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sexta-feira, 2 de novembro de 2018

COITEIROS DE POÇO REDONDO


*Rangel Alves da Costa

Pode-se afirmar que o fenômeno histórico-sociológico denominado cangaço, desenvolveu-se e alcançou seu reconhecimento a nível mundial a partir da ação de três atores principais: o cangaceiro, o soldado da volante e o coiteiro. E, de forma subsidiária, também o homem comum da terra sertão, o coronel nordestino de então, políticos e até a igreja. Na sua proporção, cada um destes atuou, amparando ou combatendo, para que a luta permanecesse por tanto tempo debaixo do sol e da lua sertões adentro.

Para os fins aqui propostos, somente o coiteiro (o que servia ao coito) será tratado, e não aquele que dava acoitamento ou proteção (coronéis, latifundiários, etc.), até mesmo pela sua quase inexistência em Poço Redondo. Assim, o legítimo coiteiro era o sertanejo que, mesmo não fazendo parte do bando cangaceiro propriamente dito, compartilhava do seu mundo e de sua existência. Exteriorizava os desejos e as ordens cangaceiras. Servia de elo entre a vida na caatinga e os seus arredores, incluindo pessoas e povoações. Sem o coiteiro, o cangaço não compartilhava do mundo exterior e ficava totalmente vulnerável aos ataques.

Coiteiro era o matuto chamado a colaborar com o cangaço. Nunca forçado, mas sempre disposto a cooperar. Era, a um só tempo, mensageiro, transportador de mantimentos, confidente, conhecedor e guardião de segredos de vida e de morte. Coiteiro era aquele que, conhecedor de cada linha e cada canto da região catingueira, auxiliava nas estratégias de proteção cangaceira. Era o olho pelo arredor, era o cão farejando o inimigo. Logo dizia sobre a segurança do local escolhido para repouso ou alertava acerca dos perigos que estavam correndo.

Coiteiro era o bom amigo do bando que levava a carne fresca de bode, a linha e agulha para costura, o remédio e a porção, as armas e a munição, o dinheiro e outros objetos enviados ao bando. Era aquele que se esforçava ao máximo, e correndo todos os perigos, para que nada faltasse naquela estadia dos cangaceiros. E eram bem recompensados pelas providências tomadas. De vez em quando um anel dourado era colocado no dedo. Coiteiro era aquele que servia o abrigo cangaceiro, o local de descanso e repouso, a moradia temporária do bando, o coito. A lealdade era necessária, mas nem sempre assim ocorreu.

O famoso coiteiro Pedro de Cândido foi delatado porque havia adquirido grande quantidade de queijos e outros alimentos na feira de Piranhas. Suspeitou-se, então, que aqueles fardos de comida e outros produtos, seriam prontamente destinados ao bando de Lampião. Por consequência, os cangaceiros deveriam estar por perto. E estavam mesmo, logo do outro lado do Rio São Francisco, na Gruta do Angico, um entreserras ribeirinho de propriedade de Dona Guilhermina, mãe do próprio Pedro de Cândido (seu pai chamava-se Cândido) e de outro pequeno coiteiro depois revelado: Durval Rodrigues Rosa. Com efeito, em recente película exibida pelo cineasta Aderbal Nogueira, Durval relata cada passo até chegar com parte da volante, pelo lado sergipano, ao coito cangaceiro. 

No contexto de Poço Redondo, muitos foram os homens que juraram fidelidade a Lampião e seu bando, e assim permaneceram até o fim do cangaço. Já outros fraquejaram perante as cobiças e outros interesses. Pedro de Cândido (que na verdade morava em Entremontes), por exemplo, tem sua lealdade contestada por muitos, recebendo mesmo a pecha de traidor. Mas não interessa agora, para os fins do presente texto, discutir sua real participação na Chacina do Angico. Interessa sim, apontar nomes daqueles poço-redondenses que foram amigos do cangaço, como leais a Lampião e seu bando, como agentes daquele intrincado mundo de feras querendo engolindo feras.

É nas ribeiras do São Francisco, na região do Cajueiro, que houve a maior semeadura de grandes coiteiros, principalmente da família Félix. Os irmãos Adauto Félix e Manoel Félix (Mané Félix) se sobressaem aos demais pela constante participação na vida do cangaço. Até hoje Mané Félix é reconhecido como o mais fiel e leal amigo de Lampião. A confiança deste no sertanejo era tamanha que logo mandava chamá-lo à sua presença durante suas passagens ou estadias na região de Poço Redondo. Encomendas mais melindrosas, somente com Mané Félix.

Messias Caduda é outro famoso coiteiro poço-redondense, igualmente da região ribeirinha. Na verdade, aquele Poço Redondo de antigamente pode ser considerado também como um poço de coiteiros. Grande parte do homem da terra, pequenos proprietários, mateiros ou caçadores, sempre pendiam para o lado cangaceiro, servindo como protetores e informantes dos homens das caatingas. Havia como um pacto de proteção, principalmente pela violência constante das volantes contra os sertanejos. Nomes como Dué, João Paulo, Zé Vicente, Terto, Chiquinho de Aninha, os da família Soares, todos atuando como coiteiros nas andanças do bando e subgrupos de Lampião pela região.


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