Seguidores

terça-feira, 9 de janeiro de 2018

A FASCINANTE HISTÓRIA DO CANGAÇO.

Do livro: Lampião, nem herói nem bandido, a história
De: Anildomá Willans de Souza

Essa é uma daquelas histórias que prende o leitor do começo ao fim e demonstra com exatidão de detalhes o verdadeiro universo cangaceiro. Leiam.

DAVID GOMES JURUBEBA “DAVID JURUBEBA”.

Um dos mais tenazes perseguidores/inimigos de Lampião. David Jurubeba durante muitos anos fez parte da Força Volante oriunda do então povoado de Nazaré, cujos integrantes eram conhecidos como Nazarenos ou ainda como os “Cabras de Nazaré”. Os Nazarenos sem sombra de dúvidas formavam a mais temível e implacável força de combate e repressão ao cangaceirismo/banditismo e em especial à Lampião e seus comandados.

David Jurubeba teve seu irmão Olímpio Gomes Jurubeba morto no dia 20 de novembro de 1924, durante um tiroteio entre os Nazarenos e o bando de Lampião na Fazenda Baixas, localizada no município de Floresta/PE. A partir de então David Jurubeba passou a ter uma dívida de sangue para ser cobrada a Lampião. A morte de Olímpio Jurubeba contribuiu para o aumento ódio e da sede de vingança por parte da população da pequena Nazaré de onde saíram os maiores perseguidores e inimigos de Lampião. Tendo inclusive o próprio Lampião reconhecido a bravura e valentia por parte dessa gente.

A caça ao chefe supremo do cangaço e ao seu bando apenas encerrou no dia 28 de julho de 1938 quando a tropa comandada pelo então Tenente João Bezerra da Força Policial Volante alagoana encerrou definitivamente a trajetória do maior cangaceiro de todos os tempos.

A morte de Lampião foi recebida com certo contentamento e ao mesmo tempo com indignação por parte dos Nazarenos por não terem conseguido alcançar tal proeza, apesar dos esforços empreendidos nos vários anos em que caçaram Lampião e seus comandados por vários estados do Nordeste.

David Gomes Jurubeba e os Nazarenos entram para a história do cangaço com méritos por terem combatido exaustivamente o cangaceirismo e o banditismo de um modo geral que naquela época, além da seca e dos desmandos dos detentores do poder, eram algumas das mazelas que assolavam os sertões do Nordeste.

David Gomes Jurubeba faleceu no dia 07 de janeiro de 2001 vítima de AVC (Acidente Vascular Cerebral) no Hospital da Policia Militar na capital pernambucana. Na ocasião Davi Jurubeba contava com a idade de 99 anos e 45 dias. Seu corpo está sepultado no Cemitério Público Municipal de Serra Talhada/PE. (Geraldo Antônio de Souza Júnior)

O TIROTEIO DAS BAIXAS

Perguntado sobre qual teria sido o momento mais marcante e difícil pelo qual passou em confrontos contra Lampião. David Jurubeba respondeu:

"- Foi no tiroteio das Baixas - onde morreu meu irmão Olímpio - e o de um lugar denominado Jacaré, onde constatei a bravura e resistência de Lampião, vendo a hora eu e minha gente partir desse mundo pelas balas dos cangaceiros. Mas que mesmo assim, botamos os bandidos para correrem".

Continua David Jurubeba:

" - Fazia um tempão que ninguém ouvia falar de Lampião. As noticias eram as mais desencontradas possíveis. Falar se falava, mas ver o homem mesmo, pra peitar, isso não.

Até que um dia ele apareceu de supetão, próximo a Nazaré, na fazenda Paus dos Leite, onde, no momento, um parente meu, Pedro Tomáz, estava dando uns mergulhos no açude. O coitado saiu na maior carreira, nu, debaixo de pilherias e galhofas dos cangaceiros, em direção à Nazaré.

Aí se juntou um punhado de homens armados, inclusive eu, Tomáz e seu pai, Tomáz Gregório. Seguimos os rastros. Constatamos pelas pegadas serem quinze homens que rumaram em direção da fazenda Baixas, uns doze quilômetros do povoado. Chegamos na frente da casa da fazenda, nos posicionamos nos currais que ficavam depois do grande terreiro.

Esperei um pouco, nenhum movimento ou voz, aí gritei:

" - Lampião, filho da puta!".

Aí foi tiro pra todos os lados. Nós eramos apenas cinco. Mas mostramos que nazareno que se preza, um vale por dez.

Enquanto a gente amolegava o dedo no gatilho, gritava impropérios. Aí comecei a puxar um assunto que apoquentava Lampião:

" - Lampião, bem que Zé Saturnino dizia que você não é homem bosta nenhuma".

Menino, o cabra ficou mais azedo ainda! Aí gritava mais alto:

" - Num fale daquele cabra safado. Aquele sim, é um ladrão de bode, desordeiro e mentiroso".

E tome bala. Tome gritos. Desaforos. Já eram duas horas da tarde quando resolvemos cair fora do local da luta. Estávamos com muita sede, pouca munição, os olhos ardendo com o fedor e o fumaceiro da pólvora, e a vantagem era dos cangaceiros.

Eles, dentro de casa, com mais homens. Nós, protegidos pela cerca do curral e com apenas cinco nazarenos. Saímos de fininho. Um a um.

A certa distância nos encontramos todos os companheiros no ponto previamente combinado e íamos em direção a Nazaré, com muita fome e sede, mas com vontade de brigar. De repente vimos chegando ao nosso encontro sete homens, eram eles: meu tio Gomes Jurubeba, Manoel Flor, Manuel Jurubeba, Euclides Flor, Inocêncio, meu irmão Olímpio e outro parente. Meu tio foi logo dizendo:

" - Vamos brigar! "

Comemos uns pedaços de queijos e rapadura. Tomamos bastante água. Reabastecemos as armas. Criamos alma nova e partimos mais uma vez pro palco das brigas. Já havia se passado quase duas horas do primeiro fogo. Agora éramos doze nazarenos.

Ninguém percebia nossa presença se arrastando rente ao chão, tomando as posições no mesmo curral para liquidarmos com os cangaceiros que continuavam ocupando a mesma casa como se nada tivesse acontecido.

De cara vi logo Lampião.

Estava meditativo, encostado na janela, alheio ao tempo, com a cabeça nas nuvens.

Fiquei olhando pra ele e vi, não apenas o cangaceiro meu inimigo, mas o cabra macho que ele era, altivo, jamais dobrou o lombo pra quem quer que seja.

Tinha palavra. 
O que falava era lei. 
Cumpria o prometido. 
Acima de tudo, era valente.

Ele continuava vagando nos pensamentos. Aí me organizei pra atirar. Pus a cabeça dele bem dentro da alça da mira do meu rifle.

Era o fim de Lampião.

Quando espremi o dedo no gatilho, vi que estava travada.

Mentalmente soltei um palavrão.

Fui destravar a arma silenciosamente, mas teve o " clic "inevitável.

Nesse exato momento Lampião deu uma cambalhota pra trás, correu ziguezagueando, e nós atirando no homem que mais parecia um gato acuado fazendo todo tipo de pirueta, quando chegou no pé da porta da casa, pulou pra dentro numa velocidade impressionante.

A estas alturas, os cangaceiros respondiam o tiroteio.

Por um instante pensei ter eliminado com Lampião. Perdi a ilusão quando escutei sua voz:

" - Tá vendo David, todos os homens de Nazaré não vale um só de minha marca".

Aí respondi:

" - Mas ainda hoje mando você roubar bode no inferno".

Era tanto palavrão com a gente e com nossas mulheres, que muitas vezes não vale a pena repetir.

Mas o tiro corria frouxo. Era uma barafunda infernal.

Os cangaceiros tanto atiravam como gritavam arremedando os animais, cantando, parecia até que não tinham medo e a coragem pra brigar ia às bordas da insanidade.

De repente Pedro Tomáz me puxou pelo braço e mostrou-me meu irmão Olímpio, ferido, com um tiro na espinha, mesmo no meio das costas. Foi um banho gelado em mim, fiquei mudo, com medo do pior acontecer.

Sentei-me ao seu lado, pus sua cabeça na minha perna. Nunca pensei na minha vida vê um irmão meu naquele estado, deitado no chão, se esvaindo em sangue, dizendo coisa por coisa. Cada vez mais pálido e gelando. Para desfechar com mais dor este momento, uma bala lhe atingiu a cabeça, quase me ferindo também.

Fiquei louco.
Não enxerguei mais nada.
Cego de dor e ódio, gritei:
"- Lampião, Olímpio morreu! "

Todo mundo parou de atirar. Tanto os cangaceiros como nós.

Saltei de peito aberto pro meio do terreiro, gritando pra o sertão inteiro escutar:

" - Lote de cangaceiros filhos da puta! Lampião, seus tiros acabou com a vida do meu irmão. Vamos agora, nós dois, decidir nossas vidas na ponta do punhal. Venha Lampião, vamos disputar num duelo".

Lampião calmamente respondeu:

" - Sinto muito pela vida de Olímpio. Conheci bem de muito tempo. Era um menino, noivo, trabalhador. Eu, David, comecei a lutar mais novo do que ele, mas nunca disse que era novinho e bonzinho. Quando mataram meu pai eu tinha a idade do Olímpio... Quem sai pra chuva vai se molhar. Quem parte pra briga, corre o risco de morrer".

Voltei a insistir:

" - Vamos decidir na faca, só nós dois".

Mais uma vez recuou:

" - David, não brigo com quem está querendo morrer.

Você está desesperado.

Se está querendo morrer, empurre a faca na sua barriga.

Agora mesmo estou com dois refles apontados pra você. Se mandar os meninos atirar, eles atiram. Volte para seu lugar e recomeçaremos a briga".

Sair andando para minha posição, cada passo que dava era um tiro que disparava em direção a porta que Lampião estava. Ao chegar no local que me entrincheirava, recomeçou o tiroteio.

Pouco mais de vinte minutos depois, tomba morto outro dos nossos, foi Inocêncio. Jovem como Olímpio.

A partir daqui estávamos com gosto de derrota na boca.

Os tiros não tinham piedade.

A tarde estava cedendo lugar pra noite, quando saímos das Baixas levando os dois corpos dos companheiros, mais do que isso, um irmão e um primo.

Foi luto em Nazaré e na minha alma, até hoje. Isso foi no ano de 1924, o mês não me recordo direito, tenho anotado, no óbito e nos documentos, mas não me lembro assim de cor, só sei que era tempo de safra de umbu.

Do livro: Lampião, nem herói nem bandido, a história
De: Anildomá Willans de Souza
Geraldo Antônio de Souza Júnior

https://www.facebook.com/photo.php?fbid=885838078246756&set=a.703792683117964.1073741835.100004617153542&type=3&theater

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário