*Rangel Alves da Costa
O ato da leitura, do entendimento e da decifração das palavras, é muito mais difícil do que se imagina. Difícil por que a leitura não é só saber o que está escrito. Difícil por que a leitura sempre quer dizer além do que está escrito.
Difícil também pelo fato de que uma simples frase ou mesmo um texto pode ser lido de diversas formas. Significa que as palavras formam não só a intencionalidade de quem a escreveu como a ou as intencionalidades de quem a lê e a decifra.
Explico. Vejam uma frase simples e corriqueira: “Maria ama João”. Num breve olhar sobre a frase, todo mundo vai compreender que Maria possui afeto por João. Sim, a conclusão que se terá é que Maria gosta de João, que possui um sentimento diferenciado por ele.
Mas somente isso? Tal leitura se basta para compreender apenas o amor sentido por Maria com relação a João? Ou será que tal leitura pode ser feita de diversas formas e maneiras? Sim, Maria ama João, eu sei. Mas o pensamento pode ser estendido para indagar: Será que João também ama Maria?
Desse modo, aquela simples leitura logo se amplia, pode alcançar outros universos. E quanto mais a pessoa busca compreender o amor sentido por Maria também vai querer saber que tipo de amor, vai mentalmente indagar se é amor duradouro ou passageiro, se é amor verdadeiro ou apenas para demonstração.
Assim o mundo da leitura. O que se lê nunca se contenta em ser apenas aquilo que foi lido. Se alguém escreve, por exemplo, que a população brasileira é escravizada pelos governantes, certamente que não está dizendo que o povo vive em senzala, amarrado no tronco e levando chibatada.
Escreveu de uma forma e quis dizer muito mais. Quis dizer que a população é vítima de abandono pelos governantes, que o povo é massacrado pelos impostos cobrados pelo governo, que a sociedade vive pisoteada pela omissão do governo na saúde, na educação, na segurança, etc. E principalmente que vive sacrificada por aqueles que deveriam ser os responsáveis pelas melhorias de suas vidas.
Vejam a seguinte frase: O homem deve sempre estar preparado para a guerra. Será que quem a escreveu quis dizer apenas que o homem deve sempre estar armado para enfrentar o inimigo ou que deve procurar se defender perante os ataques? Logicamente que uma leitura despretensiosa, só pelo ato de passar os olhos sobre as palavras, poderá até levar à conclusão que se trata realmente de uma escrita falando em guerra, em conflito armado, em confronto de inimigos.
A leitura que deve ser feita, contudo, pode levar a horizontes muito mais realistas. O autor não quis falar em guerra de armas e trincheiras, em tiros e estampidos, mas no intuito de dizer que o homem deve sempre estar pronto para enfrentar as dificuldades da vida, que o homem sempre deve estar apto para saber enfrentar as ventanias e as tempestades da existência.
Tempestades e vendavais? Sim, mas num sentido figurado, metafórico, para significar os percalços e os tormentos que cada ser humano está propenso a enfrentar. Desse modo, esse cuidado com a decifração das palavras, tornando-as o seu entendimento ajustado ao próprio pensamento, é a melhor forma de se praticar a leitura.
Outro aspecto importante diz respeito à leitura como ato de desvirtuamento do que está escrito. Isso ocorre muito quando o senso crítico da pessoa busca forjar uma leitura que lhe traga algum proveito pessoal. Neste caso, não importa o que está escrito em si, mas a serventia que a escrita pode passar a ter.
Exemplificando o que foi dito acima, toda escrita, por mais inocente que seja, passa a ter uma função crítica. E muitas vezes política mesmo. Se alguém lê “Trabalhadores, uni-vos!”, logo a leitura captará somente que os trabalhadores devem estar unidos contra as injustiças, contra o capitalismo, contra todas as formas de exploração.
Daí a força e o maravilhamento que é a leitura, ou as leituras que se possa fazer de uma só escrita. Tudo depende de cada um. Poucas letras e a multiplicação segundo o mundo que se deseja produzir a partir de uma única frase.
Escritor
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