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terça-feira, 4 de outubro de 2011

Uma maravilhosa renda nordestina

 Por: Luiz Zanotti

...É na soma do seu olhar que eu vou me conhecer inteiro (Tanto amar, Chico Buarque)

Após quase 10 horas de viagem entre Campo Largo (PR), chego ao Cariri cearense. Logo na recepção no aeroporto, eu sou recebido com um caloroso abraço, recepção alegre e emotiva que os nordestinos costumam proporcionar a todos, sejam velhos amigos ou conhecidos recentes. Uma breve passagem no hotel e lá vamos nós numa alegre caravana a caminho de Crato, uma moderníssima cidade localizada no sopé da Chapada do Araripe, uma agradável surpresa para mim, que meio desinformado da força deste Nordeste, esperava encontrar um pequeno povoado do sertão nordestino.

Daí, então começo ver ser elaborada a maravilhosa renda da cultura nordestina que é o Cariri Cangaço, uma renda elaborada pelo demiurgo Manoel Severo e pela sua querida esposa Danielle que entrelaça os diversos tipos de pesquisas, cidades, perspectivas, paixões, emoções, serras, céus, amizades e tanta coisa mais. Esta trama começou a ser tecida pelo fio de seda de cor prata oferecido pela Professora Salete Libório que, através do que a sua alma clamava, trouxe a importância da personagem Bárbara de Alencar na história da liberdade do Brasil.
Após uma noite de sono restaurador daquela verdadeira overdose de emoções da primeira noite, acordei em meio à própria grota de Angico, traçada com fios de algodão dourado pelos artesãos Amaury, Aderbal, Gastão, Alcino e Sabino , e por toda uma infinidade de outros fios, diversas cores entrelaçadas por outros artesãos presentes. Artesãos tão laboriosos, mas que seriam impossíveis de serem citados na limitação de uma folha de papel, e que, por este motivo lanço mão das palavras do grande vaqueiro/violeiro baiano Elomar: “Mas foi tanto dos vaqueiros (artesãos) que reinou no meu sertão, que cantando o dia inteiro não menajo todos não”.
Esta rede multicolorida que estava sendo constituída, nos transportou para os últimos momentos de vida de Lampião dentro de uma perspectiva que a recriação da realidade só é possível através de uma pluralidade de visões, pois, conforme nos ensina Heráclito, a realidade tem como característica o movimento e, portanto, impossível de ser apreendida por uma só linha, uma realidade que a sabedoria poética de Chico Buarque capturou em Tanto amar: “É na soma do seu olhar que eu vou me conhecer inteiro”.

maravilhosa colcha de retalhos do solo da Chapada...

Dentro deste fino e colorido tecido que ia sendo construído, viajamos no decorrer destes seis dias de entrelaçamento através das exuberantes paisagens do Cariri para Juazeiro, Aurora, Barro, Barbalha, Floresta do Araripe, Missão Velha e Porteiras, conhecendo cidades muito bem geridas pelos seus administradores. No entanto, entre as tantas emoções e descobertas que para sempre serão delicadamente lembradas, não posso deixar de dar o meu testemunho do momento em que me senti voltando ao útero materno. Este momento aconteceu quando em meio a nossa caminhada pela floresta do Araripe, Severo solicitou que parássemos um pouco para observar a natureza e nos mostrou que além de elaborar a rede, ele também sabe balançá-la, nos ofertando toda uma renovação espiritual.
Finalmente, após esta verdadeira odisséia de amor, amizade e conhecimento que resultou nesta multiforme e colorida renda de bilro − fruto coletivo do trabalho difícil e fino realizado com grande habilidade por todos os artesãos do Cariri Cangaço−, parto triste, porém com a certeza que o nosso maestro Severo, além de um grande artesão e de uma grande alma, é também um grande artilheiro, pois balançou a rede do meu coração, parto com vontade de dizer: Só deixo o meu Cariri Cangaço no último pau de arara.

Grande abraço a todos,
Luiz Zanotti
Campo Largo-Paraná

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