*Rangel Alves da Costa
No alto da montanha, o grito, o uivo, o brado em meio à noturna escuridão. No alto da noite, o mesmo grito, o mesmo uivo, o mesmo brado na noturna e soturna escuridão. Lobos e homens vivem seus instantes, seus dramas, suas angústias, suas saudades suas aflições.
E assim por que a noite do lobo é também a noite do homem. Não de todo lobo. Não de todo homem. No animal ou na pessoa há de existir todo um contexto propício para se reconhecer dentro da noite do lobo. E na noite do lobo sempre a solidão, a angústia, o sofrimento, a saudade, a mais triste desolação.
Os lobos são animais noturnos. Até se torna fácil imaginá-los por cima dos montes, com a cabeça voltada pra lua, seus dentes afiados sobressaindo e os uivos, os longos e tristes uivos sendo ecoados. Mas por que os lobos uivam tanto e sempre procuram lugares bem altos, geralmente rochedos e montanhas, para expressar sua solidão? Não seriam de tristeza, aflição, angústia, desespero, dor do abandono, os uivos dos lobos?
Dizem que os lobos uivam para espantar as dores, angústias e aflições aprisionadas dentro do peito, para se fazer ecoar nas sombras da noite, para gritar seus lamentos nas montanhas enluaradas. Mas dizem também que os gemidos altos e estridentes nada mais são do que o mais angustiante e doloroso brado de um coração que não mais tem por quem clamar.
Mas outros, talvez pretendendo negar o poder sentimental dos lobos, dizem apenas que o uivo é o meio através do qual eles mantêm contato entre si. Contudo, não negam que esses sons, muitas vezes assustadores aos ouvidos humanos, são emitidos para manifestar os mais diversos sentimentos. Daí reconhecerem que os lobos possuem outras motivações nos seus lamentos. Ressentem-se das saudades e relembranças, mas a principal delas é mesmo a necessidade de gritar contra as agruras do mundo.
O uivo gritante dos lobos contra as asperezas da realidade ecoa com feições de revolta, de indignação, de enraivecimento, repulsa, ira, enojamento, fúria, insurreição, insurgência; enfim, tudo aquilo que possa se resumir numa única sentença moral: Não aceitar a realidade como ela está sendo, impiedosamente, imposta. Então o lobo faz de seu grito um brado dizendo não, uma forma de negar o seu contentamento com a realidade.
Diante do que foi dito acerca dos lobos selvagens e seus uivos, urge perguntar: Por que tantas pessoas sobem nas montanhas, em noites do mais cortante entristecimento? Por que parece se ouvir gritos, ruídos, lamentos, chamados aflitos, verdadeiros uivos de lobos solitários? Por que parece que faces se voltam pra lua e corpos de braços abertos querem encontrar significados para suas noites, seus instantes de solidão, suas vidas solitárias?
Não possuem caninos afiados, não assustam, não são apavorantes como os lobisomens nem selvagens quanto os lobos, mas verdadeiras matilhas vagam pelos ares da noite procurando aquilo que não conseguiram encontrar durante o dia. O dia inteiro na esperança de uma lembrança ao anoitecer, um telefonema, um encontro marcado, um toque na porta e nada.
Ora, pessoas tão normais, tão alegres, fagueiras, parecendo sempre felizes e contentes e basta se aproximar o anoitecer e vão se transformando totalmente. Mas também todo mundo sabe que as angústias, as dores da solidão e outros sentimentos não andam tão visíveis assim pelos rostos.
Talvez seja por isso que todas as feições exteriores de determinadas pessoas, inclusive suas roupas, seus pertences e seus luxos nada mais são do que falsas couraças encobrindo ou tentando esconder verdadeiros lobos que não veem a hora da noite chegar, a lua descer suas cores de abandono, para subirem nas suas montanhas para os uivos de sempre.
Talvez nem fechem bem as portas atrás de si para se transformarem em lobos. Ali à frente, logo ao primeiro olhar, na montanha mais alta do quarto, da sala ou da varanda, estará sempre a lua repousando sobre a fotografia, sobre a carta esquecida em cima da escrivaninha, sobre os restos de um amor que nunca foi esquecido. E então vão surgindo os uivos, os tristes uivos de lobos tão solitários.
E as matilhas vão vivendo os seus dilemas, buscando suas explicações, como se aqueles uivos molhados de uísque, cheios de fumo dos cigarros, molhados pelos lenços que se espalham ao redor, fossem trazer respostas.
Nunca trazem porque as montanhas sempre estarão no mesmo lugar à espera de seus lobos e estes animais indomáveis parecem não querer conhecer outras paisagens que transformem seus gritos em leves cantos nem passear pelos trigais que tão belamente brilham ao anoitecer.
Noites assim, de lobos e homens, de uivos e gritos. Enquanto a lua brilha ou se esconde por trás das nuvens, as vastidões distantes e os quartos fechados ouvem e sentem suas presenças. Quase um lancinante miado agourento de gato em cima do telhado, mas apenas o lobo na sua noturna dor.
Escritor
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