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sábado, 8 de fevereiro de 2020

O COITEIRO



Sancho sem Pança

Lampião passara inativo vários meses na Bahia. Às vezes, corriam boatos de que se agrupara ao bando dos (...), de Horácio de Matos, de Franklin, de Pilão Arcado. Mas apareciam logo informações de que estivera, com sua gente, em Curaçá, em Riacho Seco, no Morro do Chapéu.

Andava nas feiras, homiziava-se em fazendas. Arranjava dinheiro, mediante intimação. E a Polícia fazia vista grossa. Havia uma espécie de modus vivendi tácito, um arranjo informal.

Um dia, porém, o caldo entornou. E iniciaram-se os entrechoques. Virgulino, já fartamente municiado, volta a Sergipe. Penetra em Monte Alegre. Avisado por um menino, certo comerciante responde-lhe, na vista dos fregueses: “Sou homem, tanto quanto ele o é. Será homem por homem...” Virgulino, com um caibra ouvem, já dentro da casa, a fanfarronice do proprietário.

- Qui tá dizendo? – Pergunta-lhe.

- Se eu soubesse qui o sinhô tava aqui, nun dizia. Mas Cuma já dixe, tá dito...

O caibra quis matar o negociante. Lampião não deixou: “Home nun se mata... Gostei do atrevimento dele...”


Dias após, a cidade de Capela recebia o cangaceiro. Autoridades foram vê-lo. Com ele, assistiram cinema. O cangaceiro entrara, cantando que ali estava para amar, divertir, gozar... Amou a “mulher-dama” mais afamada da cidade, gratificando regiamente. Bebeu, comeu e passeou, sob os olhares atônitos da população, tendo, como ordenança e companheiro, um funcionário dos Correios e Telégrafos, o intelectual Zozimo Lima.

Zozimo esquecera as cartas, as letras, a neurastenia, neste dia. Plantou-se na porta das “mariposas”, como sentinela fiel aos deveres do plantão. Bebericou. Tornou-se um camarada do cangaceiro.

- Bom sujeito. Inteligente, arisco, desconfiado – disse-nos. Admirou-me sua facilidade de manobrar a rima. Criado em outro meio, talvez fizesse figura. Tornamo-nos camaradas. Joguei com ele bilhar. E acompanhei-o às casas do mulherio, como cicerone. Tornou-se meu amigo e eu dele. Mas não pretendo ter de relembrar-lhe o nosso encontro e nossa camaradagem...”

E concluindo, acrescentou: “Há duas coisas que não desejo fazer: reencontrar-me com outro Virgulino, andando como prisioneiro voluntário, e viajar de avião...”

A Luta Democrática (RJ) – 19.10.1966


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