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quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

LAMPIÃO E MARIA BONITA, O FIM DOS REIS DO CANGAÇO

Por Marcelo Remígio
ARQUIVO/03-08-1938 Temidos. Lampião e Maria Bonita fazem pose no sertão; ao fundo, bando de cangaceiros

Ele era chamado de “governador dos sertões”, sem ter sido eleito. Ditou leis no interior de sete Estados nordestinos e fez frente ao coronelismo, que dominava a política e controlava instituições como a polícia. Em 29 de julho de 1938, O GLOBO trouxe em sua primeira página o fim da saga de Virgulino Ferreira o Lampião, e sua companheira Maria Deia, a Maria Bonita, mortos em uma emboscada no dia anterior, junto com outros nove cangaceiros, na Gruta de Angico, próxima às margens do Velho Chico, em Sergipe.

“Livre o Nordeste do maior de seus bandoleiros — ‘Lampeão’ morreu e sua cabeça, com a de 9 companheiros, foi conduzida para Maceió — A façanha do tenente Bezerra, traços biographicos do tenente facinora”, dizia a manchete.

Mas os editores queriam um diferencial na cobertura da morte do mais temido cangaceiro. E acionaram um correspondente em Maceió para ir além dos fatos e buscar os bastidores do legado deixado por Lampião. No dia 3 de agosto de 1938, O GLOBO relatou a disputa pela sucessão de Virgulino e arriscou quatro nomes de confiança de Lampião para comandar o grupo: “Quatro bandidos disputam o spectro de ‘Lampeão’! A sucessão do ‘Rei do Cangaço’ pende ainda entre ‘Corisco’, Roque, ‘Portuguez’ e ‘Sereno’”.

Correspondente se espanta com peso de cangaceira

Vaidoso, Lampião usava perfume francês e gostava de uísque importado. Durante a cobertura da morte de Lampião e Maria Bonita, O GLOBO fez um alerta: o banditismo não havia terminado, pelo contrário, tinha chegado à “phase mais aguda, porque o governo comprehende a necessidade de manter a ocupação do sertão por suas forças”, desafio semelhante ao enfrentado hoje, quase 80 anos depois, em áreas pacificadas do Estado do Rio.

Na mesma edição de 3 de agosto de 1938, Maria Bonita ganhou destaque. Em um texto exclusivo, o correspondente em Maceió trouxe a narração do soldado Bertholdo, que teve a missão, ou para parte da tropa, a honra de cortar a cabeça de Maria Bonita.

“Paciência, Maria Bonita!...”, disse o soldado, antes de decepar a cabeça da companheira de Lampião. Segundo o correspondente, a frase resumiu o sentimento do militar na hora. Ainda no relato, chamou a atenção a descrição que Bertholdo fez da cangaceira: “‘Maria Bonita’ estava gorda. No pescoço mais de dois dedos de banha foram notados pelo soldado.”

Lampião tinha como uma de suas paixões o rifle Winchester 44, chamado de Lampião, origem de seu apelido. Era afilhado e amigo de padre Cícero. Vaidoso, usava lenços de seda, perfumes franceses e óculos alemães, que disfarçavam o defeito no olho esquerdo. Gostava também de beber uísque importado. Em uma de suas fotos mais conhecidas, aparece lendo O GLOBO. O flagrante, sem crédito, acreditase ser do libanês Benjamin Abrahão, secretário de Padre Cícero e único a filmar Lampião e seu bando. Benjamin foi retratado no filme “Baile perfumando.”

CIDADES SITIADAS PELO MEDO

Dos tempos do cangaço aos dias de hoje, o sertão de Alagoas, Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe — onde o Rei do Cangaço agia — ainda é alvo da violência. Pesquisa do Instituto Igarapé aponta que seis dos dez estados com maiores taxas de homicídio estão no Nordeste: Alagoas, Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco e Sergipe. Das dez cidades mais violentas, seis são nordestinas: Maceió, Camaçari, Fortaleza, João Pessoa, Vitória da Conquista e Imperatriz. Para o pesquisador José Maria Nóbrega, da Universidade Federal de Campina Grande, a violência está ligada à fragilidade do Estado:

— À época de Lampião, o país vivia uma instabilidade política. Hoje, a violência está ligada ao aumento do poder aquisitivo, a drogas e a falhas da polícia.


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