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segunda-feira, 1 de abril de 2019

CORONEL GUSTAVO AUGUSTO LIMA

Por Jorge Emicles
Gustavo Augusto Lima, é nascido em 23 de agosto de 1861 no seio de uma das mais importantes famílias do Cariri. Filho, neto e bisneto de coronéis, teve desde a mais tenra idade convivência com a cultura do poder e as relações entre os latifundiários e seus cabras e escravos. Não se conhecem relatos nesse sentido, mas é quase certo que na sua infância de menino de engenho nos campos do sítio Tatu, símbolo dos domínios de sua mãe, teve muitas oportunidades de brincar no lombo dos escravos e subjugar os cabras da propriedade, numa relação que embora não o sendo de fato, era bem próxima à servidão medieval. Uma das características mais marcantes da educação que recebeu de sua mãe, dona Fideralina Augusto Lima, foi o esmero pela instrução formal. Dizia a matriarca do clã dos Augustos que a próxima geração exerceria o poder a partir da força da caneta, não do bacamarte, como era na sua própria época, de sorte a que teve especial zelo com a educação dos seus filhos e netos (COUTO, 2018).

Não era o primogênito de dona Fideralina, mas o seu quinto rebento. De início não foi preparado para assumir a chefia do clã, lugar antes destacado para seu irmão mais velho, Honório, contra quem haveria de protagonizar um dos mais peculiares episódios do coronelismo caririense. Mesmo assim, foi enviado para estudar no tradicional Colégio do Padre Inácio de Souza Rolim, em Cajazeiras, onde também estudaram José Marrocos e o próprio padre Cícero Romão Batista.Mas a sua vocação era para a política, o que bem cedo o levou ao protagonismo de famosa rixa com seu irmão mais velho.

Fazenda Tatu, feudo dos Augustos 

Antes mesmo de tomar as rédeas do poder em Lavras da Mangabeira, exerceu vários cargos de honor, naturalmente sempre através das firmes mãos de sua matriarca. Antes de 1907 já havia exercido o cargo de coletor das rendas provinciais, membro do Conselho da Intendência Municipal e já ostentava a patente de coronel da Primeira Companhia do Batalhão da Guarda Municipal. Foi em 26 de novembro de 1907 (MACEDO, 2017) que se deu o episódio, de longe, mais marcante de sua vida, que iria definir seu destino no mandonismo local, mas também na sua própria desgraça. Também é evento profundamente marcante na vida de dona Fideralina, cujas consequências retumbaram até a hora de sua morte. Pode-se dizer também que o passamento mesmo do coronel Gustavo, quase vinte anos depois, foi inevitável desdobramento desse terrível episódio de relevância política, sem dúvidas, mas sobremaneira marcante para todo o clã dos Augustos.

Era tão poderoso o mandonismo exercido pela tradição da família, que somente outro membro dela poderia desafiar as ordens da matrona. Ou pelo menos tentar. Foi exatamente o que fez o filho Honório Correia Lima, cuja descendência desboca no atual prefeito da capital Alencarina, Roberto Cláudio. Foi Honório o primeiro a dissentir da orientação política da mãe e por esforços próprios chegou a galgar a posição de líder do Partido Governista em Lavras. Dona Fideralina, contudo, não admitia que ninguém brilhasse mais que ela mesma, o que a levou a tomar sérias providências. Após firme recusa do filho em ceder o lugar conquistado, resolveu toma-lo pelas armas. Valendo-se de seus destemidos cabras e sob a liderança de Gustavo, fez apear do poder não somente do partido, como da própria Intendência Honório. Foi o momento áureo da ascensão definitiva de Gustavo ao poder local, posto que foi no lugar do irmão. Uma das histórias mais replicadas da velha Fideralina remonta exatamente a essa ocasião quando, ainda no alpendre do sítio Tatu, dirigiu aos cabras liderados por Gustavo a sentença de que “aquele que derramasse o sangue de Torto morreria” (MACEDO, 2017). Torto era o epíteto de Honório.Dali em diante a família nunca mais se reunificaria, replicando aquela rusga original em vários outros episódios, que ao termo conduziram à própria morte de Gustavo.

Dona Fideralina Augusto Lima

Tanto Honório quanto seu irmão Gustavo eram casados com duas primas legítimas, ambas filhas de uma irmã de Fideralina, Dulcéria Augusto de Oliveira, conhecia por Pombinha. Naquele episódio, Pombinha tomou as dores de Honório, tendo se arregimentado a ele na indignação pela desfeita de Fideralina. Daí nasce a inimizade e oposição perpétua levada a cabo pelas irmãs até o final de suas vidas. Consta que já no leito de morte, Fideralina chamou a irmã para proceder às pazes, ao que Pombinha retrucou que não iria, que se fosse para perdoar, faria isso à distância mesmo (MACEDO, 2017). Uma vez que Honório se retirou para Fortaleza (jamais tendo retornado a Lavras), a liderança da oposição coube a Pombinha.

Outra cena folclórica, também decorrente desse episódio, se deu quando, a partir da queda da oligarquia de Nogueira Accioly, começaram a ser nomeados os novos Intend entes municipais adversários dos coronéis. A indicação para a Intendência de Lavras teve o patrocínio de Pombinha (tendo recaído na pessoa de seu genro, conhecido por Zé Burrego), que em cumprimento a promessa atravessou todo o largo da Matriz da cidade de joelhos, indo assim até o altar, em louvor pela graça alcançada, que era a aparente derrocada política e sua irmã (MACEDO, 1990). Mas aquele foi apenas um hiato passageiro do poderio absoluto de dona Fideralina, seu filho Gustavo e a horda de cabras que lhes garantia o mandonismo.

Nogueira Accioli

No Cariri cearense, o fenômeno do coronelismo teve cores bem marcantes e violentas. Enquanto no âmbito nacional vigia a Velha República, no plano estadual foi o tempo do reinado despótico de Nogueira Accioly, que ganhou nas armas e nos cabras dos coronéis locais uma de suas forças mais consideráveis. Embora as fraudes eleitorais garantissem a vitória da situação em todo os pleitos, o poder nesse rincão era tomado a bala. A lei e a ordem prometidos pela autoridade maior da oligarquia Accioly de quase nada valiam. Para ascender ou se manter no poder era imprescindível o fogo do bacamarte e a força dos cabras, arregimentados entre os trabalhadores braçais dos coronéis ou alugados quando era necessário fortalecer o regimento.

Nesse período, houve alteração no mando dos coronéis em quase todas as cidades caririenses. Sempre arregimentados pelo poder da bala, os inimigos simplesmente cercavam, dominavam o opositor e o depunham. Não houve um único caso de reação por parte do poder do Estado. A postura do comendador Nogueira Accioly sempre foi a de consagrar na Intendência municipal o coronel vencedor do embate (MACEDO, 1990). Assim caiu o coronel Belém, em Crato, Neco Ribeiro em Barbalha e Antonio Roseo em Missão Velha. Um dos episódios mais marcados pela violência foi a chamada questão de 8 (porque ocorrido no ano de 1908), em Aurora, que antes da deposição do poder local do coronel Totonho Leite, deu azo à terrível chacina do Taveira, uma emboscada a mando do coronel Totonho e com a participação de homens do governo do Estado, que resistida, levou ao poder outra famosa matrona caririense, dona Marica Macedo, ou Marica do Tipi (MACEDO, 1990).

Esse derradeiro episódio teve reflexos indiretos no acontecimento de 1910 em Lavras da Mangabeira, onde no curso da sequência de levantes do poder local, também tentaram apear do poder o coronel Gustavo Augusto. O acontecido teve vez em oito de abril de 1910, quando aproximadamente cento e cinquenta cabras, liderados por Quinco Vasques (Joaquim Vasques Landim), proveniente da serra de São Pedro (hoje Caririaçu), tomou as ruas de Lavras e apeio fogo de bacamarte contra a residência do coronel Gustavo Augusto Lima, que avisado com antecedência do ataque, havia arregimentado seu pessoal, o que possibilitou que resistisse com sucesso. Esgotada a munição do agressor, forçado foi a bater em retirada. CALIXTO JÚNIOR (2017) em obra específica sobre esse acontecimento não consegue identificar as razões precisas que teria Quinco Vasques para entregar-se a tão perigosa empreitada. Aduz, contudo, que “foi atribuída pelo Pe. Alencar Peixoto a responsabilidade do ataque a Lavras (...) aos mandões do Crato” (CALIXTO JÚNIOR, 2017, p. 55). Também em outra passagem do mesmo trabalho, conclui ter havido algum tipo de atrito entre Gustavo e Vasques desconhecido, contudo, das fontes históricas.

Quinco Vasques

Do inquérito que foi instaurado para apurar tal ocorrido, o próprio Quinco Vasques confessa que ao cabo de sua missão deveria entregar a intendência a José Augusto de Oliveira, o Zé Burrego, por sua vez filho de Pombinha e cunhado do coronel Gustavo. Também, antes de invadir a vila de Lavras, Vasques pernoitou na propriedade do major Eusébio Tomás de Aquino, primo de Gustavo. Já na urbe, invadiram a casa do irmão de Gustavo, coronel Francisco Augusto Correia Lima. Apesar do parentesco com a vítima do ataque, ambas as personagens eram seus inimigos políticos, partidários da dissidente Pombinha (MACEDO, 1990).
Por sua vez, há evidências de que os derrotados de oito, em Aurora, intentavam fortalecer sua posição através da nova Intendência de Lavras, o que facilitaria a retomada de seu poder em Aurora. Conforme vaticina MACEDO (1990, p. 122), é preciso se considerar “as profundas vinculações de parentesco e amizade de José Augusto de Oliveira, ou seja, José Borrego, e José Leite de Oliveira com os Leites e Gonçalves de Aurora, os quais (...) haviam sido escorraçados, com seu chefe, o coronel Antônio Leite Teixeira, vulgo, Totonho Leite”.

Portanto, o ataque era claramente uma tentativa de substituir o poder de um coronel por outro, dessa feita com peculiaridade de serem os pretensos depositor e deposto membros da mesma família. Claro revide à deposição anos antes do coronel Honório. Só que dessa vez, foi vencedora a resistência, no único episódio no Cariri de manutenção do mesmo potentado após os ataques dos inimigos.

Logo no ano seguinte viria a ter fim a prática da deposição à bala. Não pela autoridade do oligarca Accioly, que seguia como sempre pusilanimemente referendando o vencedor pelas armas, alegando o fato consumado, mas pela arte nada menos que de padre Cícero, que valendo-se da autoridade e respeito que possuía sobre todos os contendores, arquitetou o famoso Pacto dos Coronéis, documento firmado em Juazeiro, sob a presidência do padre, que estabelecia o armistício e a instituição de procedimentos pacíficos de solução de futuros conflitos.E desde então não houve mais refregas desse tipo no Cariri.Os tiros de bacamarte, contudo, ainda não silenciaram, porque com a queda da oligarquia Accioly, veio a desgraça política de todos os coronéis locais, que humilhados viram a substituição de seus Intendentes por pessoas da confiança do novo Presidente do Estado, Franco Rabelo.Era preciso derrubá-lo, pois. E a tempestade perfeita se apresentou quando o Presidente do Estado se recusou a apoiar a candidatura do todo poderoso Pinheiro Machado à Presidência da República.

Pesquisador e escritor Jorge Emicles
ICC-Instituto Cultural do Cariri
Parte de 2 de Artigo de Jorge Emicles

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