*Rangel Alves
da Costa
Mais uma vez
retorno ao meu berço de nascimento para reencontrar e abraçar as mais profundas
raízes da terra. Nas suas profundezas, as primeiras gestações, as primeiras
sementes, e que foram vingadas em imponentes frutos e troncos familiares.
Minha terra é
sertaneja, é matuta, é cabocla. Num passado distante, quando ainda a mata
nativa e seus habitantes prosperavam por todo canto e por todo lugar, a terra
nua sequer imaginava em acolher no seu ventre uma raça tão devotada ao seu
chão.
Quando o
homem, abrindo caminho rumo aos sertões pelas águas do Velho Chico, aportou nas
suas margens, e destas beiradas foi adentrado ao longe desconhecido, então os
primeiros passos estavam dados ao que somos hoje.
E o que somos
hoje é de uma feição sertaneja tão bem descrita por Euclides da Cunha: Antes de
tudo, um forte. O que somos hoje é de uma raça de incansável luta e contínua
esperança. O que somos hoje é de uma inigualável característica: filhos
devotados ao seu ventre na terra.
Assim, desde
aqueles idos, onde as primeiras penetrações mata adentro foram abrindo caminhos
à formação de um povo, de uma raça típica e peculiarmente sertaneja, que se tem
como sertão o singelo retrato de uma gente que a cada dia vai confrontando as
dificuldades das intempéries naturais para sobreviver.
E foi dessa
constante luta que nasceu e vingou a força do povo sertanejo. Desde aqueles
primeiros colonizadores até os dias de hoje, sempre a força de um povo para
vencer as secas e as estiagens, para combater os esquecimentos do poder, para
prosperar e persistir na existência ante as angústias e os sofrimentos.
Uma vez em
cima da terra, logo o surgimento do primeiro casebre, da primeira moradia de
barro e cipó, logo o primeiro curral, o primeiro plantio, a primeira colheita.
No fogo de chão o prato do dia, mais adiante a vaquinha e o garrote pastando, e
por todo lugar uma vastidão sertaneja ainda a ser preenchida.
Dos pais, os
filhos. Destes filhos, outros filhos, gestando o que se tem por geração
sertaneja. Das casinhas, o surgimento de outras moradias, mais fortes,
aconchegantes e até imponentes para um sertão marcado pela constante falta de
chuvas, dificuldades na criação de animais e carência de alimentos da terra.
Uma vida de
vaqueiros, de coletores, de caçadores, de comboieiros, de artesões do couro, de
pequenos ofícios, de trabalho na terra. Nas mãos a enxada, a foice, o facão. Na
cabeça o chapéu de couro, nos pés o roló de couro cru. Na vida vaqueira, o
cavalo, o gibão, a perneira, a sorte e o destemor para lidar com bicho brabo
embrenhado num mundo de catingueiras e garranchos.
Um mundo de
João, de Maria, de Antônio, de Sebastiana, de Pedro, de Josefa, de Manoel, de
Raimunda, um mundo tão sertanejo. O menino barrigudinho brinca na malhada com
ponta de vaca enquanto sua mãe bate o pilão para depois peneirar e fazer o
café, preparar o alimento de cada dia.
Dia após dia e
o duro ofício da sobrevivência. O sertão se fez assim, no trabalho árduo de
pessoas simples e sonhadoras, de pessoas humildes e compromissadas com o seu
amanhã. Ante os sofrimentos causados pela terra esturricada de sol, somente a
fé para manter viva a esperança nos corações. Daí a profunda religiosidade de
um povo que sempre esperou em Deus sua força para viver e vencer.
Sou de um
mundo assim, desse mundo tão sertanejo. Nasci do útero da terra seca, árida,
tantas vezes esturricada. Mas também de um jardim onde florescem os mais belos
gestos de vida e de onde brotam as mais ricas sementes de fé e esperança. E de
uma contínua primavera nos gestos acolhedores dos mais humildes. Quanto mais
humilde for o sertanejo mais ele terá o coração do tamanho de seu vasto mundo.
O meu povo, o
povo sertanejo, é uma gente apenas orgulhosa de seu mundo. Do mais humilde ao
mais alavancado na vida, sempre o prazer incontido de ter nascido e ser filho
de uma terra grandiosa em tudo. Se há muita pobreza e sofrimento, inegável que
há muito mais riqueza na história, na cultura, nas tradições. Inegável que há o
dom da inseparável identidade entre a terra e o próprio sertanejo.
Por isso que
bebo sedento nas mais profundas raízes da terra. Uma sede saciada no amor e no
orgulho de filho. E sempre um gole prazeroso de ser tão sertanejo.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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