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quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

ASSIM CAMINHA UM SERTÃO

*Rangel Alves da Costa

Já chegando o entardecer, já se aproximando o momento do candeeiro do sol se apagar, já surgindo a boca aberta da noite. E depois a lua, depois os noturnos sertanejos, depois os grilos e o farfalhar das sonolentas folhagens. Assim os passos sertanejos de Poço Redondo.
O pão quentinho e saboroso na Padaria de Tio Luiz, as últimas compras nas vendas e mercadinhos, as cadeiras nas calçadas, os amigos em proseado pelos quadrantes de cada canto. Meninos brincam de bola, garotos passam com gaiolas de passarinhos. Janelas e portas são abertas e são fechadas.
Entardecer chegando, noite batendo à porta, mas quer tomar um banho e não pode. Abre a torneira e não cai um pingo d’água. E assim dia após dia, num desmedido desrespeito à população. E não adianta reclamar. Parece que quanto mais reclamações mais agem propositalmente para deixar o povo desguarnecido de água limpa.
Quando cai, a água mais parece um suco de barro do que qualquer outra coisa. Mas a conta chega certa pra pagar, e já foi anunciado um novo aumento. Quando a conta não é paga no tempo certo, logo aparece que faça o desligamento. Quer dizer, mesmo sem água há cobrança, e sem pagamento há o corte imediato.
Logo mais, os fogões estarão preparando os jantares, as mesas serão postas segundo o que dispuser a família. Em alguns lares, as sombras do almoço, as macarronadas, as carnes de sol com cuscuz, macaxeira ou inhame. Em outras apenas o cuscuz com ovos ou mesmo o pão com tiquinho de café e sem manteiga.


Mas em muitas outras - em muitas outras mesmo - apenas as feições entristecidas dos pais e os choros famintos dos filhos. Quando muito um pão para enganar a fome, ou o pão repartido em dois na ilusão de que o adormecer será de barriga cheia.
Alegrias, sorrisos, angústias e sofrimentos em meio ao povo desse mundo-sertão, desse Poço Redondo que traduz nas suas agruras e grandezas todo o viver sertanejo. Em Poço Redondo todo o retrato de um sertão tão sertanejo que não haveria outro lugar como exemplificação.
Mas agora, em instantes de calor mais amainado, uma brisa boa vai soprando ali e acolá. Maria chegou cansada carregando na cabeça um pote. Assim acontecia noutros tempos, mas agora o modismo forçadamente retornou. Muita gente achou estranho o pote de Maria. Muita gente vai ficar sem água. E Maria não.
Na sua caminhada com o pote, ao longe o seu cantarolar:

Dias de destino e de sorte
para sorrir mesmo no sofrimento
e tentar viver tendo a morte
e viver a cantar no tormento
uma velha canção de um realejo
quase assim como um lamento
num povo de viver sertanejo.

Assim a canção dos dias, assim a canção da vida e do viver sertanejo.

Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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