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sábado, 2 de setembro de 2017

A SEGURANÇA DO RASO DA CATARINA É QUEBRADA


Os grupos e bandos de bandoleiros das caatingas nordestinas tinham por obrigação, para não serem mortos e/ou presos rapidamente, que terem um local onde pudessem curar as feridas dos feridos, descansar um pouco e recuperar as energias gastas nas inúmeras e longas caminhadas empreendidas em suas missões de extorsões, roubos, mortes e todo tipo de agressividades que dispunham a praticar aos moradores de pequenos Povoados, Vilas e pequenas cidades nos interiores dos Estados onde se deu o fenômeno.


Lampião, depois de ‘migrar’ com alguns de seus homens para as terras do Estado baiano, antes de começar a ‘agir’ nele, procurou estender, criando, como fizera em outras paragens, uma rede de colaboradores e informantes a peso de ouro, suor e sangue. Esse cuidado, ou essa tática, foi o que colaborou para torná-lo o chefe cangaceiro de maior longevidade no comando, tendo durado seu “sangrento reinado” quase vinte anos e alcançado sete dos nove Estados da Região Nordeste. Esses ‘colaborados’ estavam nas diversas camadas sociais. Desde a base, daquele roceiro, morador de uma casa de taipa até grandes comerciantes, latifundiários, políticos e militares. Todos tinham seus deveres e obrigações, sendo estas de muita importância para proteger e manter de provisões o bando, assim como informar movimentos de tropas e lugares desprotegidos onde poderiam atuar sem tanta preocupação. Sem temer um confronto direto, o que não seria nada agradável para eles, pois se corria o risco de perderem vidas, armamento, comida, roupas e munição, o que era caríssimo, apesar do dinheiro usado para comprar ser produto do crime.


No Vale do Pajeú das Flores, nos sertões paraibano, alagoano, sergipano e norte-rio-grandense, assim como no cariri cearense, o “Rei do Cangaço” tinha a seu dispor grandes extensões de terras bravias, elevadas e de terreno bastante pedregoso, tornando-se uma proteção natural, muito difícil de locomover-se, até mesmo impossível, às vezes, de continuar no seu encalço, na sua perseguição, o contingente das Forças Publica. Ainda usufruía a ‘proteção’ e colaboração de diversos ‘coronéis’ nessas e em outras paragens próximas.

Ao mudar-se para Bahia, Virgolino tinha a obrigação de conseguir, arranjar, lugares como aqueles para descansar, recuperar e planejar seus novos ataques. Porém, as terras em que se encontrava não tinham os mesmos acidentes geográficos que tinha o interior dos outros Estados. No entanto, descobre uma fortaleza natural em forma de extensão, desértica e com raríssimos lugares onde se encontrava água e comida, para servir de via de escape para ele e seus homens, o Raso da Catarina. Entrar naquele ‘deserto’ sem saber onde ficava os raros pontos que tinham acumulo do líquido raríssimo, significava a morte certa. E corria-se o risco de morrer de uma maneira dura, cruel e demorada, pela sede. Já vislumbramos diversas e diversas literaturas sobre o tema, mas em nenhuma encontramos a data correta nem como o pernambucano chefe cangaceiro sabia mover-se no interior de tão vasto e perigoso vale. Como isso fora possível? Será que em sua ida, anteriormente a definitiva em fins de 1928, Lampião, prevendo uma possível mudança de ares radical, já havia recolhido informações sobre aquela fortaleza natural? Provavelmente.


No princípio, as volantes não se atreviam a entrarem naquele vale, mesmo estando bastante visíveis os sinais por onde os cangaceiros entravam. No interior daquela mata, desconhecida e desértica, era onde estava o grande inimigo, além, claro, daquele que estavam a caça-lo, Lampião e seu bando de cangaceiros. Diversos homens valentes que comandavam suas volantes, não entraram, e quando entravam era um Deus nos acuda depois de 15 ou vinte dias de caminhada naquele terreno arenoso, fofo e traiçoeiro, tendo como aconchego o calor calcinante do sol abrasador ou o frio das noites escuras do Raso da Catarina.

“(...) As perseguições que lhes eram feitas cessavam às portas do Raso sinistramente escaldante. Os soldados mais valentes recuavam sempre frente ao deserto imenso. Assim fora com o tenente Ladislau, ... com o tenente Manoel Neto, Arsênio de Souza, ... com o capitão Philadelpho Neves, ... com o sargento Luiz Mariano, assim finalmente (fora) com todos os seus perseguidores, por mais valorosos e destemidos (que fossem) (...).” (“Lampião – O Cangaceiro”- LIMA, João de Sousa. 1ª Edição. Paulo Afonso, BA, 2015)


Essa ‘peleja’ durou bastante tempo, bandoleiros praticavam seus crimes e eram perseguidos até a ‘porta’ do Raso da Catarina. Em determinada época, o comandante Manoel Neto parte para dentro do Raso na perseguição aos cangaceiros. Depois de vários dias sem terem êxito, parecia estarem perseguindo fantasmas, os homens estão todos famintos, com muita sede e nus. Suas roupas foram rasgadas pela ponta dos espinhos que tinham na mata. Para retornarem, fora necessário o comandante ir enrolado em um lençol até a Delegacia, ou onde focavam arranchados os policiais da cidade, para que providenciassem vestimentas para os homens que tinham ficado dentro do mato, todos sem roupas, poderem entrar na povoação.

Todo militar levava consigo alguns víveres para alimentar-se por alguns dias. Não podiam levar muita comida e água, devido ter que em, nos bornais, farta munição e o fuzil nos ombros ou em uma das mãos, chegando ao peso máximo de, mais ou menos, 30 quilos, que um homem podia transportar naquelas condições, portanto, em torno de cinco para seis dias, mesmo economizando ao máximo, ficavam sem suas rações, valendo-se do que a caatinga lhes proporcionavam. Assim a coisa permaneceu até que, como já é rotineiro, a traição contribui para ser mudado. Colhendo, ou retirando na marra, na força da ponta do punhal ou nas chibatadas do cipó - de – boi, informações de um coiteiro, ou ex coiteiro, sobre o interior do vale, o coronel João Félix, auxiliado pelo tenente Manoel Sampaio, conseguem fazer um levantamento de como era aquela área. A partir daí, com as informações em mãos, as volantes adentram no deserto vale e conseguem desentocar as feras humanas que o tinham feito de ‘forte natural’, de abrigo seguro. O cangaço lampiônico, já bastante chamuscado, começa a ser dilacerado com a invasão da sua ‘toca’.


“(...) a campanha que ora se faz vem obedecendo a um plano meditadamente estudado, friamente estabelecido (...) com a anotação de todas as suas particularidades, para o que tiveram a colaboração eficaz de um antigo “coiteiro” dos bandidos (...).” (Ob. Ct.)

Geremoabo, cidade baiana localizada próximo ao Raso da Catarina, e centralizada no perímetro onde os bandoleiros faziam a maioria das suas incursões, é feita de QG das Forças Volantes da Bahia. Sabedores dos movimentos do bando comandado pelo cangaceiro alagoano Cristino Gomes, o perigosíssimo “Corisco”, para os lados de uma localidade chamada de bebedouro, o Comandante Geral das Forças contra o banditismo na Bahia ordena que o tenente Ozório Cordeiro parta com seus homens em perseguição ao mesmo.


É necessário dizer-se que, quando recebe essa ordem, o tenente Ozório não tinha em mãos os ‘estudos’ realizados sobre o Raso da Catarina, simplesmente por os mesmo ainda não terem sido feitos. Pois bem, quando saiam em perseguição, as volantes não sabiam por onde iriam caminhar nem tão pouco quando seria a sua volta. Sabiam, com certeza, que poderiam encontrar a morte oculta, escondida, em qualquer das várias, das inúmeras, moitas ao longo da trilha que teriam que passar.

Tendo que ter um ponto de partida, a volante composta pelos Nazarenos busca informações sobre os cangaceiros em Bebedouro. Antes, porém, são sabedores que eles já haviam praticados seus crimes em outros lugares. Na tentativa de encurtarem caminho e toparem com o bando, procuram encurtar caminho tomando outra direção. Quando estudamos essa parte da história do cangaço, temos a nítida impressão de que as ações praticadas por determinado grupo de cangaceiros, era para deixarem, de propósito, uma trilha fácil de seguir. Corisco, nessa investida, até incêndio ordena que se faça, além dos costumeiros atos de selvageria com as pessoas. Deixando um rastro de sangue e lágrimas para que os soldados das volantes o seguissem.


Em determinado momento dessa fuga e perseguição, Corisco recebe notícias do chefe mor através de um informante. As ordens do chefe seriam para que ele seguisse em direção ao Raso da Catarina onde estaria a lhe esperar. A Força nota, através dos estudos dos sinais deixados, a manobra que o grupo que perseguiam fizera. Apressam-se com o intuito de não permitirem sua entrada no grande vale deserto, porém, não foi possível impedir.

Faziam parte dessa tropa perseguidora, vários homens calejados pela espingarda, em torno de 34 volantes, dentre esses estavam os veteranos nazarenos Euclydes Flor e João Cavalcante que desde os primeiros anos da década de 1920 vinham a darem combate a Lampião. Quando a tropa nota que o bando entrou no vale, prosseguiram no encalço do mesmo, apesar de vários moradores próximos ao início do Raso os terem aconselhados para retornarem.


“(...) A entrada do Raso, diversos sertanejos procuraram dissuadi-los da empresa (...) Mas nada os demoveu. Onde os bandidos entravam, eles não podiam deixar de entrar (...).” (Ob. Ct.)

Seguros por acharem que a tropa não os perseguiria dentro do Raso, como das outras vezes, os cangaceiros pouco se importaram de esconder sua passagem, deixando uma trilha fácil de ser seguida. Para os cangaceiros, já acostumados com o novo ambiente, a recolhida quando chegava à noite, já era prevenida e podiam acender fogo para fazerem alguma comida e os aquecerem. Já os soldados não podiam fazer fogo para não denunciarem sua presença. Para dormirem, o cobertor eram as folhas que estavam no chão. Assim, os dias e as noites foram passando e, a cada instante, o inevitável embate ficava mais real. A certeza do combate ajudava os soldados a esquecerem do desgaste em seus corpos, da fome de vários dias e a sede terrível que tanto os maltratava. Eles caminhavam até não poderem mais, devido à escuridão, porém, levantavam muito cedo para continuarem a perseguição. Essa atitude fez com que ganhassem terreno, diminuindo a distância entre eles e o bando. De repente escutam vozes. São os cangaceiros que estão a se vangloriarem de seus feitos. Dentre o som das vozes, nitidamente os soldados divisaram as vozes femininas. Tinha mulheres no acampamento.


Das vestes daqueles bravos guerreiros só restavam tiras de panos. As mesmas foram rasgadas pelos galhos e espinhos das árvores rasteiras, baixas, predominância do bioma do Raso. Os homens são divididos e ordenados avançarem com cautela, sem produzirem ruídos dilatadores. A certa altura, quando a tropa fechava o cerco, é ordenado que os mesmos colocassem balas na agulha das armas, assim fora feito. Um jovem e inexperiente soldado, ao manobrar seu mosquetão, não só coloca a bala na agulha da arma como faz com que ela dispare, acidentalmente, involuntariamente, retirando assim o ataque surpresa onde teriam sido abatidos ou presos a maioria dos cangaceiros ali acoitados.

A batalha tem seu início. O tiroteio é intenso. Gritos, palavrões e desaforos são ditos de ambas as partes. Em um minuto, ocorrem tantos disparos que o som torna-se ensurdecedor. Os pássaros da mata se calam e as árvores e cactos são transpassados por inúmeros projéteis saídos das armas de ambos os lados. O cheiro, ou odor, de pólvora queimada é levado pela reles brisa, e a fumaça deixa impossível alguém vislumbrar alguma coisa a poucos metros de distância. No meio do tiroteio um soldado é atingido e tomba sobre a terra branca e fofa do Raso. Aproveitando uma pequena trégua involuntária por parte da tropa atacante, e o fumaceiro servindo de cortina, os cangaceiros dão as costas e caem fora.

As coisas não foram nada boas para o lado dos bandoleiros. Além de vários feridos, tiverem de abandonarem a presa que tinham feito na última ação contra os sertanejos indefesos, moradores das regiões por onde fizeram seus ataques e as coisas roubadas e/ou compradas para suas companheiras. Mas, o pior de tudo, fora que seu esconderijo seguro, sua fortaleza natural acabara-se naquele ataque, o Raso da Catarina não era mais um mistério para as Forças Volantes.

Fonte “Lampião – O Cangaceiro”- LIMA, João de Sousa. 1ª Edição. Paulo Afonso, BA, 2015
Foto Ob. Ct.
Benjamin Abrahão
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