*Rangel Alves da Costa
“Meus povo e minhas pova...”. Quase sempre assim começavam os discursos políticos de antigamente. Em cima de carroceria aberta de caminhão, de terno branco ou mesmo na roupa mais arrumada que pudesse encontrar, chapéu na cabeça e arma escondida na cintura, o potentado político chamava o microfone à mão e começava a dizer das suas.
“Meus povo e minhas pova, também os homi e as mulé, todo mundo do meu lugar. Vosmicêis sabe que meu lugar é na boleia, é na cabina, mai estou aqui em riba dessa carroceria pruquê sou canidato. Óio pa vosmicêis e vejo tudim meu eleitor. Aquerdito que tenho os voto de tudim pruquê sou iguarzim a tudim de vosmicêis. Mintira de quem dizer que sou rico demai ou que tenho dinheirama. Tenho não. Uma vaquinha aqui outa ali, um pedacinho de terra aqui outo ali, mai só isso. Purisso só iguarzim a vosmicêis...”.
Ladeando o candidato, uma meia dúzia de capangas e tudo armado até os dentes, mais uma meia dúzia de puxa-sacos, alguns políticos da localidade e outros convidados ilustres, estes também pleiteantes a cargos mais elevados na esfera partidária. Abaixo apenas o povo tomando conta da praça. De toda aquela multidão, apenas um terço ali estava por vontade própria. O restante se fazendo presente por ameaça ou outros medos. A capangagem já havia passado de porta em porta e avisado que era melhor ir bater palmas para o futuro prefeito, sob pena de...
“Purisso, meus povo e minhas pova, que aquerdito que sou o mió e devo ser o escoído pra tomar conta dessa perfeitura. Num que eu quera, num que eu percise de perfeitura, mai pruquê sei que o povo quer é eu lá pra fazer o mió pa todo mundo. Num quero nem saber dos cofe, num quero nem saber da dinheirama que chega. Tudo vai ser do povo. Se arguém dizer que eu roubei um tantim assim intrego as chave na merma da hora. Mai tomem se for mentira sei não. Mai quem mandou matar Filomeno foi eu não, foi aquele azedo do outo canidato. E tudo pa adespois butar curpa neu. Tenho um negoço a resorver com aquele fi da peste...”.
E lá do alto da carroceria a jagunçada mandava que a multidão aplaudisse. Acaso percebesse alguém desinteressado em aplaudir, logo apontava pra cintura apontando a arma. Aquele que resolvesse debandar dali era buscado e trazido à força, muitas vezes jurado de morte se arredasse novamente o pé dali. Os ausentes eram marcados num caderninho por um assessor que cuidava unicamente daqueles que mais tarde sofreriam as dores do desprestígio ao poderoso candidato. Por isso mesmo que a cada comício muitas casas eram logo abandonadas e as famílias saindo pelo mundo sem destino. Sabiam que o pior aconteceria.
“Conto com os voto de vosmicêis pruquê sei que posso contar. Mai num quero que vote pruquê sou o pai da probeza. Dou adjuntório a vosmicêis pruquê tenho o coração bom. Mai espie bem que dessa veiz num tô trocano nada pru voto. O voto é live e vosmicêis sabe disso. Se dou açúcar, café, farinha, feijão, se pago remédio e levo muié pra parir é pruquê sei que munta gente num tem nem adonde cair morto. Nunca disse que era em troca de nadica de nada. Nunca disse que ou votava neu ou ficava de mão abanando. Sei que vosmicêis, no dia da eleição, vão óiá pa quem óia pru vosmicêis...”.
Depois das palavras do poderoso, então o locutor oficial (bajulador de primeira do candidato) lançava mão do microfone e começa a gritar: “Quem é o pai dos pobres?”, “Quem sempre ajudou a pobreza?”, “Quem merece ser eleito?”. Toda multidão tinha de bater palmas e gritar a pleno pulmões, pois era nessa hora que os capangas chegavam a tirar as armas das cinturas e deixá-las à mostra. E assim o comício fabuloso ia chegando ao final. Mas depois daí uma comilança já estava à espera de todos. Carne frita com farinha, enquanto a comitiva do candidato ia se fartar na melhor comida e na melhor bebida.
Quem saía vitorioso no pleito? Ora, ora. Não precisava nem o comparecimento do eleitorado às urnas. As urnas já estavam cheias e os votos já marcados. E o povo continuava à míngua, ao deus dará, no sofrimento e no abandono de sempre.
Escritor
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