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terça-feira, 15 de março de 2016

VELHO CHICO: PRIMEIRAS IMPRESSÕES DE UM RETRATO NORDESTINO

Por Rangel Alves da Costa*

Ontem teve início a novela Velho Chico, da Rede Globo. Nas primeiras cenas, no núcleo ribeirinho da trama, logo foi possível a fidelidade na narrativa, nos episódios e no contexto social, histórico e geográfico. Um tempo de coronéis, de desditas de sangue, de explorados e de padecentes pelas secas grandes.

Como mostrado, as barrancas ribeirinhas do passado, quando o Rio São Francisco ainda corria pujante e caudaloso, grandes propriedades se estendiam desde suas margens. Era um tempo de coronéis, de senhores de poder e posse, de uma gente potentada que fazia da exploração - do homem e das águas - aquelas distâncias existir.

Coronéis de terno de linho branco, chapéus importados sobre a cabeça, charutos sempre presentes nos dedos, de olhos brilhosos e bocas acostumadas ao mando, a dizer sobre os destinos de todos. Uma classe endinheirada que mandava seus filhos às capitais em busca de anéis e formaturas para dignificar as raízes familiares. E tal aspecto foi mostrado no primeiro capítulo da novela, onde um jovem filho de coronel se esbalda nas facilidades da cidade grande.

Aquele primeiro confronto havido entre o Coronel Jacinto de Sá Ribeiro e o Capitão Ernesto Rosa, quando as armas foram puxadas e o sangue não jorrou pela interferência do velho padre, bem retratou as desavenças constantes entre os poderosos de então. Contudo, diante da menor patente econômica de um perante o poder do outro, a situação seria resolvida de outra forma, com a encomendação de morte mesmo.


O coronel barranqueiro de antigamente não puxava, ele próprio, a arma para fazer o serviço, para matar. Mantinha homens destinados exclusivamente à prestação dos serviços da tocaia, da emboscada, da vileza sanguinária. Eram os jagunços, ou profissionais da morte sob as ordens de seu patrão, que se encarregavam de todo o feito, bastando que o sinal fosse dado para que a desfeita se transformasse em tiro certeiro.

Envolvendo ainda o Coronel Jacinto, afrontado por um capitão destemido, as consequências desse fato geraram situações não muito usuais naqueles tempos coronelistas. Primeiro, o coronel afrontado não foi mostrado perante os seus jagunços, perante frios assassinos que estariam esperando apenas receber ordens para tingir de sangue a desfeita. Pelo contrário, mostrou um coronel abatido, amargurado, quase um solitário entremeado de remorsos a abandono.

Em segundo lugar, não era costumeiro que um coronel procurasse outro coronel para que este providenciasse o serviço de sangue. Não, pois cada coronel possuía seus próprios jagunços. Mas o que se viu na novela foi o coronel confrontado se servindo de outro para a empreitada de morte do capitão. Este sim, mesmo não tendo jagunços a seu dispor, certamente tinha amigos muito interessados no fim do poderoso da região, tido e havido como um explorador de sertanejos empobrecidos, vitimados pela seca.

A seca escorrendo debaixo do sol e o rio correndo mais adiante, assim os contrastes nordestinos. Tal fato não foi esquecido no primeiro capítulo de Velho Chico. As terras sertanejas queimadas pela seca grande, a vegetação acinzentada de dor e sofrimento, bicho e homem sofrendo, retirantes pela estrada, um carro de bois levando o que restava da vida de uma família. E se despedindo de um amigo que jurou jamais sair do seu chão, ainda que a esposa grávida muito desejasse seguir pela mesma estrada.


Contudo, a mais impressionante das cenas não foi a da esposa do coronel remoendo sofrimentos pela perda de um filho nas águas do rio, o amor confessado pelo jovem Afrânio à beira do mar nem quando o velho poderoso entra na casa negando sua culpa pelo acontecido com o filho e o sofrimento da esposa, para depois enfartar e desabar ao chão, mas uma cena envolvendo um drama sertanejo a cada seca que chega.

E foi uma cena forte demais, talvez desnecessária como mostrada. Se aquela vaca estava realmente fragilizada daquele jeito, lançada ao chão pela magreza e falta de forças para se sustentar, a Globo, em nome da dramaturgia, negligenciou a lastimável situação e ainda causou terrível sofrimento ao animal, que foi puxado para cima e pra baixo e depois prostrada na terra. É assim mesmo que acontece no sertão, mas a novela bem que poderia ter evitado mostrar tal padecimento e com veracidade tamanha. Talvez grupos protetores dos animais peçam maiores explicações pelos maus tratos explicitamente provocados.

Eis, assim, as primeiras impressões sobre Velho Chico. Com erros e acertos, teve um bom início. Resta saber o que vai acontecer quando Afrânio retornar e começar a enfrentar o Capitão Ernesto Rosa.

Poeta e cronista
http://blograngel-sertao.blogspot.com

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