*Rangel Alves da Costa
Os modismos musicais avançaram sobre tudo e sobre todos. Apenas raramente se encontra aquele que abdica da música da vez, sempre repetida no rádio, para se voltar exclusivamente ao seu cancioneiro.
Muita gente ainda preserva as raízes musicais. Música sertaneja não é esta romantizada, de sofrência ou de duplas cabeludas, e sim aquela saída da viola de pinho, da Matutice violeiro e com versos tão singelos quanto o próprio homem da terra.
Contudo, há um tipo de música que jamais desapareceu da voz do povo. Logicamente que do povo do mato, aquele de moradia mais afastado dos centros urbanos, na vizinhança e ladeado com a catingueira, a aroeira, o mandacaru, o xiquexique, a bicharada ainda existente.
São canções tão antigas que ninguém mais sabe sobre o seu surgimento. Estão nas raízes populares e hoje são tidas como parte do acervo da memória coletiva. Passadas de geração a geração, de repente uma neta canta a mesma canção entoada por sua bisavó.
“As pedras choram de dor
e eu choro pelo meu amor
sou agora pedra em pedaço
no coração desfeito o laço
de quem eu tive e me deixou
chora minha flor de açucena
uma lágrima assim tão morena
a cor da minha face é assim
antigamente um bonito jardim
que agora vive no sofrer e na pena”
Canções tantas vezes tristes, uma verdade. Mas com uma musicalidade tão profunda que muito foge da dor barata, explícita, para se transformar em eco festivo. É a canção pela canção, pela recordação, e não propriamente uma revelação do instante da alma. Canta-se por cantar, como do mesmo modo vai surgindo outra lembrança antiga.
“Catingueira afinou e sua flor já caiu
sinal da seca medonha que no sol já floriu
até o verdoso mandacaru já entristeceu
a fogo-pagô bateu asa e também já desapareceu
qualquer pingo d’água que caia vai ter vali de rio
mas quando a porta do sertão é aberta
e a barra vermelha vem toda descoberta
é mais sol e mais seca que vai ajuntando
e logo o bicho e o homem junto pranteando
só resta ter esperança a cada dia que passando”
Como visto, também a canção dolente pela seca, pela estiagem, pelo sofrimento do homem do mato. É como se na voz estivesse sendo retratada uma realidade tão conhecida por todos. Verdade que o homem do campo, da terra, do mato, não gosta de cantar assim. A voz do seu coração se encanta mesmo é com aquilo que traduza o cheiro da terra, o berro do bicho, a folhagem esvoaçando, seu amanhecer e seu luar. E assim também é cantado.
Escritor
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