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sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

LAMPIÃO, BANDIDO E MARKETING.

Por: Urariano Mota

LAMPIÃO, BANDIDO E MARKETING.

Os 70 anos da morte de Lampião têm dado margem às mais disparatadas interpretações na imprensa. Na verdade, há muito o Capitão Virgulino tem sofrido transformações maiores que as suas proezas. Antes de ser vítima do covarde massacre de Angicos, em 1938, na língua da imprensa ele oscilou entre o Terror do Nordeste e o Rei do Cangaço.

De lá para cá, a sua imagem viajou do injustiçado ao rebelde sem partido, até o ponto do marginal que serviu ao poder de atraso dos "coronéis", os senhores feudais do Nordeste. Em 1978, com a cara de couro curtido de macho, serviu de nome para um jornal dirigido ao público homossexual, O Lampião da Esquina. Nos últimos filmes do cinema, em lugar do homem bárbaro e brutal, ganhou refinamento e sensibilidade de um bom burguês, a beber uísque White Horse e a se perfumar com exagero nas caatingas. Mas nada talvez se compare à rara e original interpretação da historiadora francesa Élise Jasmin.

Segundo ela, no livro Cangaceiros, nas imagens de Lampião feitas por Benjamin Abrahão e outros existiria manipulação da mídia pelo criminoso. Do filme do libanês aos jornais, haveria imagens na fronteira entre o fotojornalismo e a propaganda, sob ordem dos cangaceiros. Notem a impropriedade que faz da permissão para ser fotografado e filmado uma autopromoção calculada e pensada. Notem que pouco importa a contradição, que dizemos!, a franca e aberta guerra e aberração entre o marketing de imagem realizada por bandidos e a foto de suas próprias cabeças cortadas ao fim, em um máximo esforço de tudo pela imagem. É tão simples o interpretar, não é?

Segundo a historiadora, em entrevista:

Estas imagens dos bandidos no auge de sua glória e poder, ao lado das fotos com o jogo cênico de suas mortes, fazem parte desta espetacularização da violência que encontramos nas sociedades modernas. É um fenômeno que vemos se desenvolver especialmente nas grandes cidades atingidas pelo crime organizado. Lampião e seu grupo foram os primeiros a se apropriar deste modo de comunicação, a instrumentalizá-lo, para desafiar seus adversários, impor seu poder e mostrar que seu sistema de valores, a vida que levavam, tinha um sentido para eles.

Sabemos todos que alguns intelectuais franceses têm um extraordinário poder de retórica, a ponto de escreverem um volume inteiro sobre o Nada, com o Ser por acréscimo, mas aqui vai um pouco além o abuso. A chamada espetacularização, neologismo em português, mas que bem entendemos como uma mistura de especulação com espetacular, esse fazer da violência um espetáculo não foi uma criação dos bandidos sertanejos. Eles não são os agentes do espetáculo. As lentes de Benjamin Abrahão, que os filmou, é que fazem o espetacular. Em um filme, isto é básico, o ator não é bem o agente. Quem dirige é quem age. Nas imagens os cangaceiros se mostram, se exibem, mas a direção, o agente, está por trás do que eles fazem e encenam. A pedido, deve-se dizer. Diríamos até, a existência do espetáculo havia sido feita antes por toda a imprensa brasileira. Lampião jamais se declarou ou se julgou o rei do cangaço, por exemplo. Isto foi uma criação da imprensa e do cinema, nos estúdios Vera Cruz.

Acompanhem uma entrevista de Lampião, que pode ser lida, na íntegra, no sítio da sua neta Vera Ferreira, no endereço Clique aqui

- Desejamos um autógrafo seu, Lampião.

- Pois não.

Sentado próximo de uma mesa, o bandido pegou da pena e estacou, embaraçado.

- Que qui escrevo?

- Eu vou ditar.

E Lampião escreveu com mãos firmes, caligrafia regular.

"Juazeiro, 6 de março de 1926

Para... e o Coronel... Lembrança de EU.

Virgulino Ferreira da Silva. Vulgo Lampião".

Os outros facínoras observavam-nos, com um misto de simpatia e desconfiança. Ao lado, como um cão de fila, velava o homem de maior confiança de Lampião, Sabino Gomes, seu lugar-tenente, mal-encarado.

-É verdade, rapazes! Vocês vão ter os nomes publicados nos jornais em letras redondas...

Aqui vê-se o homem que se mostra feliz porque vai aparecer em letras redondas. Ele e todo o bando. Na ocasião dessa entrevista, o bandido sanguinário se encontrava no Juazeiro do Norte, no Ceará, aonde fora a convite do Padre Cícero, para integrar o Batalhão Patriótico, nome pomposo da legalidade para combater a Coluna Prestes. Fizeram-lhe uma foto nesse dia. Dela, assim declara a historiadora: "É aí que o personagem aparece pela primeira vez na imprensa, que vemos seu rosto. Parece uma verdadeira foto de estúdio que se apropriou dos modelos de figuração cinematográficos da época. Lembra Rodolfo Valentino". Quem utilizava quem? Quem fazia espetáculo de quem?

Mas tais coisas, "interpretações", devem ser do gênero e da sina dos que ganham fama. Não importa se bandidos, santos ou heróis, todos sempre serão assassinados mais de uma vez.

Sobre o autor deste artigo: Urariano Mota - Recife. É pernambucano, jornalista e autor de "Soledad no Recife", recriação dos últimos dias de Soledad Barret, mulher do cabo Anselmo, executada pela equipe do Delegado Fleury com o auxílio de Anselmo.

Autor:   Urariano Mota

Extraído do blog: "O Cangaço em Foco", do Delegado de Polícia Civil no Estado de Sergipe: Dr. Archimedes Marques


http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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