Seguidores

terça-feira, 4 de outubro de 2011

UMA CRIANÇA DE 16 ANOS NO GRUPO DE LAMPIÃO


O cangaceiro Volta Seca

É um dos mais temíveis cangaceiros – trinta e cinco traços no seu fuzil, pertenceu aos Capitães da Areia
A morte de Machadão devida a Volta Seca

A reportagem era extensa. Contava como as vilas saqueadas há algum tempo vinham notando entre o bando de Lampião uma criança de uns dezesseis anos, que levava o nome de Volta Seca. Apesar  da sua idade, o jovem cangaceiro se fizera temido em todo o sertão como um dos mais cruéis do grupo. Constava que seu fuzil tinha trinta e cinco marcas. E cada marca num fuzil de cangaceiro representa um homem morto. Depois vinha a história da morte de Machadão, um dos mais antigos sargento de polícia. E Lampião o entregara a Volta Seca para que o despachasse. Volta Seca o despachara devagarinho, à ponta de punhal, cortando os pedacinhos com visível satisfação. Fora tanta a crueldade, que Machadão, horrorizado, levantou o fuzil para acabar com Volta Seca. Mas antes que disparasse, Lampião, que tinha um grande orgulho de Volta Seca, atirou em Machadão. Volta Seca continuara sua tarefa.

A notícia se estendia, narrando diversos outros crimes do cangaceiro de 16 anos. Depois lembrava que entre Capitães da Areia vivera um menino com o nome de Volta Seca e que era possível que fosse o mesmo. Vinham então várias considerações de ordem moral. A edição se esgotou.
Meses depois a edição se esgotou novamente porque trazia a notícia da prisão de Volta Seca, enquanto dormia, executada pela coluna volante que percorria o sertão dando caça a Lampião. Anunciava que o cangaceiro chegaria no outro dia à Bahia. Vinham vários clichês onde Volta Seca aparecia com seu rosto sombrio. O Jornal da Tarde dizia que era rosto de criminoso nato.
O que não era verdade, como o próprio Jornal da Tarde noticiou tempos depois, ao relatar em edições extraordinárias e sucessivas o juri que condenou Volta Seca a 30 anos de prisão por 15 mortes conhecidas e provadas. No entanto, seu fuzil tinha 60 marcas. E o jornal lembrava esse fato, repetindo que cada marca era um homem morto.


"VOLTA SECA", AINDA GAROTO, JUNTO A UM GRUPO DE PERSONALIDADES DA BAHIA. SENTADO, DE ÓCULOS, O Profº ARTHUR RAMOS, QUE ESTUDOU O PERFIL ANTROPOLÓGICO DO FAMOSO CANGACEIRO-MENINO:

Mas publicava também parte do relatório do médico-legista, cavalheiro de honestidade e cultura recinhecidas, já então um dos grandes sociólogos e etnógrafos do país, relatório que provava que Volta Seca era um tipo absolutamente normal e que se virava cangaceiro e matara tantos homens e com tamanha crueldade não fora por vocação de nascença. Fora o ambiente... e vinham as devidas considerações científicas.

O que aliás não despertou tanta curiosidade entre o público como a descrição de belíssimo, vibrantíssimo e apaixonadíssimo discurso de doutor Promotor Público, que fizera os jurados chorar, e até o prórpio juiz tinha limpado as lágrimas, ao descrever o doutor Promotor, com sublime força oratória, o sofrimento das vítimas do ferz cangaceiro-menino.
O público ficou indignado porque Volta Seca não chorou durante o júri. Seu rosto sombrio estava cheio de estranha calma. 



Capitães da Areia - Jorge Amado

Nenhum comentário:

Postar um comentário