[Blog Ponto de
Vista, Editor jornalista Nelson Freire, de Natal, Rio Grande do Norte, nesta
reprodução do artigo do professor e escritor Luiz Serra, 01/08/2018.]
LAMPIÃO, UMA
LENDA 80 ANOS APÓS A MORTE
. . . Luiz Serra
. . . Luiz Serra
Esse
personagem marcante para a história nordestina continua sempre adorado ou
odiado, muito mais referência como um marco de resistência popular do que
puramente um bandoleiro das caatingas. Secamente, quem opina movido a
repetitório, por uma simples leitura, em meio a centenas de obras e cordéis,
todo modo, faz ainda mais por nutrir a legenda, a história motriz sertaneja.
Cangaço Portinari
O conveniente
seria que os leitores examinassem a época, de preferência, a República Velha
com as intrincadas conexões que moviam as vidas distantes do litoral, atreladas
aos coronéis da Guarda Nacional, instituto nascido no Império. As relações de
compadrio das glebas cabrocadas, termo da época que chamavam os roçados
cultivados por agregados, sertão à dentro. Léguas compridas de extensão
catingueira, cujos limites sem cercados eram vigiados por capangas e
curimbabas, fixados em choças do esconso sertanejo. A conversa era na bala! Os
incomodados se não tivessem padrinhos, mesmo que fossem “de fogueira”, tinham
que se mudar pra longe para não morrer de morte matada.
Nessa linha de
pesquisa, historiadores que perscrutam a senda do cangaço, e a vida dos
tornados cangaceiros, reiteram que a família de Virgulino Lampião vivenciou o
mesmo drama de muitos clãs pobres do sertão nordestino. E o pior, enquanto a
disposição dos territorialistas coronéis sertanejos era de sustentar a ferro e
fogo suas posses, quaisquer reativas de pequenos núcleos de indivíduos em
bandos, ou mesmo de rústicos roceiros, eram tratadas como, no mínimo, foras da
lei em cenário anárquico da imensa caatinga. Lampião e os irmãos teriam
acabado, igualmente, numa situação sem saída, e adentrado na anarquia
generalizada, de conflitos, revanches, cuja resolução de questões pontuais eram
obtidas no cano de bacamartes e fuzis Winchester “papo-amarelo”.
Meus sertões Mirian Merci
Nesse
seguimento, acabou que o pai de Virgulino Ferreira, um almocreve, esforçado
trabalhador de pequena gleba, foi atingido por uma chamada volante de cachimbos
que, como se sabia, era força móvel policial, arregimentada a partir de quadros
de jagunçada de chefes políticos de cada província sertaneja, ora fardados ora
paisanos. Para uns era a lei e a ordem no sertão; para outros, ordem intrínseca
a uma estrutura anárquica, isto é, de precária ordem ou disposição legal a
partir de detentores de vastos latifúndios rurais onde se praticavam tipos de
cultura que não exigiam grande investimento. Bastavam as guardas pessoais ou
capangagem bem armadas.
A inserção de
Lampião como líder de bando, na expectativa dos sertanejos, era que ele não duraria
muito tempo de ação, no entanto, por inegáveis “qualidades” de estratego e
gestor de pelotões “do mal” nômades, conservou-se na luta por duas décadas. Ora
arrostando coronéis internados na caatinga com imensas glebas, a partir de
astuciosas aproximações, para poder fazer acampadas nesses territórios
particulares, ora agredindo quem não colaborava ou traísse acordos precários
claramente para atemorizar pequenos ou maiores donos de roçados, protetores de
povoados, para que assegurassem os segredos de coito.
Os
Cangaceiros, de Carybé “A Expedição Contra Lampião”.... Folclorenote
Muito dessa
história pode absorvida em prazerosas leituras, a mencionar, de início, o
mestre Luís da Câmara Cascudo, com as deleitosas análises etnográficas; também
as linhas de pesquisa do escritor Honório de Medeiros, potiguar; as páginas
eletrônicas de Rostand Medeiros; obras de Frederico Pernambucano; de Antônio
Amauri; João de Sousa Lima, de Paulo Afonso; Oleone Fontes e José Bezerra
Irmão, baianos; a filmografia de Aderbal Nogueira; livros de Sabino Basseti;
Vera Ferreira; artigos do Blog Cariri Cangaço, de Manoel Severo; os folhetins
do poeta Patativa do Assaré, entre outros narradores dessa história ímpar do
chão nordestino.
Por
derradeiro, se Lampião se finasse como uma página fechada e sombria da
história, teria o mesmo fim de outro meliante cruel e de péssimos sentimentos,
que se apagaria no tempo. Mas, não foi isso que se sucedeu. E pela lógica dos
pobres, dos anti-heróis, dos perdedores, acabou martirizado, a exemplo de
Jararaca em Mossoró, teria acabado mais um detestável personagem anônimo.
Ocorre que a chamada Nova História, das ideias e mentalidades, faz recriar
mitos que se consolidam com a cumplicidade popular, e, tal como Che, na América
Latina, Lampião pode ser encaixado no escopo dessa vertente historiográfica, e
assim ficará ao longo do tempo.
Desta forma, o
romancista nordestino do Auto da Compadecida, Ariano Suassuna, longânime
escritor brasileiro, definiu Lampião:
Lampião cometeu atos cruentos. Virgulino não era uma alma pura, mas também não era uma alma pequena e vulgar, era uma alma grande. Era um personagem trágico.
Do escritor
Ariano Suassuna, em palestra no TST, DF: 18/04/2012.
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