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domingo, 11 de junho de 2017

NO CAMINHO DAS ÁGUAS

*Rangel Alves da Costa

E um dia, num passado distante, as águas que eram tantas no Velho Chico, iam se abrindo como estradas longas, curvadas, molhadas, cheias de vida, serpenteando sertões adentro. Ora remanso ora mais agitado pelas pedras grandes, assim no caminho das águas.
Num tempo de um Rio São Francisco grande, pujante, caudaloso, pelo seu leito e margens os sertões nordestinos iam sendo conhecidos e desbravados, quase como uma nova terra chegava aos olhos dos viajantes.
Caminho das águas até então conhecidos somente pelos povos primitivos, homens das cavernas nas suas ribeiras e índios que estenderam suas tribos ao longo de suas margens e arredores. Tudo na garantia do peixe farto e na utilização de suas rústicas embarcações.
Antes da chegada do desbravador litorâneo, apenas um rio desconhecido nos seus interiores. Pouco se sabia de sua força e de seu poder. Os antigos habitantes de suas margens ali mesmo foram se findando sem jamais irem dar a notícia de suas riquezas em outras plagas.
Somente quando as revoluções coloniais eclodiram nos centros litorâneos é que o citadino se viu forçado a fugir em busca de salvação em lugares distantes. E o caminho mais seguro que encontraram foi exatamente o das águas do velho Chico.
Assim o Velho Chico foi abrindo seus braços e lançando em seu leito as canoas, as pequenas e grandes embarcações, possibilitando que o homem fugisse do litoral e fosse tentar a vida noutros rincões, porém ainda desconhecidos.
Homens, famílias inteiras, que jogavam seus últimos pertences em cima das águas e iam seguindo sem rumo pelas vastidões molhadas daquele rio imenso e sem fim. De margem a outra uma lonjura danada, e da margem adentro o além-mundo hostil e misterioso.
Nas embarcações, além dos pertences familiares, também as posses adquiridas nas durezas da luta. Por isso que as canoas, chatas, vapores e outras embarcações, seguiam rio acima levando porcos, galinhas, cabritos, gado, cavalos, todo tipo de bicho de criação.
Ao chegar às beiradas do rio, logo despejavam seus apetrechos e animais. A família ficando debaixo de uma tapera construída ali mesmo, um pouco mais afastado das águas. Já os animais, principalmente o gado, eram mantidos em pequenos currais ao longo das margens.
Ali a água, o peixe, a caça, a lenha, a madeira, o barro e outros produtos da terra. Frutos silvestres, brotos e raízes, tudo na dieta do viajante e agora morador de lugar distante, ainda desconhecido nos seus interiores. E eram tais entranhas que logo seriam desbravadas.
Os viajantes não se demoravam muito tempo naquelas ribeiras. Porém nem todos. Muitas famílias resolveram permanecer nas vizinhanças das águas e acabaram germinando o que hoje se tem como vida ribeirinha, com suas povoações e cidades. Já outros logo arribaram pela mataria em busca de outras promessas.
Aqueles que adentraram nas matas, caminhando entre perigos rumo ao desconhecido, mais adiante lançariam as bases da maioria das cidades sertanejas agora avistadas. Chegavam geralmente num ponto mais elevado e protegido, levantavam barraco, faziam cercados, semeavam a terra e assim permaneciam no novo mundo.
Desse modo, o desbravamento dos sertões nordestinos, principalmente do mundo sertanejo, não se deu antes que os seus primeiros habitantes um dia aportassem nas ribeiras do Velho Chico. Num mundo distante, desconhecido, de mata fechada, somente através do São Francisco era possível penetrá-lo.
Assim o caminho das águas nordestinas, das águas sertanejas, chegadas entre as serras, nas curvas distantes, no marulhar do silêncio e da quase solidão de outros tempos. Num tempo de rio tão portentoso como a própria e tão rico como a mesa mais farta do seu viajante. E um caminho nas águas que possibilitou tudo o que é mundo ribeirinho e sertanejo de água.
Hoje o rio está secando, mas já foi tão imenso que todo o sertão já coube nele.

Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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