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segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

DONA CORINA DA SOLIDÃO SERTANEJA


*Rangel Alves da Costa


Seguindo viagem, a gente vai encontrando lugares e situações, paisagens e realidades, que fica difícil não querer parar, descer do veículo e ir até lá. Assim aconteceu ontem, sábado 07/12, já ao entardecer de candeeiro, enquanto eu seguia para a baiana Serra Negra. O que chamo Serra Negra (denominação anterior e que reputo como de maior força expressiva) é a atual Pedro Alexandre, cidade sede do município baiano com mesmo nome e que faz divisa com Poço Redondo, este no estado de Sergipe. E Poço Redondo que é meu berço de nascimento.
Então, seguindo pelas estradas sertanejas, já após adentrar nas terras baianas de chão batido, um pouco antes da comunidade denominada Ponta da Serra, logo avistei uma casinha de beiral de estrada, parecendo abandonada no meio do mundo, sem mais morador que tivesse resistido àquelas distâncias de quase tudo e o isolamento entre a estrada de terra e o que ainda resta de mata. O carro se aproximou um pouco mais e então percebi que a porta da frente estava aberta e que havia uma pessoa sentada no vão de entrada, sob o cimento desgastado de tempo.
Havia sim. O carro foi passando e eu olhando naquela direção. Achei estranha e entristecida demais aquela imagem de solidão naquela casinha com sua moradora sentada à porta. Pedi ao motorista que retornasse um pouco e parasse bem defronte à casinha. E assim foi feito. Desci do veículo já imaginando o que falar para que a mulher não se espantasse com minha presença nem imaginasse ser pessoa que por ali passava tencionando fazer alguma maldade. Fui me aproximando calmamente, cumprimentei ainda ao longe, e percebi que a mulher não se mostrava temerosa de nada. Pelo contrário, logo respondeu ao cumprimento e até esboçou um sorriso receptivo.
Então procurei aproximar a conversa: “Passando por aqui já neste final de tarde e indo em direção a Serra Negra, achei interessante sua moradia e mais ainda a senhora aí sentada e como se estivesse apenas avistando o tempo passar. Venho de Poço Redondo, sou filho de lá, e não se preocupe que sou de paz, mas um tanto curioso com situações como essa que encontro agora: a senhora aí sentadinha no seu mundo e tudo ao redor parecendo silencioso demais. A senhora mora sozinha?”. Logo vieram as respostas.
Sim, morava sozinha ali naquele local, um tanto distante de tudo, mas com carros, pessoas e animais passando de vez em quando. Seu nome era Corina, mulher já se encaminhando à velhice, ali na singeleza da solidão sertaneja. Vivia solitária sim, mas de vez em quando um parente ou amigo chegava para que não passasse a noite sozinha. Em sua casinha, apenas relíquias e lembranças do passado, apenas velharias e retratos amarelados de um passado certamente muito mais alegre do que vive agora.
A casinha miúda, de barro batido, certamente lá dentro não possuía mais que uma pequena sala, quarto e cozinha. Uma olhada e já dava para divisar quase tudo. Ao lado, outras velharias dividiam um quartinho com galinhas. Pedaços de troncos e paus amontoados num canto, restos de cadeiras e de vasilhames. Pedi permissão para fotografar a moradia e prontamente fui atendido. Como ela também permitiu ser fotografada perante sua porta, então eu aproveitei e pedi para registrar sua presença ao meu lado. E as fotos ficaram lindas. Entristecidas, contudo.
Entristecidas por que não é fácil fotografar a solidão. Ainda que eu e Dona Corina estivéssemos como imagens centrais dos retratos, ainda assim tudo se mostrou na mais plena moldura da solidão humana. De solidão o mundo de Dona Corina, de solidão os seus dias e suas noites. E talvez por isso mesmo que ela tivesse se mostrado tão receptiva perante nossa presença, ainda que nada mais que um desconhecido que por ali passava. Aquele breve instante de convívio e palavra, aqueles poucos momentos de proseados e perguntas e respostas, certamente que como um alento grande àquele coração feito ilha no meio do mato, no meio do mundo.
E um instante sublime e inesquecível, como também entristecedor. De repente, Dona Corina entrou nas dependências para logo surgir como um retrato de seu falecido companheiro. Em pé, com o quadro entre as mãos, sobre o peito, ela retratando saudades e nostalgias grandes. Aquela fotografia certamente lhe acompanhava nos seus dias e instantes de solidão. Com ela conversava, confessava, segredava, convivia como um amor tão imorredouro quanto verdadeiro.
Demos adeus, seguimos viagem, e ela voltou ao seu mundo de solidão, relembranças e nostalgias. Coisa linda, Dona Corina. Mas que coisa tão triste, Dona Corina. Sua solidão, ainda que dividida com a fotografia de seu companheiro, é mais, muito mais solitária que as demais solidões. Solidão de vazio, de abandono e de saudade. Solidão tão só que até a própria solidão prantearia viver assim. Imagino que seja assim.

Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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