teria esse tudo que tenho agora.

Na verdade, se muito dinheiro eu tivesse, a primeira certeza seria que muitas das pessoas que tão bem conheço não seriam nem mais pobres nem mais ricas do que eu. Todas seriam iguais a mim, ricas pela minha riqueza, humildes pela minha humildade. Haveria sempre um pão a ser repartido em partes iguais.

Se muito dinheiro eu tivesse, mas muito dinheiro mesmo, o meu limite de gasto seria o limite da necessidade do próximo, daquele próximo a mim e que tão bem eu conheço. Ou talvez de mais distante, até mesmo desconhecido, pois a carência que clama não pode ser esquecida.

Mas se muito dinheiro eu tivesse, certamente algo em mim mudaria: não deixaria faltar flores sobre a mesa, teria um oratório maior, compraria mais pinhas e araçás. Teria uma janela aberta para um jardim, um banco de entardecer, uma rede estendida na varanda, um caderno bonito para rabiscar poesias. Teria o prazer de abrir a porta e mandar entrar aquele cujo olhar e feição dizem mais que palavras.

Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com 

http://blogdomendesemendes.blogspot.com


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