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terça-feira, 7 de julho de 2020

FRUTA NA BOCA

*Rangel Alves da Costa

Ainda com a boca cheia e já querendo mais. E já com saudade, e já imaginando como será possível viver sem aquela delícia. Ainda com os bagos quase inteiros, mas desejoso de nunca acabar. É o amor pela fruta da terra.
Mesmo com as mãos lambuzadas e cheias de visgo, ainda assim meto a mão com avidez e vontade de demais, como se fosse um faminto perante o melhor prato do mundo. Uma visão que encanta os olhos e enche a boca de prazer. É o amor pela fruta da terra.
Ainda com o sumo escorrendo pelos cantos da boca e descendo e sujando a camisa, mesmo assim mordo com mais avidez, chupo com mais voracidade, sugo como se não pudesse deixar nem caroço nem casca. É o amor pela fruta da terra.
Mesmo que os outros olhem com olhar assustado e digam de minha gulodice. Mesmo que os outros estranhem meu apetite voraz e minha sanha em querer mais. Pego mais, quero mais, mordo mais, nunca sinto que já me basta. É o amor pela fruta da terra.
Fruta grande ou pequena. Fruta graúda ou pequenininha. Fruta de casca lisa ou de casca mais grossa. Fruta de casca rugosa ou de seda. Fruta amarela ou avermelhada. Fruta esverdeada ou de qualquer cor. Mais doce ou de leve acidez, nada importa se é fruta da terra.
Encanto-me e desencanto-me em gulodice toda vez que acordo e logo sigo para a feira interiorana. E bem pertinho de casa quando estou aqui – como agora – no meu berço de nascimento. Enquanto eu caminho, meus olhos passeiam e minha boca logo se enche d’água perante as frutas da terra.


Bananas, laranjas, goiabas, melancias, pinhas, jacas, mangas, mamões, jabuticabas, melões de mato, graviolas e muito mais. Aquele perfume que vai subindo, aquele cheiro saboroso que vai se espalhando, aquela vontade louca de sair experimentando uma a uma.
Cestos, balaios, caixas, sacos, tudo cheio de frutas. As bancas tomadas de cores vivas e sabores apetitosos. Corredores inteiros com aquelas frutas arrumadinhas e talvez dizendo me pegue, me experimente, me leve, me chupe. E levo mesmo.
Em instantes assim, logo recordo o grande Jorge Amado e suas descrições das frutas chegando aos portos baianos. Como diz, frutas gordas, olorosas, todas chegadas em profusão dos litorais. É como se as embarcações de repente surgissem como pomares deliciosos sobre as águas.
Mas tenho um esclarecimento a fazer. A fruta de minha predileção quase não existe mais: o araçá. Lembro-me bem que noutros tempos, principalmente nos idos de minha infância, a vendedora de araçás despontava pela rua com a lata na cabeça e gritando seu nome: olhe o araçá, quem vai querer araçá!
Então eu pedia de cuia. Uma cuia, duas cuias. E depois despejava uma porção na mão aberta e começava a me fartar. Como o araçá é uma fruta miudinha, só mesmo muita para produzir satisfação. E quanto mais comia mais eu queria outra porção daquele verdadeiro favo de mel na minha boca.
Mas meu araçá, como dito, quase não existe mais. Tornou-se uma raridade pelos sertões. Outro dia, alguém me trouxe uma pequena porção. Saudoso, dei-me ao prazer apenas com um tiquinho. O restante eu deixei guardado na geladeira para não morrer de saudade.
Mas hoje me lambuzei na jaca. Tanto faz a jaca ser dura ou mole, eu gosto de todo jeito. Tanto faz que as mãos fiquem apenas sujas ou cheias de visgo, tanto faz. Quando a jaca é graúda e os bagos grandes, então até se esquece até da sujeira que faz. O que se quer é comer mais.
Agora mesmo me deu uma fome danada. Não quero nem maçã nem pera. São frutas, mas não são da terra. Um amigo me trouxe uns umbus madurinhos e é na sua direção que estou indo agora. Quer?

Escritor
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