A cidade de Santos foi uma das
poucas do país que tiveram o privilégio de ser visitada mais de uma vez pelo
imperador do Brasil, D. Pedro II. Foram cinco passagens, ao todo. A primeira
delas aconteceu em 1846, quando o então jovem monarca contava com pouco mais de
vinte anos de idade. O soberano brasileiro voltaria em 1860, 1878, 1886 e 1888.
Na passagem de 1886, o imperador estava para completar 61 anos de idade, mas
ainda demonstrava um certo vigor, haja visto sua agenda de compromissos na
cidade santista. Nas nove horas em que permaneceu em Santos, D. Pedro II e sua
comitiva visitaram nada menos do que treze lugares, sem falar da sua ida à São
Vicente e à Ponta da Praia, defronte à Fortaleza da Barra, excursionando pelas
areias da orla, desde o José Menino.
O Memória Santista teve acesso a
uma reportagem detalhada, produzida pelo periódico carioca “Jornal do
Commercio”, edição do dia 17 de novembro de 1886, em que é relatada a passagem
de D. Pedro II por Santos e São Vicente. E a partir dela, registra aqui este
interessante episódio.
A vinda do imperador
O imperador partiu da capital
pelo trem da São Paulo Railway (SPR) às sete horas da manhã do dia 13 de
novembro de 1886. Ainda que não estivesse chovendo, a cerração era forte no
alto da Serra do Mar, o que impossibilitou a comitiva vislumbrar a bela paisagem
panorâmica da Baixada Santista. Por outro lado, o que o mau tempo não impediu
foi o impulso juvenil do monarca em realizar o desejo de atirar pequenas pedras
do alto do maior viaduto da estrada de ferro, na Grota Funda. Ele ordenara os
maquinistas a pararem a composição no meio do viaduto para verificar,
alegremente, quanto tempo era gasto pelas pedrinhas na breve queda até o fundo
do precipício. Após alguns minutos dispendidos na brincadeira, a viagem
prosseguiu até Santos, onde a comitiva imperial foi recebida às 10 horas.
Os santistas estavam em festa e
lotavam todas as cercanias do Valongo para receber mais uma vez Sua Majestade
Imperial e sua esposa, a imperatriz Tereza Cristina. D. Pedro II havia estado
em Santos pela primeira vez em 1846, quando contava com vinte anos de idade. Na
época promovia sua primeira viagem pelo Brasil. Depois esteve em 1860 e em
1878, ocasiões em que visitou diversas cidades de São Paulo.
Ao desembarcar do trem especial
colocado à disposição pelos ingleses da SPR, o imperador foi recebido pelos
membros da Câmara Municipal (ainda não existia a Prefeitura), pelo comandante
superior da guarda nacional e pelo corpo consular sediado em Santos, além de
oficiais da armada e do exército, empregados públicos diversos e cidadãos de
todas as classes sociais.
Após assistirem à apresentação de
duas bandas de música, que entoaram o hino nacional brasileiro, os imperadores
e sua comitiva percorreram de carruagem as ruas da velha cidade até chegarem à
residência do Visconde do Embaré (Antônio Ferreira da Silva), onde ficariam
hospedados, como das duas outras vezes que estiveram em Santos. O anfitrião,
apesar de bastante enfermo, foi recepcionar Sua Majestade com entusiasmo,
servindo-lhe um suntuoso almoço. Porém, acamado, não participou do
banquete, pedindo à esposa, dona Josefina Vaz de Carvalhais Ferreira, e ao
filho, Eduardo, que fizessem a corte aos soberanos do Brasil.
Entre os vários livros onde
deixou sua assinatura, em registro por sua passagem em 1886, está o da
Associação Comercial de Santos.
Excursão pela cidade
Logo após a refeição, perto das
12 horas, D. Pedro II dirigiu-se à Matriz (a antiga, que ficava no local hoje
ocupado pela Praça Antônio Telles), onde fez oração. Em seguida visitou a
Igreja do Carmo, em cuja capela-mor ficava o túmulo de José Bonifácio de
Andrada e Silva, seu primeiro tutor, quando contava apenas com apenas cinco
anos de idade. Ali, demorou-se um tempo, ajoelhado junto à pedra que cobria a
sepultura de uma das pessoas que mais admirava na vida. Assim que terminara sua
oração, levantou-se e saiu dizendo que era só aquilo que tinha ido fazer ali.
Sua Majestade foi, na sequência,
visitar as novas instalações da alfândega (que havia sido inaugurada em 1880),
tendo sido recebido pelo inspetor Paula e Silva e por outros empregados. Ali,
percorreu o salão do expediente, a tesouraria, os armazéns, as pontes de carga
e descarga, indagando a todos, minuciosamente, a respeito do serviço. D. Pedro
ficou feliz pelo extraordinário movimento verificado na repartição imperial e
deu ordens para que o prédio fosse aumentado, assim que fosse possível.
De lá, o soberano brasileiro
dirigiu-se à Capitania do Porto, onde conheceu de perto o trabalho dos
aprendizes marinheiros, que ali estavam devidamente formados à espera do
imperador. Acompanhado do comandante local, o capitão-tenente Palmeira, D.
Pedro II examinou cuidadosamente os gêneros de alimentação das praças e
percorreu todas as dependências do edifício. Em seguida, embarcou em um escaler
que o levou até o rebocador “São Paulo”, navegando pelo canal do porto, com o
objetivo de saber mais detalhes sobre as obras do novo cais, parando em alguns
pontos e tomando informações circunstanciadas. Sua Majestade desembarcou em
frente ao Mercado Municipal, mas não quis circular pelo local, por considera-lo
indigno de uma cidade da importância de Santos.
Com uma agenda corrida, foi
visitar o edifício da Câmara, Júri e Cadeia (atual cadeia velha), encontrando
ali quatro indivíduos presos por distúrbios contra a ordem. D. Pedro verificou
que o imóvel estava em boas condições, muito bem dividido e limpo. Em uma das
salas locais, examinou uma planta da cidade, produzida pelo engenheiro
Americano Freire. Antes de deixar o prédio, o anfitrião desta visita, o
vice-presidente da Câmara, José Proost de Souza (que substituía o então
presidente João Octávio de Souza, que se encontrava doente), solicitou ao
imperador que concedesse doze cartas de liberdade a negros da cidade, ao que D.
Pedro anuiu sem nenhum tipo de contestação. Ainda no edifício da Câmara, Sua
Majestade deixou sua assinatura em um livro ricamente encadernado, no qual já
estavam registradas duas passagens suas pela cidade, em 1860 e 1878.
Imagem da Santa Casa de Misericórdia em 1892. Quando D. Pedro II visitou o lugar, o segundo pavimento ainda estava em obras. A foto é atribuída aos fotógrafos Kowalsky e Hensler.
Da Câmara, foi o soberano visitar
a Santa Casa de Misericórdia, sendo recebido pelo escrivão Francisco Emilio de
Sá, na ausência do provedor, que estava enfermo, além do mordomo do mês, Alfaya
Junior, e pelos médicos Drs. Matta e Silva e Pereira da Cunha. Sua Majestade
percorreu todo o hospital e suas dependências, reputando-o como bem dividido.
Na época, parte do pavimento superior ainda não estava concluído e, por isso,
D. Pedro II acabou reclamando da falta de ventilação em alguns corredores e nas
salas daquele andar. Quando da visita do imperador, a Santa Casa atendia 70
doentes (entre homens e mulheres), mas o lugar possuía bem mais leitos à
disposição. Novamente, o visitante ilustre deixou sua assinatura, em livro com
capa de veludo, como registro da visita história ao hospital mais antigo do
país.
Ao sair da Santa Casa, D. Pedro
II dirigiu-se ao belíssimo teatro Guarany, obra do engenheiro Garcia Redondo,
cuja construção, iniciada em 1881, terminara no ano seguinte. O imperador
verificou que se tratava de uma casa elegante, com uma só ordem de camarotes,
varandas, galerias e plateia para 200 pessoas. Ele percorreu todo o edifício e
ficou encantado com a pintura no teto.
Incansável, o imperador ainda
visitou uma grande casa onde os srs. Visconde de Vergueiro e Embaré mandaram
instalar duas escolas. Uma para meninos e outra para meninas. A primeira era
dirigida pelo professor Agripino Macedo, onde foram inscritas 124 crianças, com
uma frequência média de 70 a 80 alunos por dia. A segunda escola estava a cargo
da professora Januária Macedo, com 90 meninas matriculadas, e frequência média
de 60. Em ambas as escolas, D. Pedro II participou de animada conversa com os
alunos, interrogando-os sobre conhecimentos gerais, ficando bastante satisfeito
com os níveis de respostas. Nesta visita, acompanhava o soberano o inspetor
literário de Santos, dr. Joaquim Domingues Lopes.
Na sequência, a comitiva imperial
partiu para os lados do Paquetá, onde iriam visitar as dependências da
Beneficência Portuguesa. No caminho, observaram o pujante movimento local e
visitaram a Associação Comercial de Santos, instalado em prédio de boas dimensões,
cujas salas, tanto as do pavimento inferior quanto às do superior, eram
extensas e bem preparadas. D. Pedro II percorreu todo o imóvel acompanhado dos
membros da associação e ainda teve tempo de ler alguns jornais locais.
Clube Germânia recebeu a visita do imperador.
De volta ao destino, no Paquetá,
o soberano ainda teve tempo de dar uma paradinha no Clube Germânia, sediado em
grande e bonito edifício, dono de um extenso jardim frontal. Ali, Sua Majestade
conheceu a biblioteca, a sala de leitura, a sala de bilhar, de jantar e outras
dependências, todas caprichosamente adornadas. O clube havia sido fundado vinte
anos antes e era um ponto de reunião importante na cidade. Todos os meses, o
Germânia promovia um dos mais concorridos bailes da cidade santista. Em uma das
salas, via-se o retrato de Backeuser, o mais antigo negociante de Santos,
falecido havia pouco tempo.
Dali, D. Pedro II finalmente
chegava até as dependências do Hospital Beneficência Portuguesa, sendo recebido
pelo presidente da entidade, o comendador Manoel Pereira da Rocha Soares. O
edifício, grande e de bonito aspecto, era cercado de um bem cuidado jardim,
mantido na mais absoluto asseio e ordem. A edificação dispunha de muitos
quartos e salas bem preparadas para receber toda sorte de enfermos, além de
excelente farmácia, gabinete cirúrgico e todas as dependências de casas da
mesma natureza, tudo muito bem organizado. O hospital abrigava naquele momento
quatorze doentes, mas poderia abrigar cinquenta no total. Acompanhado do médico
responsável, dr. Julio Furtado, D. Pedro II percorreu todo o edifício e também
assinou a lista de visitantes.
Eram quase quatro horas da tarde,
quando Sua Majestade voltava para o local em que estava hospedado, a residência
do Visconde de Embaré, onde recebeu diversas personalidades da cidade, entre
eles o cônsul de Espanha, que falou em nome de todo o corpo consular da cidade.
Também lá estavam diversos vereadores da Câmara Municipal e outras
personalidades santistas.
A casa de pedra que D. Pedro II
visitou em São Vicente, o qual alguns moradores reputarem como sendo a moradia
de Martim Afonso de Sousa. Na imagem, o registro original.
Viagem de trem a São Vicente
Após breve conferência e já
devidamente reposto da primeira parte da excursão pela cidade santista, D.
Pedro II e seus acompanhantes tomaram um trem, elegantemente adornado, que os
conduziu até a vizinha cidade de São Vicente. Outras três pequenas composições
acompanhavam a comitiva, um deles levando uma banda de música. O tráfego até a
cidade vicentina era feito por tração a vapor, com máquinas suíças, as
primeiras introduzidas no Brasil. Estas máquinas possuíam caldeira mista, isto
é, uma vertical e uma horizontal. A viagem ocorreu sem o menor incidente,
chegando os imperadores (Tereza Christina fora consigo) rapidamente ao destino.
Desembarcando, foram logo conduzidos à Casa de Câmara e Cadeia, que data de
1729. Os acompanhantes do soberano disseram que algumas edificações locais,
examinando os pesos e as medidas, disseram que, sem dúvida, tratavam-se de
prédios dos tempos e Braz Cubas.
Na cidade vicentina, D. Pedro II
visitou o prédio da Casa de Câmara e Cadeia local. Foto de Marque Pereira, de
cerca de 1900.
Foi em seguida à fonte do Morro
dos Barbosas (a famosa Biquinha de Anchieta) e depois à Igreja Matriz a ao Rink
(local onde aconteciam atividades esportivas e até touradas). Teve Sua
Majestade ocasião de ver em São Vicente uma pequena casa antiquíssima, sobre
cujos primitivos moradores corriam diversas versões. Diziam uns que fora
habitada por Martim Afonso, outros por Anchieta, e outros por Braz Cubas. De
volta à cidade vicentina, D. Pedro II tomou um bonde tracionado por muares, com
destino às praias da Barra (na época, todas as praias de Santos e São Vicente
tinham essa denominação). Na altura do José Menino, a comitiva tomou carruagens
para prosseguir na excursão pela areia da praia, até chegarem defronte à velha
Fortaleza da Barra Grande.
O retorno à capital
Já cansado da longa jornada, o
soberano ordenou que regressassem à casa do Visconde do Embaré, onde chegaram
por volta das 19 horas. O anfitrião mandou servir um soberbo jantar e, quase
uma hora depois, todos já estavam de volta à estação da São Paulo Railway, no
Valongo, para o regresso à capital bandeirante.
A noite santista apresentava, com
a sua brilhante iluminação, o mais belo aspecto. Ao retirarem-se da cidade, D.
Pedro II e sua esposa agradeceram a recepção calorosa dos santistas, saudando
entusiasticamente a massa de gente que foi despedir-se do grande monarca
brasileiro. Antes de partir, D. Pedro II falaria: “Nada tenho que dizer sobre a
cidade de Santos a não ser que progride constantemente”.
ADENDO:
Quem não gosta de ouvir histórias sobre Dom Pedro II, o nosso conterrâneo?
O homem político que foi mais honesto do Brasil?
José Mendes Pereira.
https://memoriasantista.com.br/pedro-ii-visita-santos-pela-quarta-vez-em-1886/
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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