Seguidores

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

GRITOS DO SILÊNCIO

Por Rangel Alves da Costa*

O silêncio quer apenas silenciar, mas a pessoa em silêncio não deixa. Sua voz emana do pensamento, vem da recordação, grita na tristeza e na aflição.

Ao entardecer, sem pessoas ao redor, com tudo parecendo deserto e distante, a janela é aberta para que entre alguma luz e um perfume na brisa. E logo chegam as vozes do silêncio.

O vento sopra, passa carregando folhas mortas, e no seu passo um livro antigo guardando recordações. Relembranças amareladas, envelhecidas, mas ainda tão presentes.

Então o silêncio é entrecortado pela palavra. E esta vindo de um baú antigo que é reaberto para dele surgir a revivência de tudo. E surgem as vozes a e as palavras.

É triste o diálogo entre o presente e o passado. A voz que emerge na estrada do tempo outra coisa não traz senão o desejo do reencontro. Doloroso porque impossível de acontecer.

“Minha mãe, minha mãe, como a senhora está bela nesta fotografia. Não tão bela quanto a presença e quando vestia aqueles vestidos rendados para a missa dominical”.

Diante da fotografia retirada do baú da memória, é esta a voz que surge perante muitos outros diálogos que vão surgindo. E sempre afligindo por dentro, dilacerando a alma.

“Ainda hoje guardo na boca o gosto daquele bolo de ovos e daquele doce de leite que a senhora fazia para tomar minhas rédeas. Ou faz assim ou não ganha bolo nem doce de leite”.

Ao redor o silêncio, mas a voz interior. Enquanto o vento sopra e canta sua canção da tarde, a memória vai buscar relíquias e a saudade insiste em chegar ao olhar.

“Ainda hoje recordo desse rosário de contas. E também do oratório no canto do quarto e a Bíblia na banquinha ao lado da cabeceira da cama. E suas mãos procurando um Salmo”.

Imagina que fechando o baú e caminhando um pouco pelos cantos do quarto, as memórias se dissiparão e enfim retomará apenas o seu instante de silêncio e solidão.


Mas não consegue. Fecha os olhos, cai um fio de lágrima, e as páginas do passado se abrem ainda mais visíveis diante de si. Álbuns, retratos, escritos, fotografias, relíquias.

“Mamãe, mamãe, por Deus como eu preciso encontrar aquela corrente dourada que um dia a senhora me presenteou. Tão belo o meu retrato descendo na pequena moldura”.

O cortinado se agita pela ventania que passou a soprar. As folhagens murmurejam ao redor, as árvores parecem gemer, mas nada disso percebe. Apenas a recordação tem voz.

“Um retrato que encontrei muito tempo depois, muito tempo depois da partida, daquele adeus tão próximo um do outro. Meu pai partiu de saudade, minha mãe, bem sei”.

Cai ao chão um jarro com flores de plástico. Uma folha seca avança pelo quarto e vai repousar bem acima do colo. Mas é como se nada acontecesse além da recordação.

“Meu pai nunca mais mostrou alegria depois de sua partida. Fingia felicidade, mas a tristeza o consumia por dentro. Chorava escondido, sofria escondido. E foi ao seu encontro”.

Depois de uma lufada de vento mais forte, então uma chuva começou a cair. Os pingos entravam pela janela como num açoite, molhando tudo ao redor. Mas nada era percebido.

“Depois disso a minha solidão. Por mais que a vida me chame a viver, sei que não posso me distanciar do passado. Ali toda a minha felicidade, ali o verdadeiro viver”.

Não sentia os pingos chegando até onde estava nem as lágrimas descendo em rios pelo seu rosto. Não sentia sequer que a escuridão agora tomava conta de tudo.

“Hoje somente retratos, somente lembranças, somente os retratos da parede. Minhas alegrias estão nos reencontros de todo dia e minhas tristezas também. E tudo dói demais”.

Tudo parecia noite fechada. Mas a noite havia chegado mesmo. Passou a mão pelo rosto e se percebeu chorando. Não era para chorar, não tenho motivos para chorar, disse.

E ao dizer sua voz cortou o silêncio. Em seguida levantou para guardar sua caixa de tristezas e recordações. Tudo dentro de um coração sofrido e amargurado.

Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário