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sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

O VELHO SIMPÁTICO E GENTIL, O MAIS FEROZ E TEMIDO MATADOR DE CANGACEIRO

Material do acervo do pesquisador do cangaço Antonio Corrêa Sobrinho
Imagem do coronel Manuel Neto

Magro, alto, elegante, todo vestido de azul celeste, lá está o coronel Mané Neto. Se não fosse aquele Taurus 38, cano médio, na cintura, ele poderia ser definido como um velhinho simpático e indefeso. Indefeso, jamais: quando me aproximei dele, um tanto bruscamente, brecando o carro a poucos metros, a mão (fina, delicada) do coronel ameaçou puxar o Taurus da cartucheira. Mas um grito – “É jornal, coronel! É do jornal!” – guardou os reflexos do coronel para outra ocasião. Mas ele ainda desconfiou:

- Abra a porta do carro, meu filho. Vamos, desça, venha cá. Devagar.
A voz é pausada, suavíssima, é quase uma sonata. Vamos manter o simpático na definição do coronel. Ou melhor: vamos chama-lo de encantador. Mesmo quando ele, escudando-se em desculpas gentilíssimas, diz que não vai falar de homens sangrados, cabeças cortadas, atrocidades de um modo geral. Não, ele não vai falar de jeito nenhum sobre a fama dele: o mais feroz e destemido caçador de cangaceiros de que já se ouviu falar. A opinião – de ex-cangaceiros e policiais da época – é unânime. O próprio Lampião dizia dele: “Se os macacos vier sem Mané Neto é como se não fosse nada”. Ou: “Se Mané Neto chegou, precurem sarvar metade da vida que a outra já foi”. Os cangaceiros sobreviventes chegam a fazer caretas quando se toca no nome dessa gentil criatura. Segundo eles, Mané Neto jamais poupou a população civil que, supostamente, não lhe queria dar a direção de Lampião. Os colegas de Mané Neto elogiam a sua bravura, sem cair em detalhes.

Então, a gente fica sem jeito de acreditar que uma pessoa tão delicada, um velhinho de conversa agradável (ele deve estar com uns 60 e tantos anos) como este coronel de azul celeste tenha um passado tão sanguinário. Uma coisa é verdade: aquele conjunto azul celeste elegante cobre as marcas de mais de 30 balas. Daí o Taurus e o reflexo extraordinário para a sua idade. Mas por que tantas balas? Não se pode dizer que as brigadas na caatinga, entre polícia e cangaceiro, pelo menos na primeira fase, até 1928, tenham primado por geniais esquemas táticos. Era um grupo na frente do outro, atirando. É claro que, de vez em quando, um grupo ou outro armava um esquema de pegar o inimigo pela retaguarda. Mas será que essa obviedade pode ser chamada de tática? Muitas das 30 balas do coronel (tenente, na época) Mané Neto foram recebidas pelo fato de ele não suportar ficar agachado, atirando. Era do tipo que se levantava, de peito aberto, para xingar os inimigos com os mais tradicionais palavrões. E tome bala.

A guerra entre polícia e cangaceiro tinha disso. Geralmente era o cangaceiro que se expunha, de pé, para perguntar:

- Com quem luto?

- Com Mané Neto (um exemplo)

- Então vai ser um arrocho!

E tome bala. Esses estranhos diálogos entre os inimigos chegou a certos requintes quando, em 1926, o então tenente Higino atacou um grupo usando pela primeira vez uma metralhadora. Os cangaceiros, depois do susto, gritavam:

- Nêgo safado (Higino é um tipo escuro, acaboclado), passe essa “costureira” pra cá!

- Venha buscar, seu filho...

O coronel Mané Neto não quer falar do passado. Nem aceita convites para fazer conferências em escolas militares. Parece que o passado lhe dói muito. Ele tem uma fazendinha em Ibimirim, no sertão pernambucano, um jipe velho, e quer o resto da vida em paz. Mesmo assim, o suave coronel reforça uma observação do jornalista pernambucano Fernando Menezes, quando se mostra muito irritado com os caminhões de carga. O jornalista observara que os caminhões que passam pelo sertão são os novos cangaceiros. Insinuantes, piscando mil luzes, enfeitados de todas as cores, dirigidos por um príncipe que conhece a fala de outras terras e gentes, os caminhões excitam e atraem as mulheres sertanejas. Aquela atração que o cangaceiro de cabelos longos, cheio de metais cintilantes e histórias heroicas, usava para conquistar as marias bonitas da época.

- Esses caminhões – diz o coronel com um toque sutil de irritação na voz - são umas desgraças. Já levaram umas dez garçonetes daqui.

"JORNAL DA TARDE" (O ESTADO DE S. PAULO) – 31/07/1973


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