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quinta-feira, 19 de setembro de 2019

OS INIMIGOS DE LAMPIÃO Por:Urbano Silva


Há exatos 81 anos após o seu falecimento, e pesquisando sobre o personagem há alguns anos, ainda me surpreendo com o interesse da população e o espaço que o cangaço tem na cultura nordestina, principalmente no destaque de Virgulino Ferreira, o Lampião, popularmente denominado o rei do cangaço

São muitas histórias, muitas delas carentes de comprovação para a sua veracidade, mas esse personagem transita entre fatos e lendas com a mesma velocidade, o que também o mantêm sempre ativo nas rodas de conversas. Entre curiosidades, ser o brasileiro mais biografado do país - mesmo tendo vivido por apenas 40 anos - e atuado como líder do cangaço de 1922 a 1938, portanto 16 anos, é um tempo relativamente curto para se tornar objeto de tantas pesquisas, literatura, debates, documentários etc. Mas, gostem ou não, esse homem é a figura central da historiografia do cangaço. 

Certa vez, conversando com uma jovem sobre o papel da mulher no referido movimento social, veio uma indagação que achei muito inteligente: professor, quem eram os inimigos do cangaço e Lampião? De pronto, lancei mão dos autores que consulto: Luitgarde, Antonio Amaury, Frederico, João Lima, Archimedes Marques, Oleone e demais valiosos intelectuais do tema.

Jorge Remígio, João de Sousa Lima, Manoel Severo e Professor Urbano Silva em dia de Cariri Cangaço

Afinal, quem era os inimigos do cangaço?  Do ponto de vista da sociologia, desprovido de qualquer paixão, aí vai o que respondi: quase toda a sociedade era contra, portanto foram vítimas que se tornaram inimigos dos cangaceiros, os seus algozes. Todo aquele que me oprime, se torna meu inimigo em potencial! Na sociedade rural do nordeste temos cenário e personagens bem definidos, uma sociedade agrícola e pecuária de sobrevivência, governos muito distante dos sertanejos, escolaridade mínima ou nula, latifúndio, forte presença católica, coronéis e cangaceiros, jagunços e volantes. 

Padres ficavam em polvorosa quando da notícia de cangaceiros, pois afugentavam os fiéis; coronéis latifundiários ficavam temerosos para resguardar familiares, dinheiro, animais e lavoura, além de serem extorquidos por cangaceiros; políticos se viam na obrigação de reagir ao cangaço, pois não fazendo perdiam a credibilidade e votos como líderes sociais; pequenos agricultores se viam ameaçados pelo coito, bem como atos violentos de estupros e raptos de suas filhas, além da pressão das volantes; volantes essas que recrutavam homens em busca de prestígio e dinheiro, dando a eles a função policial e jurídica no meio da caatinga, abrindo espaços para excessos inimagináveis; pequenos comerciantes que perdiam clientes e eram alvos de saques em plena luz do dia; viajantes que podiam ser intimados, assaltados ou surrados nos trajetos que faziam nas empoeiradas estradas sertanejas. Homens de meia idade, jovens, idosos, homens e mulheres, a violência não fazia distinção. O descontrole chegou a um ponto que cortar cabeças humanas era um passaporte para a escalada social, clima de barbárie irracional em pleno sertão nordestino do século XX.

 A arte de André Neves

No início desse texto, que denominei “quase toda a sociedade era contra...” então, se não era unanimidade, haviam personagens favoráveis? Creio que sim, um exemplo disso (existem outros mais) é Eronides Ferreira de Carvalho, o médico capitão do Exército e interventor de Sergipe, que alimentou uma relação inimaginável entre o mais temido cangaceiro e alguém que estava no comando de um Estado, como seu governador republicano. A compra e venda de fazendas, os “subgrupos de cangaceiros” criando o que escritor Frederico Pernambucano denomina Cangaço S.A, relações alimentadas por dinheiro de origem ilícita, status social, violência e muita ambição...esses personagens não eram contra o cangaço, pois dele tiraram proveito de várias formas. Um coquetel venenoso nas relações humanas desde sempre até os dias atuais!

Eis o teatro da existência humana: anjos e demônios, personagens atuantes em seus papéis sociais, num cenário que envolve todos, seja no palco ou na plateia, anônimos ou famosos, é papel da história o registro de memória e o seu fortalecimento para a consciência social.
Todo aquele que me oprime, se torna meu inimigo em potencial!

Professor José Urbano
Caruaru, Pernambuco, 07/08/1


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