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quarta-feira, 1 de março de 2017

LAMPIÃO E PE. CÍCERO - 80 ANOS DEPOIS


Publicação: Diário do Nordeste de 04/03/2006
Antônio Vicelmo

No dia 2 de janeiro de 1926, o deputado federal Floro Bartolomeu, eleito com os votos do Padre Cícero, chegava de trem a Juazeiro do Norte, designado pelo presidente da República, Arthur Bernardes, para impedir que a Coluna Prestes invadisse o Sul do Ceará. Vinha acompanhado pelo major Polidoro Coelho que, no mesmo dia, partiu para Campos Sales à frente de 360 soldados do Exército. Floro ficou no Juazeiro para organizar os chamados Batalhões Patrióticos, exército particular com mais de mil jagunços. No dia 9 de janeiro de 1926, a tropa irregular partiu para Campos Sales. Chegando àquela cidade, muito cedo, Floro desentendeu-se com o major Polidoro que retirou-se com sua tropa para Fortaleza, deixando os patriotas sozinhos para lutarem contra os mais de 2.000 soldados invencíveis da Coluna. Foi nesse momento de apreensão que o coronel Pedro Silvino, chefe do Estado maior de Floro, trouxe à sua presença João Ferreira dos Santos e seu irmão Ezequiel Ferreira. João era um dos contratados para transportar os carregamentos de munição, mas o que era mais interessante é que ele era irmão do mais célebre dentre todos os cangaceiros do sertão, Virgulino Ferreira da Silva, vulgo Lampião. Chegou-se à conclusão que o cangaceiro, cujo nome era uma legenda de valentia, deveria ser convocado. O posto seria de capitão comissionado e, se bem sucedido na campanha, receberia do presidente da República o indulto pelos seus crimes. O convite veio de Campos Sales para Juazeiro, em mãos do rábula José Ferreira de Menezes. Lampião era muito sagaz e se, além da assinatura de Floro, a carta não tivesse a do Padre Cícero, ele jamais atenderia ao convite. Um dos empregados de João Ferreira, por nome Zé Dandão, viajou então para a Fazenda Piçarra, em Macapá, hoje Jati, onde morava Sebastião Paulo, primo legítimo de Lampião e juntos, com o convite a tiracolo, foram para o Pernambuco à procura de Lampião. Ainda hoje, há quem afirme que foi o tenente Francisco das Chagas o encarregado de procurar Lampião, o que não é verdade. Esse senhor ficou em Campos Sales e no dia 22 de Janeiro de 1926, quando a Coluna Prestes invadiu o Ceará pela região dos Inhamuns, participou da perseguição aos revoltos através do Ceará, Paraíba e Pernambuco indo encontrar-se com o célebre cangaceiro somente em fins de fevereiro daquele ano, quando então falou com Lampião sobre o assunto. No dia seguinte, Floro telegrafou para o rábula José Ferreira em Juazeiro: “comunique ao nosso amigo, que não é preciso mais Lampião, povo já seguiu perseguição revoltosos”. No mesmo dia, gravemente enfermo, empreendeu sua última viagem, de Campos Sales para o Rio de Janeiro, aonde viria a falecer às 5 horas da tarde do dia 8 de março de 1926, com 50 anos de idade. Lampião recebeu o convite ainda em Janeiro. Conversou sobre o assunto com o célebre coronel Manoel Pereira Lins, vulgo Né da Carnaúba, líder da família Pereira do Pajeú, seu amigo, que confirmou a autenticidade do documento. Por isso, quando se encontrou, por acaso, com o tenente Chagas, que voltava com seus homens para Juazeiro, resolveu acompanhá-lo. Seria mais seguro ir àquela cidade em companhia de uma das tropas do Batalhão Patriótico. Por essa época, a Coluna Prestes já estava atravessando o rio São Francisco em direção à Bahia. No dia 2 de março de 1926, Lampião, vindo de São José de Belmonte, entrou no Ceará pelo distrito de Macapá, hoje Jati, aonde confraternizou com um destacamento da polícia do Ceará, sob o comando de tenente Veríssimo, que o presenteou com um Smith & Weston “novinho em folha”. No dia seguinte, amanheceram na Fazenda Piçarra, de Antônio Teixeira Leite, onde almoçaram mais de 100 pessoas entre cangaceiros e soldados do Tenente Francisco Chagas. Daí rumaram para o Sítio Laranjeiras, de Antônio Pinheiro, onde todo o grupo pernoitou. No dia seguinte, uma quinta-feira, ainda escuro, a tropa mista prosseguiu viagem para a serra-do-mato, do coronel Antônio Joaquim de Santana, amigo e coiteiro de Lampião. Ainda em Barbalha Lampião recebeu uma carta de Juazeiro do Norte enviada por um certo Dr. Pedro de Albuquerque que dizia não ser mais necessária a sua presença naquela cidade. O cangaceiro ignorou a mensagem e, à tardinha, chegou aos arredores da Meca do Cariri ainda acompanhado do tenente Chagas, ao todo 23 cangaceiros e mais de 70 patriotas. Acomodou-se, então, com seus homens, na Fazenda Nova, pertencente a Floro. O delegado local, sargento José Antônio da Coan, começou a reunir homens armados para atacá-lo, mas foi, de imediato, repreendido pelo Padre Cícero que lhe disse que Lampião estava ali a convite do Dr. Floro para prestar seus serviços ao governo federal. Na verdade, já se havia preparado, com antecedência, um sobrado na rua da Boa Vista para acomodar o bando. Na calçada em frente ficava a casa do seu irmão João Ferreira, casado com dona Joaninha, quase vizinho às casas de dona Maria Ferreira, sua irmã, casada com Pedro Queiroz, onde moravam também Ezequiel e Anália, solteiros, e de Angélica Ferreira, casada com um rapaz do Rio Grande do Norte chamado Virgílio Fortunato. Já tarde da noite, o bando veio hospedar-se no hotel improvisado que pertencia ao poeta João Mendes. Na noite seguinte, o Padre Cícero foi ao seu encontro, em um automóvel dirigido por Mestre Luiz, em companhia do rábula José Ferreira e de José Gonçalves, chefe de sua segurança pessoal. Depois de muito conversarem, o Padre mandou convidar o funcionário do Ministério da Agricultura, Pedro de Albuquerque Uchoa, pessoa muito querida da sociedade local, muito culto era, quase que o orador oficial de todas as solenidades importantes da cidade, para participar da reunião. Em uma folha de papel almaço foi elaborado um documento que nomeava Virgulino Ferreira da Silva capitão comissionado dos Batalhões Patrióticos. Tal patente seria obviamente de caráter provisório e teria a duração da finalidade e da existência dos referidos Batalhões. Na verdade, a patente era semelhante as que haviam sido entregues aos demais oficiais comissionados na época assinadas por Floro, mas como o deputado não estava presente, a mesma teve que ser assinada por Pedro Uchoa, único funcionário federal presente. Redigida em 5 de março de 1926, foi datada de 12 de março do mesmo ano, assim só teria validade quando o agora defensor da legalidade estivesse com seus homens longe do Juazeiro cumprindo a missão assumida, eufórico, mostrando por onde passava o documento que, para bem da verdade, esteve nas mãos de muitos homens de bem que confirmariam depois a sua real existência. Louvável a atitude do Padre Cícero sob todos os aspectos, senão vejamos: Como político, o referido sacerdote foi prefeito do Juazeiro de 1911 a 1929, com breve período de ausência durante o Governo Franco Rabelo. Correligionário do presidente Arthur Bernardes, e maior líder político do Ceará, não poderia deixar de lançar mão de todo e qualquer recurso necessário ao combate eficiente ao avanço da Coluna Prestes. Como amigo não poderia deixar de colocar sua assinatura ao lado da de Floro, a pedido deste, nem na sua ausência deixar de substituí-lo na recepção a Lampião, nem na concessão da patente por ele prometida. Afinal Lampião nas estradas era uma ameaça constante para milhares de romeiros que lhe faziam doações de centenas de contos de réis todos os anos para suas obras de caridade cristã. Existem estudiosos, no entanto que afirmam que um santo como o Padre Cícero seria incapaz de tal atitude e afirmam que tudo foi uma brincadeira urdida por Benjamim Abraão, secretário do Padre Cícero, e Pedro Uchoa para enganar Lampião. Na verdade ninguém no Juazeiro, por medo de Floro, por respeito ao Padre Cícero, enfim por termos de uma reação futura do Rei do Cangaço teria coragem de fazer tal brincadeira de mau gosto. Mas, voltemos ao fio à meada, no dia seguinte Lampião recebeu dezenas de fuzis do Exército e farta quantidade de munição, além da indumentária necessária e demais equipamentos indispensáveis a sua tropa. A tarde concebeu uma demorada entrevista ao médico cratense, Dr. Otacílio Macedo, irmão do brigadeiro Macedo, e se deixou fotografar com seus familiares e com seu bando pelo senhores Lauro Cabral de Barbalha e Pedro Maia do Crato. No dia seguinte, um domingo, deixou a cidade do Padre Cícero rumo a Pernambuco, passou pelo Caldas em Barbalha, por Jardim e, enfim, entrou na sua terra natal pelo município de Serrita. Agora acompanhado por quase 100 homens armados. Em pouco tempo desistiu de perseguir a Coluna Prestes, quando foi informado que, por uma boca só, todos os oficiais da Polícia pernambucana afirmava que o atacariam aonde quer que o encontrassem. Inconformado com a situação, o capitão Virgulino Ferreira atravessou novamente a fronteira para o Ceará para pedir o apoio do Padre Cícero, às 8 horas da noite do dia 8 de abril, acompanhado por oito homens e, a cavalo, atravessou o município de Barbalha em direção a Juazeiro do Norte e só na tarde do dia 10 de abril de 1926 estava de volta. Para a imprensa, o Padre Cícero, que vinha sendo muito criticado pela recepção ao cangaceiro, afirmou que se recusara a recebê-lo embora admitisse seus bons propósitos. Para Antônio da Piçarra, Lampião afirmou que foi recebido pelo Padre Cícero na noite do dia 9 de março de 1926, noite de muita chuva em que a água dos pequenos riachos encostava na barriga dos cavalos. O padre que veio de automóvel dissera-lhe que não podia obrigar a polícia de Pernambuco a aceitar a sua patente e que não podia fazer mais nada; Floro morrera, os batalhões tinham sido desmobilizados e que a Coluna Prestes se encontrava em Goiás, que ele deveria dissolver o bando e ir embora para bem longe, recomeçar a vida e ser feliz e que, se assim não o fizesse, que pelo menos não mais bulisse com seus romeiros nem com o estado do Ceará. A imprensa da época noticiou que o bandido voltou furioso para o Pernambuco ameaçando atacar Barbalha na sua passagem por aquele município, o que não passou de alarme falso. Quando chegou à terra natal, já estava roubando e seqüestrando por resgate. Voltara a ser o Rei do Cangaço no Sertão, embora durante o resto da sua vida tenha se autodenominado Capitão Virgulino Ferreira da Silva. Em toda sua carreira de cangaceiro, Lampião chegou ao Juazeiro com o Padre Cícero, ao ponto mais próximo de sua reabilitação: a regeneração do cangaceiro, que teria sido uma das estrelas mais brilhantes da coroa do venerado sacerdote.

Magérbio de Lucena médico e escritor, autor do livro “Lampião e o Estado Maior do Cangaço”



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