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quarta-feira, 13 de novembro de 2013

O deleite de Volta Seca - O Pasquim encosta na parede O "Jésse James" do nordeste - Parte III



Ziraldo - E as suas feridas já haviam cicatrizado?

- Continuou. Eu passei oito dias comendo folha do mato como bicho. Oito dias pra num me entregar à policia. Bom, aí eu disse: "O caso agora é morrer mesmo". Cheguei na casa de uma viúva, e ela me perguntou o que que tinha acontecido. Eu disse: "O caso foi esse, assim, e tal... uma briga e me furaram." E ela: "Mas meu filho, você tão novo!" Eu digo: "é..." Ela começou a chorar, foi lá no chiqueiro, apanhou lá a creolina. Já tinha bicho em todo canto. Eu vivia agoniado. Não podia dormir nem nada...

Ziraldo - Uma febre danada, né?

- Febre e tudo, fome... Mas aí, eu tava com dinheiro e digo: "Tá bom. E vou embora." Mas ela disse: "Filho, fica aí, que eu vou tratar de você".

Ziraldo - Cê lembra do nome dela?

- Agora eu não me lembro, não. Mas eu sabia o nome dela.

Ziraldo - Era perto de Itabaiana, ainda?

- Não, era perto de Simão Dias. Ela foi lá no chiqueiro, me deu remédio, me deu banho de malvão e aquele tratamento sério. Mas, toda noite a mulher chorava, toda noite. Aí, eu perguntei a ela, um dia: "Escuta, por que que a senhora tanto chora"? E ela: "Não, meu filho, é com pena de você. Você é muito criança, vive assim jogado no mundo, não tem ninguém. É por isso que eu choro."Eu disse: "Cumê que chamava o seu marido"? - o marido dela eu sei cumé que se chamava. Ele se chamava Davi. Era um bom vaqueiro. Ela disse assim: "Meu marido chamava - se Davi, meu filho, um desgraçado tirou a vida dele". Aí, eu pensei: "Ela falou isso. Eu já tô sujo..." E comecei a dizer pra ela por que foi que eu tinha matado. Ela disse: "Então ele mereceu".

Millôr - Era o homem que você tinha matado?

- Não, esse aí era o caso da viúva que eu tava falando. Aí, ela disse: "Esse camarada ganha 5 mil réis, 10 mil réis, pra tirar a vida de qualquer um. Ele mora num lugar que não vai ninguém. Aí, eu digo: "Mas num vai ninguém, por quê"? "Porque lá, ele é pistoleiro e só vive disso. Vive ele e a mulher dele sozinhos, um lugar chamado Fundão". Aí, eu pensei, pensei... Quando foi negócio de uns 15 dias eu já tava andando, tudo cicatrizado, sem doer nada. Aí, eu disse: "Olha, eu não vou vingar a morte do seu marido, porque hoje eu já sou um sujeito perdido, sem nada na vida, num quero mais nada. Mas se a senhora me der o endereço dele, eu vou lá buscar ele. Ela disse: "Jorge" - Jorge era o filho dela - "vai lá, pega o Boa Dama (era o cavalo dela), cela e dá a ele". Ai, o menino foi lá e apanhou o cavalo, um cavalo alazão bom, bonito. Aí, eu digo: "O que é que a senhora quer dele"? Ela: "Eu quero a orelha". E eu: "Tá bom, eu vou trazer". Montei no cavalo e fui. Quando deu quatro horas da manhã, eu cheguei lá no fundão. Era um paredão alto, dum lado e do outro. E ele morava no meio. Eu cheguei e bati na porta.

Ziraldo - Cê lembra o nome dele?

- Não. Aí, quando eu bati na porta, a mulher velo, Eu disse: "Bom - dia". Ela perguntou: "O que é que você quer"? Respondi: "Eu queria que a senhora me arranjasse água." E aí, o homem perguntou: "Quem é que tá aí"? Ela disse: "Um moleque que tá querendo água". Aí ele disse:"Chô olhar pra cara dele. Eu não sei se isso é hora de tá pedindo água na porta de ninguém..."Ele chegou e foi logo me maltratando: "Isso não é hora de pedir água na porta de ninguém. Vai procurar água pros poços." Aí, eu disse: "Eu num vim aqui a fim disso, não. Eu vim aqui pra dar um tiro na sua cara".

". E ele: "Em minha cara!?" Eu digo: "É". E ele começou, botou mesmo. Eu tá, ele tá. Eu tome, ele toma. Aí, eu dei uma. Ele quis tombar pra frente. Aí, ele botou o rifle, e quando esticou o braço, eu bati e o rifle caiu. E eu acompanhei ele. Ele saiu correndo e caiu esticado pela frente. E quando caiu, também, já caiu pronto. Aí eu disse: "Bom, ela pediu a orelha. Eu vou levar a orelha, beiço... Já vou levar tudo desse sem vergonha. Aí, cortei a orelha dele, cortei o beiço... Cheguei lá e entreguei.

Millôr - O que é que a mulher fez?

- A mulher dele não esperou não, ela se mandou. Aí, quando eu cheguei, eu disse pra viúva:"Olha, agora eu vou, eu só quero que a senhora me dá um café aí". Ela diz: "Pra onde você vai"?Eu digo: "Num sei".

Aparício - Isso é no Sergipe?

- Não, isso é na Bahia. Fundão é na Bahia.

Millôr - Esse trajeto, da sua casa até a Bahia, você fez toda a pé?

- A pé, a pé.

Millôr - Nesse período todo vocês só tinha uma roupa, não trocava nunca? Estava sem sapatos?

- Sem nada, e descalço. E o chapéu tinha cortado as beiradas: só ficou a copa.

Millôr - E esse rifle era o famoso "papo-amarelo"?

- Não, era "cano-mamão". E aí, eu digo: "Bom: agora eu vou- me embora". E ela disse: "Então, toma esse cavalo pra você. Quando você achar que pode vender você vende. E é seu, pra todos os efeitos. E Deus lhe acompanhe". Eu digo: "Amém". Eu montei no cavalo e me joguei no mundo. Fui pra Bom Conselho, fui pras Antas, fui por aquele mundo todo, Jair Mulato, Santa Brisa, aquele mundo todo...

Millôr - Nesse período todo, você tinha contato com a cidade, você comia em algum lugar, conversava Com as pessoas?

- Eu comia de qualquer jeito. Conversava, conversava com as pessoas.

Millôr - Vivia uma vida mais ou menos normal?

- Não, num era normal. Era uma vida como de gato com rato. O gato lá e o rato...

Millôr - Sempre com medo...

- Sempre com medo. Então, eu digo: "Tá certo". Aí, saí. E quando cheguei num lugar chamado Goloso, na Bahia, eu digo: "Agora eu vou descansar um pouco. Vou pruma fazenda dessa aí, e ficar escondido, pra ver cumé que a barra tá, cumé que vai a maré por aí. Aí, fui lá pruma fazenda e cheguei dizendo que queria um trabalho. Escondi o rifle, munição e tal e me aproximei dessa fazenda. Isso, em Goloso. Aí, quando estou na fazenda, uma das duas mocinhas chegou e disse:"Mamãe, tem um garoto querendo trabalhar com a gente e ele vai pra roça com a gente e tal, colher melancia e plantar feijão, e essa coisa. O que que a senhora acha"? "Bom, deixa o seu pai chegar." Ele chamava Seu Ovídio. Aí, Seu Ovídio chegou do campo, e disse assim: "Ah, tá bom, tá bom meu filho. Cê tem pai"? Eu digo: "Não". Ele: "Tem mãe?" Eu digo: "Não. Num tenho ninguém por ninguém; só Deus e eu no mundo." Ele disse: "Então, você fica aí". Aí fiquei. Negócio de umas duas semanas que eu estava ali...

Ziraldo - Te pagavam alguma coisa?

- Nada! Pagava alguma coisa, porque eu trabalhava feito burro e comia à vontade, né? Mas eu ficava pensando. Eu, saindo daqui, vou andar nesse mundo à - toa, novamente. Mas, é o jeito. E só vendo perseguição: "Passou por aqui? Não, passou pra tal lugar", isso eles dizendo. "Num sei o quê... Ele é assim, assim..." E eu tô só escutando

 Ziraldo - Quem o perseguia?

- A polícia. Então, eu digo: "Num tem jeito não..."

Millôr - Eles chamavam "os amarelos", naquela época?

- É. Culote.

Millôr - Era polícia de Sergipe; ou da Bahia mesmo?

- Era da Bahia, do Sergipe...

Ziraldo - Você já era famoso...

- Não.

Ziraldo - Famoso, eu quero dizer, já tinha toda a polícia atrás de você?

- É, atrás de mim.

Jaguar - Por enquanto você era só Antônio? Não era VOLTA SECA ainda não?

- Não, era Antônio, Antônio dos Santos. Mas aí, nesse lugar, um dia na roça, tô vendo aquele alvoroço, e digo: "Mas o que é que tá havendo"? E disseram: "É que Lampião chegou aí agora, em Goloso." Eu digo: "Lampião"? Ele disse: "É, com o pessoal dele todo..."

Continua...

http://lampiaoaceso.blogspot.com.br/2009/12/entrevista-de-volta-seca-jornal-o.html

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

Um comentário:

  1. Anônimo12:53:00

    Caro amigo Mendes: GRANDE sequência esta que você está postando sobre a vida do MENINO Volta Seca em sua entrevista ao PASQUIM. Foi uma ampla e importante entrevista. Parabéns aos entrevistadores daquela época, e a você como sempre atento às informações gerais e do cangaço.
    Antonio José de Oliveira - Povoado Bela Vista - Serrinha-Ba.

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