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terça-feira, 17 de abril de 2012

Sila, uma cangaceira no divã

Por: Eleuda de Carvalho
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A mulher alta e elegante acomodou-se na cadeira de balanço. Pediu para fechar os olhos e abriu o coração. Despejou, por dias a fio, nos ouvidos atentos do confidente, o rosário de sua história. Uma epopéia de sangue, morte, coragem e sobrevivência na caatinga áspera e empedrada que cruza as fronteiras do Nordeste, a terra onde reinou, um dia, o bando de Lampião e Maria Bonita. A narrativa, pontuada pelo filósofo, sociólogo e psicanalista Daniel Lins, resultou no livro Sila, uma cangaceira no divã, que será lançado no próximo dia 7, no Teatro Boca Rica, com exibição de vídeos e exposições temáticas.
Ilda Ribeiro de Souza nasceu no dia 26 de outubro de 1919 na localidade de Poço Redondo, Sergipe. Viveu dois anos no cangaço, ao lado de Zé Sereno, com quem teve quatro filhos. Durante muitos anos, já em São Paulo, Sila - como era chamada desde a infância - trabalhou de costureira na TV Bandeirantes (e fez até figuração, na novela.
Os Imigrantes da emissora, costurou roupas para as dançarinas do Chacrinha, foi camareira das atrizes Regina Duarte e Fernanda Montenegro.
Desde as filmagens da minissérie Lampião, da Globo, anos 80, que a fez regressar ao palco de sua tragédia, Sila começou a viajar, dar palestras e resgatar a epopéia do cangaço, que ela viveu na carne.
 
Sila morreu em 15 de fevereiro deste ano, sem ver o livro pronto. Mas ouviu-o, no leito do hospital.
Confesso, não tive coragem de ver aquela mulher linda, cheirosa, elegante, forte, morrendo. Maria da Glória Feitosa Freitas, uma aluna minha, foi lá e leu o livro todinho pra ela, conta, emocionado, Daniel Lins. "Este é um livro escrito por nós dois. Começamos no ano 2000 e terminamos em 2002. Ela me obrigou a entrar na história" -  conta Daniel Lins, pernambucano de Canhotinho, casado com a francesa Sylvie Delacours, pai de Fabien e Térence. Lins conheceu a cangaceira Sila há dez anos, quando seus estudos e pesquisas sobre o tema amiudaram.
Parte substancial do livro foi feita durante os três meses em que a cangaceira viveu com os Lins. Ela mesma deu fé na cadeira de balanço, fez dela o divã. Disse ao interlocutor: "Eu queria que você não me visse... Posso fechar os olhos?" Ela fechava os olhos e ia embora, relembra Daniel. Ela transformou a coisa numa relação intimista, mas guardando a devida distância.
Durante a estada, Sila, setentã, viveu um derradeiro amor. Um jovem, que ficará anônimo, me telefonou. O sonho dele era conhecer uma cangaceira. E aí começou o inferno, esta mulher a tremer de paixão. O menino sumiu...
Ela não admitia ser infeliz. Me dizia, "infelicidade é coisa de gente preguiçosa". As conversas no divã improvisado eram costuradas por música. Uma, virou obsessão de Sila, instigava seus sentimentos eróticos. Escutava direto. Aventura, de Renato Também gostou de ouvir Lobão, e se emocionou deveras com a cantora lírica Maria Callas. Criou intimidades, lembra Daniel Lins: Bota aí a música da Maria - era a ária da ópera Norma, de Bellini.
SERVIÇO

Sila, uma cangaceira no divã - Ilda Ribeiro de Souza (Sila) e Daniel Lins. Edição do Laboratório de Estudos e Pesquisas da Subjetividade da UFC em parceria com o projeto Boca Rica Nômade. O livro será lançado no próximo dia 7, às 19h, com exposição sobre cangaço, filmes, vídeos e clip inédito sobre as mulheres cangaceiras. Teatro Boca Rica: rua Dragão do Mar, 260 - P. de Iracema. Preço do livro: R$ 20. Inf.: 3219.1323 ou 3267.3749..
Fonte: O Povo, 30/5/2005
 Lembrando ao leitor que este artigo foi publicado em 30 de 5 de 2005

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