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terça-feira, 15 de maio de 2018

DISTORÇÕES NO RELATO DE UM CRIME CANGACEIRO (IOIÔ MAROTO X CORONEL GONZAGA)



As notícias de um fato, criminoso ou não, ao propagar-se, sempre aparecem ‘arestas ou rebarbas’ distorcendo sua veracidade. Infelizmente é próprio do ser humano tentar chamar a atenção para se e, nesse pensamento vaidoso, não liga em aumentar e/ou diminuir, a sua maneira, a narração que se dispõe a fazer.

Além desse fato sobre os humanos, na época do cangaço a imprensa, tanto nordestina quanto sudeste, flamava suas páginas com manchetes e reportagens sensacionalistas sobre os ‘atos dos cangaceiros x volantes x população. Analisando minuciosamente as notícias dos vespertinos sempre nos deparamos com esse tipo de controvérsia. Imaginem que, depois de todo esse tempo, tempo hoje a possibilidade de pesquisarmos todos em um local único, ainda passamos horas a fio nessa pesquisa, no tempo em que ocorreram as ações. Sabiamente os editores tinham a certeza que não teria como negar-se uma determinada matéria do interior do país em pouco tempo. Onde ocorriam s fatos, talvez um ou dois cidadão tivesse como receber os jornais, mesmo assim, com um atraso bastante grande em relação à data do caso e/ ou da edição.

Citaremos um fato, pelos estudiosos bastante conhecido, que ocorreu na cidade de São José do Belmonte, ou simplesmente Belmonte, no interior sertanejo do Estado pernambucano: o assassinato do comerciante e político major Gonzaga.

O PRINCÍPIO

O saudoso ex-volante nazareno João Gomes de Lira, em seu livro “Lampião – Memórias de um soldado de Volante”, 1ª edição, pg 77, Recife, 1990, refere: “Em 1922, vindo do Ceará, o tenente Montenegro, oficial da polícia daquele Estado, chegou à fazenda Queimada Grande, fronteira do Ceará com Pernambuco. Na residência do Sr. Crispim Pereira de Araújo (conhecido por Yoyô Marato), membro da família Pereira, o tenente Peregrino Montenegro submeteu-o com toda a família, a torturas num grande aperto, inclusive espancou todo mundo pertencente à referida família. Na saída, o tenente Montenegro disse para Yoyô, que não se queixasse dele e sim do Sr. Gonzaga, em Belmonte.”

Sérgio Augusto de Souza Dantas refere sobre o mesmo fato em seu livro “Lampião – Entre a Espada e a Lei” - 1ª edição, pg 32, Natal, 2008: “Gonzaga era inimigo de Sinhô pereira, em virtude de uma desavença daquele com Crispim Pereira de Araújo, o ‘Ioiô Maroto’, parente do ex-chefe de Lampião.”


“Para vingar a humilhação sofrida por Ioiô Maroto, nas mãos do tenente Montenegro, que havia agido a mando de Luiz Gonzaga, junto suas forças às da família Pereira.” (AA, pg 100, 2009)

Vejam que nenhum dos escritores cita a causa da ‘visita’ do tenente cearense a residência do Crispim. Um cita que o comandante da volante ao ir-se, citou o coronel Gonzaga como responsável por tudo que ele ordenou ser feito a família agredido. O escritor Sérgio Dantas ainda ressalva que Ioiô Maroto tinha uma desavença com o coronel de Belmonte.

“Gonzaga há muito vinha atendendo às exigências dos cangaceiros, fornecendo-lhe dinheiro, tecidos e objetos, para ser deixado em paz, até que sobreveio o incidente que o levou a cair no desagrado dos bandoleiros. Estava ausente de casa quando chegou um mensageiro com uma relação de pedido a serem atendidos; sua esposa, indignada, negou-se a atender às solicitações, com um comentário final que irritou: “Que fossem trabalhar como meu marido sempre o fizera”. (MF, pg 171, 2012)

A narração dessa autora sobre o ocorrido já nos diz alguns pormenores, sem, no entanto referir a qual bando e chefe cangaceiro o coronel Gonzaga fazia ‘doações’ constantes. Porém, também não citou o princípio da questão tão quanto como o coronel era visto na região. Ela frisa que o mesmo foi um doador monetário para a construção da Igreja de Nazaré do Pico.


“Ioiô Maroto, fazendeiro em Belmonte, Pernambuco, parente de Sinhô Pereira, havia tido um problema com o coronel Luiz Gonzaga Gomes Ferraz (coronel Gonzaga), prefeito (intendente) daquela cidade, ligado a família Carvalho, porque, apesar de serem compadres e amigos, Ioiô votara contra sua chapa na eleição para prefeito. Aborrecido com o fato, Luiz Gonzaga aproveitou o ensejo da passagem de uma força policial do Estado do Ceará que tinha andado por Pernambuco à procura de jagunços de Zé Inácio do Barro e fez um conchavo com o comandante, o tenente Peregrino Montenegro, para que a volante fosse à fazenda São Cristóvão, de Ioiô Maroto, e desse uma surra nele. Os soldados fizeram mais que isso: saquearam a casa, maltrataram o fazendeiro e fizeram propostas obscenas às mulheres da família. Ioiô, profundamente desgostoso, sentindo-se desmoralizado, deixou de ir a cidade, não tirava a barba nem cortava o cabelo.” (LI, pg122, 2014).

Esse último autor nos ‘mostra’ mais do que os outros citados. Apesar de que narrou um fato fútil e meio desmantelado de um voto contra em uma eleição ter sido o estopim da pendenga. Porém, já vem uma afirmação de que o próprio comerciante de Belmonte solicita ao comandante da volante cearense um cacete no lombo de Ioiô Maroto em sua própria casa, na fazenda São Cristóvão. Vinício Feitosa Neves em seu livro “O Patriarca – Crispim Pereira de Araújo – “Ioiô Maroto””, 1ª edição, Cajazeiras, 2016, obra literária inteiramente sobre a biografia de Ioiô Maroto, na página 637, refere sobre o fato político: “Existe uma versão pouco aceitável que os laços de amizade entre Ioiô Maroto e Gonzaga, tiveram uma ruptura inicial por motivos ligados a desentendimentos políticos, incompatibilidade partidária entre o riquíssimo comerciante e o próspero fazendeiro, essa afirmativa não procede (...).”

O pesquisador/historiador Rostand Medeiros referindo sobre a surra que Ioiô Maroto levou, diz: “Segundo comenta a tradição oral da região, e que conseguimos apurar em nossa visita a Belmonte em 2008, o mínimo que posso dizer em relação à visita da volante cearense ao pobre do Ioiô Maroto foi que “o cacete comeu”. Sobrou até para sua já vetusta mulher e suas filhas. Consta que um policial negro, conhecido como “Uberaba”, teria praticado contra as mulheres “toda sorte de misérias e imoralidades, entre a risadaria de todos, inclusive do tenente que achava em tudo muito espirito”.

A expansão da colonização nos sertões nordestinos, referindo nesse assunto o sertão do Pajeú das Flores, foi a custo de suor, sangue e lágrimas. Patriarcas migram para territórios selvagens e aos poucos tomam conta de tudo que ali criam, fazem ou aparecem. Os povoados, vilas e pequenas cidades começam a surgirem, meio desmanteladas, mas, começam a florescerem e tornarem habitado uma área até então inóspita. Surge então, como em todo recanto do planeta a cobiça humana por bens, status e poderes. Esse desejo faz com que famílias inteiras passem a ter a vida de entes queridos ceifadas pela boca do bacamarte ou o gume cortador de uma faca peixeira pajeuzeira.

Havia, nos primeiros anos do sec. XX, vindo dos anos derradeiros do anterior, pendengas, mortes e crimes de vingança entre os componentes de duas grandes famílias residentes nas brenhas do estorricado sertão: Carvalhos e Pereiras. Não podemos detalhar desde o princípio devido haver pormenores que se fazem necessário serem citados e alongaria em demasia nossa matéria. Pegamos carona no tempo, já nos idos de 1907, ano em que a vingança tinha se aliada a foice côncava da morte e ceifado várias vidas das famílias Pereira e Carvalho. A briga era infinda naquele tempo entre famílias, e uma das maiores que já se viu foi à guerra particular entre Pereira e Carvalhos onde o sangue das vítimas das duas famílias regaram o seco chão do sertão, torrão calcinado do sertanejo.

Em 1907 Padre Pereira, Manuel Pereira da Silva Jacobina, sogro do Sr. Crispim Pereira de Araújo alcunhado de Ioiô Maroto, e pai de Luiz Padre, Luiz Pereira da Silva Jacobina, é assassinado, na Fazenda Poço da Cerca, cerca de 6km para as Umburanas, por membros da família Carvalho. Em seguida, por vingança, são assassinados Joaquim Nogueira e Eustáquio de Carvalho por um membro da família Pereira, Manuel Pereira da Silva, conhecido na região pela alcunha de Né Dadú ou Né Pereira. Né Dadú era irmão de Sebastião Pereira da Silva, que passa mais tarde a ser conhecido pelo apelido de Sinhô Pereira, o famoso chefe cangaceiro que foi chefe dos Ferreira e passou seu bando para chefia de Virgolino Ferreira, o cangaceiro Lampião. “Após o assassinato do tio, Padre Pereira, ele tomou pra si o intuito de realizar as vinganças contra a família Carvalho. Nisso, formou um bando de cangaceiros que ocasionalmente atacavam as fazendas Umburana, Piranhas e Várzea do Ú... Em 16 de outubro de 1916, na fazenda Serrinha, município de Vila Bela, PE, Né Dadú foi assassinado enquanto dormia por um membro do seu bando chamado Zé Grande” a mando da família adversária, tanto que levou como prova do que havia feito o chapéu e o punhal da sua vítima para pessoas da família Carvalho. A partir desse momento, seu irmão mais novo, Sebastião Pereira da Silva, se junta ao primo Luiz Pereira da Silva, vão até a fazenda Barros do Major José Inácio de Souza e contratam vários “cabras”, o coronel Zé Inácio vivia disso: fornecer pistoleiros, jagunços e cangaceiros para quem pagasse. Descem para o Leão do Norte causando danos e matando gente, além de destruírem propriedades inteiras de seus inimigos. (Vila Bela, os Pereiras e Outras Histórias, pag. 307, Luis Wilson).


“(...) Zé Grande (natural de Palmeira dos Índios - AL), que segundo os Pereiras, era ex-jagunço dos Carvalhos e havia fugido da cadeia para em sigilo incorpora-se ao bando de Né Pereira com a intenção de assassina-lo traiçoeiramente (...).” (Luiz Ferraz Filho).

Luiz Gonzaga (Lopes) Gomes Ferraz era um forasteiro na cidade de Belmonte, PE. A história conta que ele é natural da cidade de Floresta, PE. Ao casar-se com dona Martina Carvalho, Gonzaga passa a fazer parte do clã dos Carvalhos automaticamente, já que a senhora fazia parte da família. Ele chegou a Belmonte por volta de 1902. Como o pai, era almocreve, depois resolveu partir para outro modo de comércio, o qual deu certo. O pai com ele e outro irmão chamado João, haviam iniciado suas vidas almocreveando ainda na pequena Vila de São Francisco. Lá pelos anos vinte, 18 anos após radicalizar-se em Belmonte, Gonzaga é considerado um dos cidadãos mais ricos e influentes daquela ribeira. Ele ascendeu tanto que o próprio clã ao qual passou a fazer parte, já não o via com bons olhos. Pelo simples motivo dele não seguir encabrestado por onde os familiares da sua esposa seguiam, principalmente, referentes à situação político partidária.

Naquela época, Gonzaga passa a fazer parte de uma terceira via de opção para os eleitores. Os componentes das outras duas linhas partidárias, erradicados e a longos anos comandando a região, não acharam boa coisa e isso abriu uma brecha de ‘desconforto’: “Sua ascensão política era prestigiada por uma terceira via, a família Pessoa de Queiroz, que nutria amizades com ele e objetivava fazê-lo prefeito da valente Belmonte, uma dissidência paralela aos dois clãs mandatários, no caso específico Carvalhos e Pereiras”. Luiz, na época, andava rodeado de gente que sabia trabalhar com a espingarda, era vaidoso e investia para se destacar socialmente. “... Dispunha de muito prestígio e elevados recursos financeiros, era vaidoso, gostava de proteção e gente armada ao seu lado, não tardou em ajudar financeiramente a Polícia nas perseguições contra Sinhô Pereira.” (VF. Pg 633. 2016)


A rede de informantes de Sinhô Pereira o deixa ciente de que várias volantes que estavam em seus calcanhares eram financiadas pelo grande comerciante de Belmonte. Resolve então tentar dar um basta naquilo. Ele seria perseguido pelos homens pagos pelo governo, pela polícia legal, porém, não aceitava ser perseguido por ‘contratados’ pagos por uma pessoa que nada tinha haver com suas questões. Envia uma recomendação para que Gonzaga parasse de financiar seus perseguidores no que não é atendido.

Tendo tentado largar o cangaço junto com o primo Luiz Padre, pois já haviam feito aquilo para que entraram, vingar a morte do irmão Né Pereira, Sinhô é obrigado a retornar para seu rincão devido no Piauí ter sofrido vários ataques a bala. Seu primo, que havia tomado caminho diferente, consegue seguir em frente e vai alojar-se em terras goianas. Ao retornar, o caçula dos ‘Pereira’, junto com seu bando de cangaceiros, recomeça a aterrorizar o sertão do Pajeú das Flores e a região de Belmonte. Sebastião Pereira, depois de ser atacado no Estado do Piauí pela volante do tenente Zeca Rubens, essa volante era composta por vinte homens sendo três militares e o restante eram jagunços contratados. Diante desse primeiro ataque, pois ocorreram outros, estando acompanhado com os cangaceiros Gato, Coqueiro, Cacheado e Raimundo Morais, Sinhô Pereira sofre a baixa do ‘cabra’ Cacheado, com alvo determinado em seus inimigos, retorna varrendo tudo que encontra pelo caminho pertencentes aos inimigos. Entre eles, os inimigos, estava justamente o comerciante Luiz Gonzaga (Lopes) Gomes Ferraz de Belmonte.


Em maio de 1922, frente a um bom número de cangaceiros, Pereira procura variar os sinais para que sua pista se torne dificultosa de ser seguida. Essa tática era empregada para que o bando tivesse tempo de agir em determinado local matando gente, gato, criações e botando fogo em casas, currais e roçados dos inimigos e dar no pé. Naquela data o alvo do chefe cangaceiro da família Pereira era algo diferente. Sabedor das tropas de burros que traziam as mercadorias de Luiz Gonzaga de Rio Branco para Belmonte, Sebastião Pereira resolve começar a punir seu ‘inimigo’ no bolso, armando uma emboscada, encurrala os animais e rende os almocreves. As cangalhas vinham com diversas mercadorias para a loja do comerciante em Belmonte. Elas são todas colocadas abaixo e, retirando parte para seus homens, taca fogo no restante. Chamando um dos tropeiros, Sinhô Pereira envia um recado para o dono da mercadoria: “Diga a Gonzaga que isto é apenas uma advertência, se continuar a me perseguir sem razão irei pessoalmente à Belmonte para acertar contas com ele”. (VF. Pg 635. 2016)


Depois de destruir a mercadoria que vinha nos lombos da burrarada, Pereira se dirige exatamente para a casa de seu primo Ioiô Maroto na fazenda São Cristóvão. Não que suas visitas e estadias naquela casa fossem raros, pelo contrário, além de amigo era primo do dono daquelas terras. Nada mais comum do que usar sua guarida para matar a fome, a sede e o cansaço dos seus cangaceiros. Antes desse ocorrido, Sinhô havia mando um portador a Belmonte procurar o coronel Gonzaga com a incumbência de extorquir uma quantia em dinheiro. Acredita-se que esse ato já tenha ocorrido outras vezes, porém, daquela vez, Gonzaga não está na loja comercial “Rosa do Monte”, e sim sua esposa dona Martina Carvalho. A senhora do comerciante não vendo o perigo que estavam passando não quis enviar dinheiro algum e ainda por cima manda um recado para o maior e mais temido chefe cangaceiro daquela época, Sinhô Pereira: “-Diga aos cangaceiros que vão trabalhar assim como sempre fizera meu marido”. “(...) com o retorno do portador de mãos abanando (e) com o recado pouco amigável de Dona Martina Carvalho, Sinhô Pereira sentiu-se profundamente aborrecido, tendo em vista (que) o desencontro ocorreu por meio de um subordinado com palavras pouco aceitáveis naquelas circunstâncias.” (VF. Pg 635, 2016)


O coronel Luiz Gonzaga era padrinho de um dos filhos de Ioiô Maroto, assim como Ioiô Maroto era, também, padrinho de um dos filhos do coronel. Ou seja, eram amigos e compadres duas vezes. Devido a essa ligação entre o coronel e o primo de Sebastião, Ioiô Maroto é chamado e solicitado pelo compadre para que falasse com o primo para que as coisas fossem acalmadas. Crispim vai até o comércio do compadre e recebe a incumbência. Retornando a sua fazenda, dias depois recebe a visita do primo e seu bando, transmitindo o recado. Naquela altura dos acontecimentos e por falta de um pouco de bom senso, Sinhô Pereira não acata a solicitação de ‘trégua’ e paz do coronel: “Ioiô me faça um favor, diga a Gonzaga que a paz entre nós agora é tarde, diante as circunstâncias só aceitarei paz com ele mediante pagamento de dois contos e quinhentos mil réis para cobrir os prejuízos que ele já me deu com as perseguições injustas que venho sofrendo.” (VF. Pg 636, 2016)

Alguns dias depois, Ioiô retorna a Belmonte e transmite o recado do primo ao compadre. Em vez de pensar numa outra saída, a desconfiança toma conta do coronel e ele passa a acreditar piamente que, devido à quantia ser elevada, parte dela ficaria com seu compadre. A partir daquele instante o coronel Gonzaga rompeu com a amizade do compadre. O pobre fazendeiro que nada tinha com a questão, a não ser ter servido de leva e trás de pedidos, nota a encrenca em que se metera. As duas famílias agora eram o contrário do fora antes.

No caminho da fazenda São Cristóvão para Belmonte havia uma cacimba onde os cavaleiros, boiadeiros e tropeiros sempre que passavam, davam de beber aos animais. Pois bem, dias após o ocorrido, Crispim necessitou fazer uma viagem a Belmonte. Ao chegar à cacimba, desmonta e tira as rédeas da montaria para saciar sua sede. Nesse momento, ao apear-se da montaria, chegava um pequeno rebanho de garrotes, bezerros, que vinham beber água na cacimba e se assustam com o movimento do cavaleiro se dispersando no mato. O tangerino do pequeno rebanho é um rapazola conhecido de Ioiô Maroto, era um dos filhos do coronel Gonzaga. O fazendeiro explica ao rapaz que assim que sua montaria beber e ele ir-se o gado retornaria e beberia, pois só havia aquele local com água nas redondezas. Chegando a cidade, logo cuidou em fazer o que tinha que fazer e depois foi até a casa do compadre Gonzaga, afrouxou a cia da sela e retirou-a para se alojar na casa como sempre fazia. O rapazola já havia chegado e tinha contado ao pai, a sua maneira, o ocorrido na beira da cacimba com o gado. Os ânimos que já estavam abalados, com a conversa do rapaz a coisa fica mais triste e Gonzaga não trata bem seu compadre. Crispim Pereira, recoloca o forro no lombo da montaria, coloca os arreios e toma o rumo da casa de um parente que morava na cidade.


A vida continua na fazenda São Cristóvão e seu dono rotineiramente cuida da labuta diária. Já em Belmonte, o coronel Gonzaga contrata mais gente armada para dar-lhe proteção. Aqueles que viviam da espingarda sempre eram mal vistos pela população, devido sempre estar armados até os dentes nas idas e voltas por dentro da povoação. Crente de que o amigo e compadre havia feito uso de malícia com ele quanto à quantia solicitada por Sinhô Pereira, Gonzaga começa a bater com a língua nos dentes referindo sobre o assunto, a sua maneira, mesmo sem ter nenhuma prova.

Os fuxico são o combustível para grandes intrigas, separações e mortes. E eles começaram a circular naquela pequena cidade do interior pernambucano. “A partir daqueles incidentes as coisas tomaram outros rumos, corriam boatos de todos os lados, algumas vezes comentava-se que foi presenciado Gonzaga falando mal de Ioiô Maroto. Por ser uma cidade pequena tudo que acontecia chegava ao conhecimento das partes, não existia mais cordialidade, o tempo tinha transformado amizade em rancor.” (VF. Pg638, 2016)

O caso da surra que Ioiô Maroto levou e a desonra da sua família pelos volantes comandados pelo tenente Peregrino Cavalcante Montenegro resulta no assassinato do coronel Luiz Gonzaga comerciante em Belmonte. O tenente vinha das terras paraibanas na pista de alguns jagunços do major José Inácio de Souza da fazenda Barro, no cariri cearense, pelo motivo dos mesmos terem assassinado um irmão do tenente. Chegando a Belmonte, fica sabendo de que na fazenda São Cristóvão acoitava-se vários cangaceiros.


Naquele tempo, quem dava guarida, forçada ou não, a qualquer cangaceiro era tido como colaborador, podendo assim qualquer Força Pública punir como bem entendesse que estava acobertada pela Lei. Segundo alguns autores, o coronel Gonzaga ver aí uma saída para dar uma lição no, agora, desafeto Ioiô Maroto e, indicando a localidade da fazenda, passa as coordenadas ao comandante da volante do Ceará através de uma carta quando o manda chamar a Belmonte carta essa mostrada no seguinte ao próprio Crispim Pereira. “Os filhos de Ioiô Maroto, e outras pessoas da família que entrevistei afirmam categoricamente que houve a carta nos moldes descritos, dando maior credibilidade a essa afirmação, tornando-se inconteste. Neste ato insensato d Peregrino Montenegro estava plantado o estopim de terrível chacina que abalou profundamente Belmonte.” (VF. Pg 643. 2016)

Segundo a bibliografia de Crispim Pereira de Araújo, o Ioiô Maroto, o mesmo não chegou a levar uma surra dos homens da volante, e si duas coronhadas na altura do tórax. Porém, algumas pessoas do convívio diário e direto com ele levaram a pior: “No final da tarde o famigerado tenente e sua horda chegaram ao local, a partir daquele momento cometeram uma série de arbitrariedades, surraram brutalmente a chicotadas alguns moradores, entre os quais Zé Manissoba (Zé Maniçoba) e Totonho (Zé Preto), esse último criado por ioiô Maroto, mesmo sofrendo castigos os dois foram obrigados a passar a noite assando milho, na friagem do inverno para alimentar a horrenda e indisciplinada soldadesca, houve provocações e insinuações dirigidas às mulheres da casa, Dona Antônia Pereira mãe do famoso cangaceiro José Terto Cajueiro que também era moradora de Ioiô Maroto passou por sério interrogatório. A família do feitor José maniçoba (Maniçoba) agregado da fazenda Cristóvão foi surrada e brutalmente torturada, entre outros desmandos praticados pelo comandante da volante e seus subordinado, numa atitude insana. Esse fato ocorreu no final do inverno. Ioiô Maroto chegou a ser ameaçado de morte, foi mutualmente provocado e injuriado pela soldadesca.

Dona Otacília Neves de Araújo filha de Ioiô Maroto, possivelmente única testemunha ocular do incidente que ainda vive (isso no tempo da entrevista) (...) narrou que no momento da investida contra seu pai por parte do tenente Peregrino Montenegro na casa do Cristóvão, a maioria dos filhos pequenos foi segregado em um quarto da casa a mando de Dona Generosa esposa de Ioiô Maroto a fim de protegê-los dos horrores daquela investida (...) Durante a sessão de torturas Peregrino de Albuquerque Montenegro mediu as consequências e não chegou a bater em Ioiô Maroto como fizera com outros fazendeiros, notícia muito divagada por historiadores do cangaço. Ioiô Maroto por ser um homem de fibra anteviu e disse: “-Se me bater um de nós dois vai morrer aqui mesmo!” Sabe-se que duas coronhadas de rifle foram disferidas contra Ioiô Maroto na região do tórax (...). Ao amanhecer do dia seguinte antes de retirar-se da fazenda São Cristóvão, o tenente Peregrino Montenegro mostrou uma “carta” a Ioiô Maroto, dizendo: “agradeça os ultrajes que sofreu ao seu amigo e compadre Luiz Gonzaga”, que foi quem lhe propusera daquele serviço, exibiu uma carta anônima pedindo que a polícia apertasse Ioiô Maroto, na carta podia ser observado o talhe de letra de Gonzaga.” (VF, pgs 642 a 643, 2016)

Não sabemos onde se encontra a verdadeira verdade sobre esse intricado caso. Podemos ficar com tendências de crermos na historiografia no livro O Patriarca. Porém, ele mesmo, o livro, nos deixa dúvidas quanto ao que realmente aconteceu para gerar uma intriga tão profunda que resultou no assassinato do grande comerciante de Belmonte naquele tempo.

F O N T E
Lampião – Memórias de um Soldado de Volante – LIRA, João Gomes de. 1ª Edição. Recife, 1990
O Canto do Acauã – FERRAZ, Marilourdes. 4ª Edição Revista e Atualizada. Recife, 2012
Lampião - Entre a Espada e a Lei – DANTAS, Sérgio Augusto de Souza. 1ª Edição. Natal, 2008
De Virgolino a Lampião – FERREIRA, Vera e AMAURY, Antônio. 2ª Edição Revisada. Aracajú, 2009
Lampião – A Raposa das Caatingas – IRMÃO, José Bezerra Lima. 2ª Edição. Salvador, 2014
O Patriarca – Crispim Pereira de Araújo (“Ioiô Maroto”) – NEVES, Venício Feitosa. 1ª Edição. Cajazeiras, 2016
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